Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e responsável pelo acolhimento e encaminhamento de denúncias de violações de direitos humanos no país, mostram que, mesmo com o aumento de 16,6% nas denúncias, houve queda nas respostas recebidas em 2019 em relação a 2018.
No ano passado, 226.094 denúncias foram feitas aos canais Disque 100 e Disque 180 e posteriormente encaminhadas aos órgãos do Sistema de Garantias de Direitos (SGD), que inclui Conselhos Tutelares, Ministério Público, delegacias especializadas, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), dentre outros. Em contrapartida, a Ouvidoria Nacional registrou o recebimento de 41.686 respostas dos órgãos do SGD, número 21,9% menor em relação a 2018.
Desse total, 13.450 são respostas a denúncias encaminhadas pela ONDH em 2018 e outras referentes a anos anteriores. Dos encaminhamentos feitos pela Ouvidoria no ano passado, apenas 23.964 tiveram resposta registrada ainda em 2019.
Para a procuradora Luciana Linero, que atua no Centro de Apoio das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente e da Educação do Ministério Público do Estado do Paraná, a queda significativa no número de respostas registradas na Ouvidoria foi resultado na mudança no processo de alimentação do sistema. Ela explica que até 2016 todas as denúncias feitas ao Disque 100 chegavam ao Centro de Apoio e ele fazia a distribuição às promotorias responsáveis. Cada promotoria, então, verificava junto aos órgãos de proteção se as denúncias tinham sido atendidas, e fazia o registro da resposta no sistema.
A partir de 2016, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o Disque 100 passou a encaminhar as denúncias recebidas diretamente aos órgãos de proteção, sem intermediação do Centro de Apoio. E as respostas também passaram a ser feitas diretamente pelos órgãos de proteção. Apenas alguns tipos de casos, como os de abuso reiterado ou que envolvam autoridades, ficaram sob responsabilidade do Ministério Público.
“A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos precisa achar um ponto focal em cada município para fazer a inserção de dados no sistema. Isso aconteceu até 2016 e o resultado era positivo”, explica Luciana. Ela salienta que atualmente não há um termo de cooperação vigente entre o Ministério Público e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O último foi assinado em 2016, com validade de 24 meses. “Agora estamos em impasse com a Ouvidoria porque ela queria que o MP assumisse esse encargo de fiscalizar o sistema e cobrar respostas, mas os procuradores entendem que essa não é função do Ministério Público”, diz a procuradora.
Para João Carlos Camargo, do Conselho Tutelar do Cajuru, em Curitiba, uma das dificuldades em dar retorno às denúncias é o grande número de demandas, que chegam não apenas via encaminhamentos do Disque 100, mas de outros canais, como prefeitura e denúncias feitas diretamente ao Conselho Tutelar. “Fazemos o máximo para atender todas as denúncias, mas não conseguimos atender algumas no tempo hábil, até porque observamos uma crescente no número de denúncias”, explica o conselheiro. Ele não tem acesso direto ao sistema do Disque 100 e recebe as denúncias e envia as respostas por e-mail.
Integração
Por meio de ofício, a Ouvidoria Nacional afirmou que tem trabalhado para padronizar o atendimento e dar mais agilidade e efetividade ao processo de acolhimento e encaminhamento de denúncias de violações de direitos humanos por meio de um Sistema Integrado de Direitos Humanos (SINDH), que engloba governo, ferramentas de atendimento ao público e órgãos parceiros.
Para isso, estão sendo firmados Acordos de Cooperação Técnica (ACT) para permitir que órgãos como Ministério Público, Conselho Tutelar e delegacias especializadas possam acessar diretamente o sistema de registro de denúncias. Com isso, além de receber a demanda, o órgão poderá reencaminhá-la e inserir as medidas adotadas em cada caso, o que deve permitir um levantamento de dados não apenas quantitativo, com o número de respostas às denúncias, mas também qualitativo apontando o que efetivamente foi feito para verificá-la.
Uma medida que já foi adotada diz respeito à mudança no protocolo central de atendimento, o que diminuiu o tempo de espera dos denunciantes. Em 2018, quem ligava para o Disque 100 esperava até 50 minutos para ser atendido. Hoje, a espera segundo a ONDH, não chega a um minuto.
A ONDH afirma ainda que a falta de uma articulação mais eficaz entre todos os atores do SINDH prejudica também a clareza nos dados. Para aferir melhor o número de denúncias e atendimentos, o órgão anunciou que terá um painel interativo online até o fim de 2020.
Atualmente, é possível fazer denúncias por meio de diversos meios, como site, aplicativos, atendimento via chat com interação humana, videochamada em Libras, canais exclusivos para idosos em situação de isolamento social. Também deve ser firmada uma parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o desenvolvimento de um aplicativo voltado para as denúncias relacionadas às crianças (Ouvidor Kids) e aos adolescente (Ouvidor Teens). Independentemente do canal utilizado, todas as denúncias recebidas são encaminhadas aos órgãos responsáveis em até 72 horas. Para casos urgentes, o prazo é de 24 horas.
No ofício, o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Fernando Cesar Pereira Ferreira, afirma que além de ampliar o acesso aos canais de atendimento, há preocupação de garantir o “acolhimento humanizado da vítima ou do denunciante e o seu encaminhamento célere e eficaz aos órgãos de proteção, sobretudo, daqueles voltados para as crianças e adolescentes, categoria que foi responsável por 55% de todas as denúncias”.
Pequenas vítimas
A maior parte das denúncias registradas por meio do Disque 100 refere-se a casos de violação dos direitos das crianças e adolescentes. No total, foram 86.837 registros em 2019. Só os conselhos tutelares, por exemplo, receberam 72.508 denúncias encaminhadas pela ONDH no ano passado.
Segundo a secretária nacional da Família, Angela Gandra, a preocupação em combater esse tipo de violência tem gerado ações que buscam diminuir a vulnerabilidade das crianças e preparar melhor pais e familiares para reconhecer e enfrentar situações de risco. “Nós queremos chegar também na prevenção, levando informação, dando condições para que as famílias vivam de forma plena e possam decidir sempre pelo melhor em relação a seus filhos, argumenta.
Ela cita programas do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos como o "Reconecte", lançado no ano passado, que visa uma reeducação tecnológica, fortalecendo relações sociais reais, em especial entre os membros da família, e a cartilha "Família Protetora", que se trata de um guia para pais e responsáveis de como identificar e prevenir riscos de abuso sexual, exploração infantil e pedofilia.
“Temos de acreditar numa política pública nacional de longo prazo. É preciso ter essa nobreza de não querer um resultado imediato, mas investir na raiz do problema. Às vezes só se quer um resultado emergencial e se esquece de investir no essencial, que a família”, ressalta a secretária.
Ações conjuntas entre secretarias e ministérios também estão alinhadas com o princípio de fortalecer a autonomia das famílias, como o programa "Família na Escola", em parceria com o Ministério da Educação, e o Fórum Nacional para Proteção de Crianças e Adolescentes Vítimas de Exploração Sexual no Contexto de Pornografia na Internet, promovido pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA/MMFDH), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
“Se queremos mudar a sociedade, precisamos investir na base, que é a família. Assim, teremos condições para a criação de uma sociedade mais feliz e autônoma”, ressalta Angela.
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