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“Dependência econômica torna mulher mais vulnerável à violência doméstica na pandemia”
| Foto: Unsplash

A pandemia do novo coronavírus e, por consequência, o isolamento social, intensificaram indicadores de violência doméstica. Entre os principais fatores diretamente relacionados a esse aumento, pode ser citada a crise econômica gerada pela pandemia da Covid-19.

A conjuntura socioeconômica na qual mulheres se veem dependentes dos cônjuges é fator agravante que as tornam mais vulneráveis à violência. É o que afirma Regina Beatriz, advogada e presidente da Associação de Direito de Família e de Sucessões (ADFAS). Regina conversou com a Gazeta do Povo sobre o assunto. Confira a entrevista abaixo:

Embora a violência doméstica seja um tema recorrente nas discussões, o entendimento de muitas pessoas ainda é o de que isso atinge apenas mulheres, quando idosos e crianças também são vítimas, não é?

Regina Beatriz: Sim. A violência doméstica atinge outras pessoas vulneráveis, como idosos, crianças indefesas e homens que, mesmo não sendo idosos, sofrem com problemas de saúde ou de outras dificuldades, como de ordem emocional ou psiquiátrica, que os levam à vulnerabilidade. A vítima sempre é o vulnerável, não há pessoa que não seja vulnerável que se submeta ao ciclo da violência doméstica.

Mas é conhecido que a violência doméstica tem como principal vítima a mulher. No Brasil e no mundo, pelo menos em países ocidentais, a mulher é a maior vítima, efetivamente.

Qualquer ato de agressão física, moral ou sexual é violência doméstica - o ato por si só. Mas quando falamos do grupo de pessoas que é mais vitimado pela violência doméstica, estamos falando da violência continuada e do chamado ciclo do qual, muitas vezes, o vulnerável não consegue sair.

Em sua opinião, quais são os principais fatores que tornam a mulher vulnerável à violência doméstica?

Regina Beatriz: O principal fator que vejo para que a mulher seja mais vulnerável e sofra mais violência doméstica – e é conhecido que o Brasil tem os maiores índices de violência contra a mulher - é a dependência econômica. As mulheres no Brasil ainda são, em grande parte, dependentes economicamente dos homens. E dependência econômica gera dependência emocional, gera subordinação.

Não digo em todos os casos, conheço mulheres senhoras do lar que não sofrem violência doméstica e não aceitam qualquer tipo de agressão. Inclusive, se divorciam quando são ofendidas pelos maridos. Não estamos, porém, olhando a exceção, estamos falamos do sentido macro. Dessa forma, fica claro que a subordinação econômica gera subordinação emocional e, portanto, gera vulnerabilidade.

O fato de a pandemia ter gerado uma crise econômica e, por consequência, ter afetado empregos, também é agravante, certo?

Regina Beatriz: Sim. E há um desemprego maior, em geral, que afeta principalmente as mulheres. Se uma empresa tem duas pessoas para despedir – um homem e uma mulher –, em muitos casos, escolhe a mulher para demitir. Além disso, a maior parte dos trabalhos domésticos - um dos setores mais afetados durante a crise - são feitos por mulheres.

No meu escritório, trabalham cinco homens e vinte mulheres. Mas ainda há quem pense que a mulher não tem o mesmo potencial de trabalho que o homem, quando tem qualidades e especificidades extremamente interessantes para uma série de trabalhos.

Se ela fica em casa, acaba assumindo as tarefas do lar...

Regina Beatriz: Sem a chamada empregada doméstica, a mulher tem de cuidar da casa, da limpeza, da comida e das crianças. Isso por causa de costumes que também, muitas vezes, prevalecem na sociedade brasileira, embora tenhamos visto evoluções, com o homem participando mais das atividades domésticas. Mas ainda há muitos casos em que só a mulher assume essas tarefas.

Ou, por exemplo, como fazer home office, cuidar das crianças, da casa? Isso tudo leva à perda de emprego, mesmo para a mulher autônoma. Isso gera, obviamente, uma dependência cada vez maior da mulher em relação ao homem, exacerbando a violência doméstica. Na pandemia, mulheres que já tinham certa independência financeira ficaram dependentes dos homens em função do desemprego, das dificuldades, do trabalho remoto.

Outro fator seria o estresse provocado pela quarentena, tendo em vista que pesquisas apontam para as consequências de ordem psicológica e emocional que o isolamento provoca?

Regina Beatriz: Sim, outro, além da conjuntura socioeconômica, é justamente o confinamento, que gera agressividade. Eu tiro da minha advocacia, visão empírica de saber que convivência durante muito tempo em um mesmo lugar gera violência.

Percebo com muita clareza que, como diz o ditado, 'onde falta o pão, mora a desunião'. Ou seja, o homem também pode estar desempregado ou preocupado com um desemprego iminente, ou com dificuldades de conseguir desenvolver seu trabalho. Por isso, pode se tornar mais agressivo.

Por exemplo, o casal que já tinha problemas na sua relação e resolve fazer uma viagem para poder melhorar o relacionamento está indo pelo pior caminho. Quando eles voltam para casa, a situação se agrava. Muitas vezes, quando pessoas tomam a atitude de ficar isoladas em par, aí é que vem o divórcio. Pode-se imaginar um confinamento em uma mesma casa durante 40 dias seguidos?

Espero que faculdades de psicologia façam estudos a respeito disso, além dos já existentes, utilizando o exemplo da pandemia para entender como se exacerbam as emoções, como pessoas ficam mais agressivas quando estão mais próximas, mesmo virtualmente.

As medidas de enfrentamento à violência doméstica têm sido eficazes durante a pandemia? O que fazer quando não se pode denunciar um agressor que está confinado com a vítima?

Regina Beatriz: A mulher que está em um ciclo de violência tem medo, pavor, de fazer a denúncia. Além disso, a fuga de casa fica mais difícil porque ela sofreu diminuição de renda. Tendo isso em vista, no Rio de Janeiro e em São Paulo já são possíveis boletins de ocorrência pela internet, desde que não seja necessário exame de corpo de delito.

Há delegacias abertas 24 horas e o Poder Judiciário está em plena atuação, como vejo em São Paulo e também em Santa Catarina e no Paraná. Com o Judiciário trabalhando, é possível tomar todas as medidas protetivas em relação a essa mulher que tem medo de fugir porque não terá meios de subsistência.

Quais são as garantias à vítima durante a pandemia?

Regina Beatriz: A ação de pensão alimentícia, por exemplo. Promovida a ação, a pensão é fixada logo no início do processo. Em SP, em no máximo uma semana, há, via de regra, uma pensão alimentícia fixada.

Como fazer a intimação desse homem?

Regina Beatriz: Há oficiais de justiça de plantão destinados à citação em casos urgentes. Dependendo do caso, é possível intimação até por e-mail. Estão flexibilizando as medidas de intimação para serem possíveis até mesmo por Whatsapp. Existem meios, sim, para mulheres saírem de casa e buscarem no Poder Judiciário a sua proteção por meio da pensão alimentícia.

Mais do que isso - as separações de corpos. Caso provada a violência doméstica, realiza-se o afastamento imediato do homem de casa e a medida de distanciamento, em que ele não pode se aproximar dela por mais de x metros, sob pena de ser preso, com pandemia ou sem.

Além disso, temos a guarda de filhos. Se o homem é violento, é preciso cuidar do regime de convivência dos filhos. Isso não significa que homens violentos com as mulheres sejam obrigatoriamente violentos com os filhos. Mas precisamos dar maior atenção a isso, fazer uma verificação mais profunda. Os meios estão aí, a mulher não precisa sofrer violência doméstica durante a pandemia. Ela tem meios no ordenamento jurídico pandêmico para buscar proteção.

Como a senhora vê uma medida anunciada pela pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) de levar mulheres vítimas de violência doméstica para hotéis? 

Regina Beatriz: Acho isso importantíssimo, o governo deve reservar, sim, verba para isso. Tenho grande apreço e vejo esforço, não só na pandemia, de uma digna ministra [Damares Alves].

Mas na minha opinião seria melhor que o homem fosse afastado de casa e que a mulher ficasse no conforto do lar com seus filhos, esse é o plano ideal alcançável. Não é a mulher que tem que sair, e o homem ficar em casa. O ideal é que ele seja forçado a sair de casa por ordem judicial.

Como a senhora vê o quadro de violência doméstica em um contexto pós-pandemia?

Regina Beatriz: Em relação a todo e qualquer tipo de violência contra a pessoa, espero que tiremos desse período tão sofrido para todos muitos exemplos de vida. Espero que as pessoas aprendam com isso, que entendam como é bom ser livre, que bênção de Deus é a liberdade. Que esse sacrifício aprimore as pessoas. Na minha ótica de vida, é o sacrifício que aprimora a pessoa. Quem não sofre na vida, não melhora, não aprende, não se aprimora.

Que haja aprimoramento do ser humano. Que homens entendam que não podem em hipótese nenhuma agredir suas mulheres. Que mulheres aprendam que não têm que se sujeitar à agressão dos seus maridos. Que crianças e adolescentes percebam tudo isso e que escolas públicas e privadas ensinem desde a mais tenra idade sobre a proteção e a preservação da mulher e do homem, em igualdade de condições. Educacionalmente, isso ainda é muito frágil no nosso país.

Até o governo anterior, se falava muito sobre ideologia de gênero, identidade sexual, mas antes disso deve se falar sobre respeito à pessoa, sobre a não prática da violência, isto sim é primordial, antes de qualquer educação sexual. Que o Ministério da Educação também aprenda com isso, que veja que o aumento do índice de violência decorre de falta de educação. Concordo que deve começar em casa, mas a educação nas escolas é fundamental - e o ensino falha por não dedicar mais tempo, com o currículo obrigatório, ao combate à violência doméstica.

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