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Heroína do Brasil

Lembro do dia em que conheci a dra. Zilda Arns, há mais de 25 anos. Dom Paulo Evaristo Arns era o cardeal arcebispo de São Paulo, respeitado por todos nós, padres que o tivemos como modelo na nossa vocação, e o bispo auxiliar na Região Belém, dom Luciano Mendes de Almeida, por quem tínhamos veneração.

Ambos me pediram que a acompanhasse por algumas favelas para começar a implantação da Pastoral da Criança em São Paulo. Para mim, uma honra e uma responsabilidade enormes. Quando a vi, pensei que fosse a versão feminina de dom Paulo. Com carinho a acompanhei até a favela do Jardim Dona Sinhá, onde nascia a Comunidade Nossa Senhora da Esperança, criada a partir das crianças que foram trazendo as famílias.

A igrejinha muito simples, cuidada por algumas irmãs corajosas que foram morar na favela junto com o povo que as adotou e cuidava delas com carinho. Celebrei a missa com a dra. Zilda ao meu lado.

Após uma missa, fomos andar pelas ruelas e becos, barro para todo lado, poeira vermelha, lugares difíceis de passar, mas todos queriam receber a visita da "doutora da Igreja". Sem pressa, dra.Zilda falava com as mães, agradava às crianças e seus olhos iam registrando tudo com razão e emoção. Logo depois das visitas começaram os encontros de capacitação e implantação da Pastoral da Criança.

Cada capacitação trazia novidades sobre um assunto que todos achavam que sabiam tudo: o aleitamento materno. Dra. Zilda, com maestria de quem ama, tornava popular o saber médico e científico. A campanha do soro caseiro foi uma explosão, as comunidades se encantaram, as colherinhas, o soro que salva e faz viver!

O caminho foi tornando-se complexo, com tudo muito organizado, fichas de acompanhamento. O Brasil foi se encantando com sua capacidade de mobilizar voluntários capazes de baixar a mortalidade infantil. Dra.Zilda dizia que a mão foi feita para acariciar e não para bater. A Pastoral da Criança explodiu no Brasil todo, tomada como exemplo, apoiada pelos governos, que só não tiveram coragem de tornar a sua prática política pública.

A Pastoral da Criança apresenta resultados que impressionam. Conseguiu apoio e foi muitas vezes premiada. Transbordou para mais de 20 países. Dra. Zilda foi indicada ao Nobel da Paz.

Vi dra. Zilda Arns na favela e nos gabinetes de autoridades sempre do mesmo jeito, tratando a todos com a mesma dignidade e respeito, tendo predileção pelos pequeninos. Fé inabalável, enfrentou desafios com a serenidade de que sabe a quem serve e a que veio. Morreu em missão, em pé, pela vida do povo, entre os pobres a quem amava e servia. Exemplo para todos. Heroína de uma nação, heroína de um povo, dra. Zilda Arns, heroína do Brasil!

Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral da Rua. Ao lado de Zilda Arns, ajudou a implantar a Pastoral da Criança na Arquidiocese de São Paulo.

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Pilares da infância

A Pastoral da Criança acompanhou desde o princípio a história do movimento de defesa da criança. Sempre foi uma participante fundamental da luta em prol dos direitos da infância. Tem uma atuação crucial no sentido de garantir o que está previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente no que diz respeito ao direito à sobrevivência e ao desenvolvimento. Ela tem um olhar muito carinhoso sobre esses pontos. É isso que faz sua equipe chegar aos lugares mais inóspitos, onde o próprio estado muitas vezes não chegou, e oferecer algum apoio às crianças e às famílias. Os voluntários capacitados se tornam pilares dessas comunidades. A sociedade civil se sente representada pela Pastoral da Criança. Quando vamos para o Maranhão, Pará ou mesmo a periferia de uma metrópole, sentimos como são necessárias iniciativas como a de Zilda Arns.

Jimena Grignani, coordenadora do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

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Água, sal, açúcar e amor

Pelo Unicef, acompanhei as atividades da Pastoral da Criança durante cinco anos. O trabalho da Pastoral da Criança começa no apoio ao soro caseiro, no combate à mortalidade infantil e à desnutrição. A Pastoral já fez a diferença desde o seu começo porque fortaleceu os esforços governamentais e mundiais na luta contra a morte de crianças pela diarreia e desidratação. Era um batalhão de mulheres e famílias orientando milhares de famílias sobre uso do soro caseiro. A mortalidade infantil pela diarreia diminuiu. O diferencial do trabalho da Pastoral da Criança reside no fato de que ele é estruturante para a família, que se fortalece e começa a exigir os seus direitos. A proposta de fortalecer os conhecimentos sobre os direitos das crianças, especialmente da mãe, assim como da gestante e do pai, para se chegar à criança faz a diferença. Onde a Pastoral da Criança trabalha, que é nas áreas mais pobres e carentes, os indicadores de saúde da criança, de uma forma geral, são melhores em relação a onde ela não está presente.

Halim Antônio Girade, coordenador do Escritório Zonal do Unicef em Manaus.

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Alavanca da solidariedade

O caráter humanitário do trabalho da dra. Zilda Arns marcou a história de nosso estado, do Brasil e também de outros países. Não por acaso, em 2006, foi ela indicada ao Prêmio Nobel da Paz. A Pastoral da Criança é uma proposta que se expandiu mundo afora, sendo incalculável o número de crianças que, por meio deste trabalho, foi salva da mortalidade e da subnutrição crônica, que produz lesões cerebrais irreversíveis e compromete o desenvolvimento do ser humano. Quem especialmente tem a obrigação institucional da promoção social de crianças e adolescentes e suas famílias é o Estado. Mesmo não fazendo parte dele, e não tendo o dever próprio de quem ocupa cargo público, dra. Zilda, com sua capacidade de liderança, mobilizou milhões de pessoas em prol da causa infanto- juvenil. Sua atuação social significou uma alavanca de solidariedade em favor das crianças do Brasil e do mundo. Fica agora o dever ético das forças progressistas da sociedade em dar continuidade ao esforço por ela desenvolvido.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador-geral de Justiça do Paraná.

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