Casas curitibanas antigas, construídas em terreno grande, costumam ter um portãozinho do lado, fazendo linha direta com o vizinho, principalmente se for parente. Na moradia da família Costa, no Cascatinha, região de Santa Felicidade, é assim: tem portãozinho do lado, só que o vizinho não é primo nem irmão, mas uma escola, e uma escola que funciona numa casa parecida a centenas de outras da região. É de madeira, pintada de verde, com jardim florido na frente e árvores em volta. Parece que a qualquer momento a nona vai sair na varanda e avisar que a macarronada está na mesa.

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A escola vizinha dos Costa se chama Ângelo Trevisan, pertence ao governo do estado, atende de pré a quarta série e tem 330 alunos – muitos oriundos de Campo Magro e do São Braz. Funciona há 55 anos, desde o dia em que os Trevisan, juntamente com os Costa – que, apesar do sobrenome português, têm a Itália nas veias –, deram o terreno, a madeira e os braços na construção de um colégio para a piazada do Cascatinha. Como estava tudo em família mesmo, o empreendimento ficou com um jeitão de sede da colônia. E assim permanece.

Chegar à escola é fácil. Para quem vem pela Avenida Manoel Ribas, entra-se em uma paralela depois do restaurante Castelo Treviso. Passa-se uma ponte estreita, uma subidona e logo se vê um cenário de cartão-postal antigo. Só falta o tom sépia e cantoneiras nas pontas. De um lado está a cinqüentenária Capela São Judas Tadeu, toda em madeira, construída pela família Durigan, de outro o pátio do colégio, o portão... e, para surpresa geral, duas grandes faixas brancas pregadas no muro.

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Num dos letreiros consta o nome dos alunos que ganharam – "na raça" – bolsa de estudos em um colégio particular de Curitiba. Noutra, festeja-se o Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar, dado à Ângelo Trevisan pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Unesco e Fundação Roberto Marinho. O reconhecimento levou a diretora Antônia Maria Dezan Lobato, 44 anos, até Washington, nos EUA, no início deste mês, para conhecer experiências norte-americanas de administração no ensino. Pois é: além de acolhedor como a casa da nona, o colégio que os Costa&Trevisan puseram em pé é um sucesso.

Tem quem espere mais de um ano para conseguir colocar o filho na pequena Ângelo. As instalações são franciscanas, o espaço medido a palmos, a disputa é uma batalha. Para cada dois matriculados, um fica na fila de espera. Além do mais, já se perdeu a conta, desde que o local funciona, das vezes em que esteve para ser fechado. Só na gestão de Antônia, iniciada em 1998, foram dois sustos. O motivo alegado é sempre o mesmo – a pouca demanda de alunos para uma escola pública plantada numa das área cuja clientela, em tese, prefere o conforto da rede particular de ensino.

Em tese. Toda vez que o assunto do fechamento vem à tona tem ameaça de guerrilha no Cascatinha. Os pais de alunos e famílias do bairro não deixam a Ângelo fechar as portas nem que para isso tenham de tirar Giuseppe Garibaldi do túmulo. "Nossa ligação com a escola é muito forte. Passa de geração em geração. Meu nono ficava vendo a criançada no recreio. Essa obra era muito importante para ele", lembra Silvana Costa, neta de Atílio Costa, um dos fundadores, e professora do Trevisan desde 1986.

Da última ocasião que o perigo rondou a Ângelo, há dois anos, o secretário de estado da Educação, Maurício Requião, decidiu ir pessoalmente conferir o enrosco. Fez o que tudo mundo faz: passou a ponte, subiu a ladeira, cruzou o portão da frente, viu o jardim bem-cuidado, o corredor largo com piso de madeira, os "cochinhos de livros" na parede e, provavelmente, algum dos 14 projetos desenvolvidos pelos 25 servidores da casa. Não foi preciso dar meia-volta: bateu ali mesmo o martelo contra o fechamento.

Agora, o pessoal da Ângelo Trevisan tem outro cabo-de-guerra pela frente – aumentar as instalações para atender também de quinta a oitava série. O olho grande vai para um terreno "vizinho de muro", que está pedindo para virar extensão da escola e, de arranque, tirar 150 crianças da fila de espera. É uma operação de risco – a Ângelo Trevisan com mais pavimentos e o triplo de alunos certamente não será tão acolhedora como antes. Sabe-se lá se o portãozinho com os Costa resistirá à chegada dos caminhões de cimento. Antônia, a diretora, se tranqüiliza. Para ela, essa história toda começou com mudança de atitude dentro da escola. O cenário de conto de fadas ajudou. A vizinhança com sotaque carregado e boa-praça também. Mas é urgente abrir mais um portão na velha escolinha do Cascatinha.

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