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Ação social

Depósito vira estufa de plantas e estimula planos para o futuro

Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" | Reprodução www.globo.com/paraisotropical
Guilhermina Guinle no papel da socialite Alice, em "Paraíso Tropical" (Foto: Reprodução www.globo.com/paraisotropical)

Desde o início deste ano, a área reservada para estocar lixo no Educandário São Francisco, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, ganhou nova serventia: virou um viveiro de plantas destinadas à recuperação das matas ribeirinhas. Nada menos do que 18 mil mudas já passaram pela estufa. A propósito, a troca das tralhas pelas folhas foi financiada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e fez uma enorme diferença na vida dos cerca de 140 adolescentes que cumprem medida na mais conhecida unidade de socioeducação do estado.

Embora apenas seis internos tenham participado da primeira fase da oficina, parcerias como essa são uma reivindicação histórica da casa. Para os educadores, o evento merece tiros de canhão. Acredita-se que a capacitação dos meninos pode dar jeito num problema que assombra as unidades de todo o país – a reincidência, nome pelo qual se chama o fracasso de todos os esforços em recuperar os internos.

Não se tem números exatos, mas é consenso que sem dominar nenhum ofício, os egressos, ao completar 18 anos e saírem do sistema, ganham entrada grátis para o crime. Paupérrimos, de baixa instrução, desvinculados da família e com histórico de delitos, viram alvos para o tráfico e outras formas de marginalidade. Não demora muito e estão de volta, ou nos centros de ressocialização ou nas penitenciárias – empurrados pelas marés. Já com um modesto certificado nas mãos – como o conseguido com as 144 horas de teoria e prática sobre matas ciliares – podem se habilitar para atuar como viveiristas em hortos, jardins e projetos de reflorestamento, como nesse caso. Em 2005, um curso de azulejista teve efeito semelhante no São Francisco. Mas foi em 2005. Sem falar nos ossos duros de roer, como a falta de verba para custear um irrigador de R$ 800, essencial ao projeto. Em miúdos, ressocializar pelo trabalho ainda não é uma conversa de gente grande.

A capacitação – seja ela qual for – tem ainda outra vantagem: costuma sensibilizar os juízes e garantir uma carta de recomendação para os garotos que recomeçam a jornada. "Sem esse impulso, muitos não conseguem emprego. Mas a sociedade é tímida na hora de fazer parcerias. Estou cutucando as autoridades, temos de desenvolver um sistema de amparo social. O bonde está aí e temos de pegá-lo", reforça a psicóloga Iliete Sansana Gallotti, educadora no São Francisco.

A esperança dos técnicos e educadores do São Francisco é que os bons exemplos arrastem e que órgãos públicos e empresas privadas vençam a imponência assustadora dos muros das unidades, batam na porta e dividam o bolo, mostrando que a inserção dos conflitados é um assunto de interesse nacional. Caso contrário, espaços como o educandário se vêem condenados à pior das sentenças – não passarem de penitenciárias em miniatura, estocando adolescentes, cheios de energia, sem conseguir lhes apontar uma alternativa de trabalho para quando o regime fechado expira. É nesse dia que a rede de proteção se rompe e as políticas de ressocialização viram palha que o vento leva.

A depender de gente como Iliete e do biólogo Lúcio Ferracin, 43 anos, idealizador da oficina promovida pelo IAP, essa hipótese está descartada. A dupla fala com co-nhecimento de causa – projetos profissionalizantes podem não ser a salvação da lavoura, mas têm potencial de ajudar meninos em conflito com a lei a somar, não a diminuir, o que é muito para quem, como diz Iliete, começou a ser "aviãozinho do tráfico" aos 7 anos de idade e não teve nenhuma escolha na vida. "Em projetos como esse, os meninos aprendem a ser colaborativos, a atuar em equipe e a fazer planos para quando deixarem as unidades", reforça a psicóloga.

"Pedro", 18 anos, e "João", 17 (nomes fictícios) são uma prova da eficiência dessa equação. Selecionados para aprender os segredos da mata ciliar, os dois avançaram umas tantas etapas rumo à liberdade. Tiveram de vencer o preconceito dos que viram na atividade uma "plantação de florzinhas", de estudar o ciclo das espécies, de cuidar do viveiro, em grupo, desfrutando da confiança dos educadores, já que o local guarda enxadas e pás. Pontos para os meninos. "Eles não param de se oferecer para regar as plantas nos fins de semana. Virou um espaço importante da unidade", ilustra Lúcio Ferrarin.

Hoje, já diplomada, a dupla discursa com intimidade sobre aroeira, araçá, gurucaia, pau-branco, manacá, peroba e os ipês, sem falar nas flores, como a popularíssima onze horas. E pede mais. "Pedro" – que nasceu e cresceu com os pés sujos de terra – faz planos de trabalhar com jardinagem e avisa que quer estudar agronomia. "João" quer mais... oficinas. "Estou esperando a de confeiteiro, para melhorar meus conhecimentos de panificação, e a de marcenaria. Espero ser selecionado", comenta, enquanto circula pelo antigo depósito de lixo com a desenvoltura de um especialista. Nada lhe escapa. "Vocês viram como a ‘onze horas’ floresceu?", pergunta ao pessoal da reportagem da Gazeta do Povo. A resposta é "sim".

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