Em tom de ato político, com voz elevada e frases de efeito, o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), disparou uma série de declarações polêmicas durante discurso na abertura do 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Brasília, na noite desta quarta (12).
O ministro disse que enfrentou e derrotou o “bolsonarismo”. “Já enfrentei a ditadura e já enfrentei o bolsonarismo. Nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”, declarou. Após a repercussão negativa do discurso, o STF divulgou nota afirmando que a declaração do ministro não se referia “à atuação de qualquer instituição”, mas ao “voto popular”.
A UNE é, historicamente, uma sólida plataforma de apoio aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Ao longo do evento em que Barroso compareceu, que iniciou nesta segunda-feira e vai até o dia 16 de julho, estarão presentes o presidente Lula (PT), vários representantes do PT e ministros do atual governo.
“Estar aqui é reencontrar o meu próprio passado de enfrentamento do autoritarismo, da intolerância e de gente que grita em vez de ouvir, de gente que xinga em vez de botar argumentos na mesa. Isso é o bolsonarismo! (...) Esse é o passado recente do qual estamos tentando nos livrar", disse o ministro da Corte, responsável pelo julgamento de diversos processos que envolvem Bolsonaro e seus aliados.
No Congresso, parlamentares de oposição ao governo Lula anunciaram que apresentarão um pedido de impeachment contra o ministro. O fundamento seria a lei 1.079/50, que define como crimes de responsabilidade de ministros do Supremo o exercício de atividade político-partidária e o procedimento de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.
Esta não é, entretanto, a única declaração em que o magistrado manifestou suas opiniões políticas. Veja a seguir outras ocasiões:
“Nós somos muito poderosos. Nós somos os poderes do bem”, disse, ao responder sobre possível reeleição de Bolsonaro
No Brazil Conference, evento realizado na Universidade Harvard em abril do ano passado, ao ser questionado pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) sobre seus temores de que Bolsonaro vencesse as eleições, Barroso disse: “É preciso não supervalorizar os inimigos. Nós somos muito poderosos. Nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem e ajudamos a empurrar a história na direção certa. O mal existe, é preciso enfrentá-lo. Mas o mal não pode mais do que o bem”, disse o ministro.
Após repercussão negativa da declaração, que ocorreu em ano eleitoral, o site oficial do STF divulgou uma nota informando que a fala do ministro “foi descontextualizada em algumas publicações ou menções”.
“Perdeu, mané. Não amola”, respondeu a eleitor de Bolsonaro após as eleições
Ainda em clima pós-eleitoral, duas semanas após o segundo turno das eleições presidenciais de 2022, que deram a vitória a Lula, o magistrado foi abordado por um brasileiro em Nova Iorque (EUA), onde participava de uma conferência. O homem, que era apoiador de Jair Bolsonaro e protestava contra o resultado das eleições, questionou o ministro sobre as urnas eletrônicas brasileiras. Irritado, o ministro se resumiu a responder: “Perdeu, mané. Não amola”.
“Judiciário passou por um processo de ascensão e se tornou um poder político”
No dia 5 de junho, durante a abertura do 7º Encontro do Conselho de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, realizado em Porto Alegre, Barroso – que costuma negar que haja ativismo judicial na Suprema Corte – disse que o Poder Judiciário tornou-se um poder político.
“O Poder Judiciário no Brasil, após a Constituição Federal de 1988, viveu e vive ainda um vertiginoso processo de ascensão institucional. Deixou de ser já há um tempo um departamento técnico especializado. Passou a ser um poder político na vida brasileira. Houve mudança na natureza, no papel, na visibilidade, nas expectativas que existem em relação do Poder Judiciário”, disse o ministro.
“Venezuela é ‘tirania de direita’”
Em fevereiro de 2021, ao conceder entrevista ao professor Marco Antonio Villa, o ministro afirmou que o regime bolivariano venezuelano, denunciada pela ONU por inúmeras violações a direitos humanos, seria uma “ditadura de direita”.
“Você acha que a Venezuela é conservadora? Certamente eu acho, desde o tempo do Chávez. Para mim aquilo sempre foi uma tirania de direita com um discurso disfarçado”, disse Barroso.
A Venezuela é comandada pelo ditador Nicolás Maduro, que sucedeu o também ditador Hugo Chávez após sua morte, em 2013. Chávez foi um líder populista de extrema-esquerda que corroeu a estrutura democrática do país e perseguiu ferrenhamente seus opositores. Líder do bolivarianismo, o qual considerava “o socialismo do século XXI”, Chávez nomeou Maduro, aliado de longa data de Lula, para dar seguimento aos seus ideais antidemocráticos.
“Já vai tarde”, em indireta pelo Twitter antes do 2º turno das eleições presidenciais
Durante as eleições de 2022, Barroso usava o Twitter para mandar indiretas de cunho político contra figuras da direita. Toda sexta-feira o ministro recomenda um livro, um pensamento e uma música em sua rede social. Na sexta anterior ao segundo turno da eleição presidencial, ele indicou a música “Já vai tarde”, do grupo Mania de Ser, em referência óbvia ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro.
Jurista vê poucas chances de sucesso em pedido de impeachment
A repercussão da recente declaração do ministro, sobre ter “derrotado o bolsonarismo”, foi ampla em Brasília, com parlamentares criticando enfaticamente a postura de Barroso. A resposta prática de deputados de oposição foi a articulação de um pedido de impeachment contra o ministro, mas o pedido tem poucas chances de avançar.
Esta é a análise de Antônio Pedro Machado, mestre em Direito Constitucional. Para ele, a declaração do ministro repercute negativamente e tende a acirrar ainda mais a perspectiva da sociedade em relação ao Supremo. No entanto, uma decisão sobre o suposto crime do ministro não se valeria apenas da “letra fria” da lei 1.079/50, mas do histórico das condutas institucionais dos ministros.
“O que vemos historicamente, ao menos desde 1988 e em especial nos anos mais recentes, é uma certa naturalidade nas participações dos magistrados em eventos dessa natureza. Isso tem sido cada vez mais recorrente e precisa ser avaliado. É algo que atrai críticas, mas a licitude depende não apenas de uma análise fria do que diz a lei, mas também da prática do que se observa e do que é tido natural”, explica.
Para o jurista, há viabilidade jurídica no pedido dos parlamentares, mas seu avanço é pouco provável. “Embora seja chocante, e o momento crítico do país torne tudo isso mais candente, institucionalmente nunca tivemos a perda de um mandato de ministro do Supremo por essa razão e não é a primeira vez que isso acontece”, declara.
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