Os governantes só podem tomar decisões acertadas se contarem com informações precisas. Tradicionalmente, os gestores públicos brasileiros confiavam em órgãos criados para esse fim, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica). Bem ou mal, as universidades públicas também cumpriam o papel de produzir conhecimento e auxiliar os governantes a escolherem políticas públicas baseadas na realidade.
Mas, nos últimos anos, outro tipo de entidade passou a ocupar esse espaço no debate público: as organizações não governamentais. Muitas delas têm um orçamento milionário. O problema é que, financiadas por empresas privadas, governos estrangeiros e megafundações internacionais, essas organizações nem sempre têm o bem da população brasileira como prioridade.
E uma das áreas mais visíveis dessa influência é a segurança pública.
Quando o Ministério da Justiça resolveu criar um grupo de trabalho para tratar do desarmamento, no início do ano, o Instituto Igarapé e o Instituto Sou da Paz foram os únicos órgãos da sociedade civil convidados a participar — representados pelos pesquisadores Carolina Taboada e Felippe Angeli, respectivamente.
Em comum, as ONGs têm a causa desarmamentista como norte e um orçamento farto, que se multiplicou nos últimos anos graças ao aporte de fundações estrangeiras.
Igarapé quadruplica receita em dez anos
Criado em 2011 pela ativista Ilona Szabó, o Instituto Igarapé tem o desarmamento e a legalização das drogas entre as suas prioridades. A organização viu sua receita mais do que quadruplicar em uma década (levando em conta os valores absolutos). Em 2012, o valor foi de R$ 2 milhões. Em 2022, foram R$ 9 milhões.
Atualmente, o Igarapé recebe recursos dos governos de Canadá, Austrália, Reino Unido, Países Baixos, Noruega e Estados Unidos, além da União Europeia e das Nações Unidas. Grandes empresas privadas, como o Grupo Iguatemi, o Google e o Uber também aparecem na lista de doadores. Além disso, a Open Society, do megabilionário George Soros — que tem como uma das prioridades a legalização das drogas ao redor do mundo — é parceira de longa data do Igarapé.
A diretora de pesquisa do instituto, Melina Risso, foi diretora do Instituto Sou da Paz e também integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Juntas, Ilona e Melina são autoras de um livro (“Segurança Pública para Virar o Jogo”) que recebeu prefácio do ministro Luís Roberto Barroso, do STF.
Já o Instituto Sou da Paz recebeu R$ 12,8 milhões em 2022. Desse valor, dois terços vieram de fora do Brasil. Em valores absolutos, a receita quase dobrou em uma década: em 2012, o valor fora de R$ 6,8 milhões.
Dentre os financiadores do Sou da Paz estão o Itaú, a Gol, e o governo do Estado de São Paulo — além da onipresente Open Society, da Fundação Ford e da Fundação OAK, todas com sede no exterior. A diretora-executiva do Sou da Paz, a advogada e socióloga Carolina Ricardo, foi Consultora do Banco Mundial e do Banco Internacional de Desenvolvimento.
Nos Estados Unidos, entidades não governamentais têm direito à isenção fiscal (equivalente às OSCIP brasileiras), mas lá elas não podem atuar no processo eleitoral ou fazer lobby no Congresso. No Brasil, o Sou da Paz se orgulha de fazer exatamente isso. Em seu relatório anual de 2022, por exemplo, a ong descreveu como tentou impedir a tramitação do projeto de lei no Senado (PL 3.723/2019) que regulamenta porte de arma para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). “Trabalhamos para aumentar o custo político da aprovação do projeto e para denunciar os impactos negativos para a segurança pública”, diz o documento.
Orçamentos se multiplicam
Outra ONG que tem influenciado o governo é a Redes da Maré, sediada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.
Em março, o ministro da Justiça, Flávio Dino, visitou o local, que fica em uma área controlada por facções criminosas. Dino afirmou que a ONG Redes da Maré contribuiu com ideias para a pasta. A entidade também é beneficiada por aportes vindos do exterior. A ONG teve uma receita de R$ 15,2 milhões em 2023.
Como a Redes da Maré não divulga seus balanços financeiros de forma consistente, não é possível saber se a ONG também viu suas receitas se multiplicarem nos últimos anos. Mas, em outras ongs pró-desarmamento, a progressão foi clara. O Viva Rio passou de R$ 8,9 milhões em 2011 para R$ 21 milhões em 2021. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou de R$ 2,4 milhões em 2011 para R$ 5 milhões em 2021. A Conectas Direitos Humanos teve uma receita de R$ 1,6 milhões em 2011 e de R$ 9,6 milhões em 2021.
Desproporção de forças
Um dos problemas da influência crescente dessas entidades pró-desarmamento é o desequilíbrio do debate público. Organizações contrárias ao desarmamento têm muito mais dificuldades de conseguir financiamento.
Outra consequência é a distorção da realidade. Um pesquisador do Ipea ou um professor universitário são, em tese, guiados pela busca dos fatos, onde quer que eles levem. Já os pesquisadores de ONGs não têm essa liberdade. Justamente por terem uma pré-concepção desarmamentista, esses grupos não mudariam de posição mesmo que a evidência dissesse o contrário. E, se o fizessem, perderiam grande parte do financiamento.
Promotor de Justiça Criminal e mestre pela Universidade de Girona, na Espanha, Luciano Lara diz que a correlação entre armas legais e a violência, apresentada por essas ONGs, é fictícia. “Os dados que eles apresentam são todos contestáveis e formados de maneira pouco clara. O que eles fazem já é direcionado para chegar no resultado que querem e dizer ‘mais armas, mais crimes’. Mas eles se esquecem de dizer ‘mais armas ilegais, mais crimes’”, afirma Luciano.
O promotor lembra que a tese de que um grande número de armas se perde e vai parar nas mãos dos criminosos também não se sustenta. “O governo Lula realizou o PF Recad (programa de recadastramento) e mostrou que 99,65% das armas vendidas no governo Bolsonaro foram recadastradas. Então, não há como dizer que armas vendidas aos CACs foram para o crime organizado”, ele diz.
Além disso, a taxa de criminalidade no Brasil caiu durante o governo Bolsonaro (numa comparação entre 2018 e 2022), justamente quando o Executivo adotou uma postura mais favorável ao armamento.
Para Fabrício Rebelo, responsável pelo Cepedes (Centro de Pesquisa em Direito e Segurança), a desproporção econômica entre as organizações pró-desarmamento e as antidesarmamento impede um debate franco sobre o tema.
Rebelo lembra que, em 2005, a ONG Viva Rio foi impedida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de participar da campanha do referendo sobre o desarmamento, justamente por receber financiamento estrangeiro (à época, da Fundação Ford). “É uma discussão desigual, pois, de um lado, têm-se entidades fartamente financiadas por grandes corporações engajadas numa agenda progressista, com recursos para produzir os mais estapafúrdios estudos e os divulgar como se verdades fossem, enquanto, de outro, não se consegue espaço nem sequer para a divulgação dos dados oficiais, que seriam o suficiente para desmontar toda a narrativa antiarmas”, diz.
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