Resumo desta reportagem:
- A descoberta, pela Polícia Civil, do “bunker do tráfico” dentro de uma ONG no Rio de Janeiro traz novamente ao debate o estreitamento de laços entre algumas dessas entidades e o tráfico.
- Há, atualmente, uma ofensiva no STF orquestrada por entidades hostis aos órgãos de segurança para reduzir progressivamente as operações policiais nas comunidades fluminenses, dominadas pelo crime organizado.
- Para fontes ouvidas na reportagem, a repercussão do caso coloca em xeque a excessiva animosidade de algumas ONGs em prol do enfraquecimento das operações policiais e fragiliza seus modos de atuação, em especial no Judiciário.
- Membros das polícias do RJ apontam que a atuação direta (no Judiciário) e indireta (na formação de opinião) dessas ONGs gera impactos diretos à segurança pública e favorece interesses do crime organizado.
A descoberta, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, de um bunker construído dentro da sede da ONG Multiplicação Social, que mantinha articulação com políticos, artistas e empresários para viabilizar sua atuação em uma comunidade na Zona Norte da capital fluminense, trouxe novamente o debate sobre a cumplicidade de algumas organizações não governamentais com o narcotráfico.
Na operação policial, realizada na sexta-feira (19), foram presas 17 pessoas ligadas ao tráfico e apreendidos 17 fuzis, uma arma calibre .50 e farta quantidade de munição, granadas e drogas. Somente o armamento apreendido foi avaliado em R$ 1 milhão pela Polícia Civil. No bunker havia uma porta automatizada, acionada por controle remoto, e dois cômodos para permitir que os criminosos permanecessem no local por períodos prolongados.
Em coletiva de imprensa, agentes envolvidos na operação afirmaram que os responsáveis pela entidade mantêm ligação com o tráfico local e abordaram a ligação de parte das ONGs fluminenses com o crime organizado. “É muito importante destacar dois pontos: primeiro, para quem tinha dúvidas de que algumas ONGs estão diretamente ligadas ao narcotráfico, essa operação de hoje acaba de espantar qualquer dúvida. A ONG realizava algumas atividades próprias de organizações não governamentais justamente para camuflar seu verdadeiro viés, que era esconder armamento do tráfico e esconder procurado da Justiça”, disse o delegado Marcos Amim, titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE).
O delegado também reforçou a importância das operações policiais para coibir o avanço do crime organizado no estado. Desde 2020, uma série de ONGs têm encabeçado uma ofensiva no Supremo Tribunal Federal (STF), junto a partidos como PSB, PT e PSOL, pedindo uma série de restrições à presença da polícia nas comunidades do Rio de Janeiro.
E as investidas têm alcançado êxito. Ministros do STF já sinalizaram positivamente a uma série de demandas dessas entidades. Dentre as várias determinações impostas pela Corte estão a proibição de operações nas comunidades, exceto em casos “absolutamente excepcionais”, durante a vigência da pandemia – o que se prolonga até hoje, mesmo com a OMS tendo decretado o fim da emergência internacional pela Covid-19 no início de maio; comunicação ao Ministério Público antes de cada incursão; vedação ao uso de helicópteros nas operações; dentre outras.
Como a Gazeta do Povo mostrou, o impacto do esvaziamento da presença policial nas comunidades é dramático: desde que as restrições passaram a valer, três anos atrás, lideranças do narcotráfico no estado têm encontrado mais facilidade para fortalecer e ampliar suas posições, construir mais barricadas para blindar seus territórios da entrada da polícia, aumentar seus arsenais de guerra e até mesmo receber traficantes de outros estados, que percebem os morros fluminenses como locais mais seguros do que seus estados de origem.
Mesmo assim, ONGs que atuam nos autos da chamada “ADPF das Favelas” (ADPF 635) como “amigos da corte” – responsáveis por fornecer embasamento às decisões dos magistrados – seguem assinando, com o PSB, pedidos de maiores restrições à presença policial.
Para fontes ouvidas pela reportagem, a descoberta do bunker coloca em xeque os motivos da excessiva animosidade de algumas organizações não governamentais em prol do enfraquecimento das operações policiais e fragiliza seus modos de atuação, em especial no Judiciário.
“Essa postura combativa à Polícia e leniente com criminosos nos deixa bastante intrigados. Será que esses indivíduos são movidos apenas por questões ideológicas ou possuem algum grau de envolvimento com o crime organizado? O resultado dessa operação é importante para começar a responder a algumas dessas indagações”, disse à Gazeta do Povo o delegado Fabrício Oliveira, titular da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro (CORE/PCERJ), após a operação em Parada de Lucas.
Para policiais, conduta de algumas ONGs favorece interesses do crime organizado
A defesa ferrenha de algumas ONGs pela redução das operações policiais nas comunidades tem chamado a atenção de órgãos de segurança justamente porque a demanda é de amplo interesse de facções criminosas. No ano passado, o ex-deputado estadual Alexandre Freitas (Podemos) enviou um comunicado ao governo do Rio de Janeiro relatando possível conflito de interesses na atuação de uma das organizações não governamentais que atuam na “ADPF das Favelas”.
Segundo o parlamentar, essa interferência ocorreria porque a ativista Flávia Fróes estaria atuando diretamente no processo por meio da ONG fundada por ela, o Instituto Anjos da Liberdade (IAL). Flávia presta serviços advocatícios há mais de duas décadas para lideranças do tráfico de drogas de diferentes organizações criminosas, em especial o Comando Vermelho – principal facção do Rio de Janeiro. Entre as linhas de atuação de sua ONG no Judiciário estão tentativas de reverter medidas de tratamento mais rígidas nos presídios, sobretudo nas detenções federais, destinadas às lideranças de facções.
Para o deputado, a atuação dela e do Instituto Anjos da Liberdade na ADPF 635 pode ocasionar conflito de interesses, uma vez que a advogada possui clientes e ex-clientes que têm claro interesse na diminuição das operações nas comunidades. Nos autos do processo, a ONG tem se manifestado no sentido de restringir ao máximo as incursões da polícia nesses locais.
À reportagem, fontes da Polícia Militar e Civil do Rio de Janeiro apontam que apesar de haver várias entidades não governamentais com atuação positiva operando no estado, uma minoria de organizações com forte agenda ideológica e grande visibilidade e influência acabam, direta ou indiretamente, gerando prejuízos à segurança pública e favorecendo os interesses do crime organizado.
Para o delegado Fabrício Oliveira, da CORE, a intensidade da ofensiva dessas entidades contra as forças de segurança aumentou nos últimos anos, o que prejudica diretamente a atividade policial. “Nos últimos anos, temos notado ataques cada vez mais severos de algumas ONGs contra as forças policiais no Rio de Janeiro. As críticas constantes e muitas vezes injustificadas trazem uma narrativa que aponta a Polícia e as operações como os principais problemas relacionados à violência, deixando em segundo plano ou ignorando completamente a atuação de organizações criminosas violentas que promovem guerras por territórios e praticam crimes bárbaros”, afirma.
Por outro lado, o coronel Mário Sérgio de Brito Duarte, ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da PM do Rio de Janeiro, destaca os impactos das restrições às forças de segurança impostas pelo STF a pedido de partidos políticos e ONGs. “As consequências são gravíssimas. Quando as armas legais do Estado não podem estar presentes nas mãos de seus agentes, em locais onde violadores da ordem as portam para controlar bairros inteiros, isso significa uma fragmentação na soberania territorial do país”, afirma.
“Internamente, estamos perdendo território para estruturas paralelas de poder capazes de produzir um estado de insegurança pública semelhante aos Conflitos Armados de Baixa Intensidade [combates com estética e táticas de guerra e equipamento bélico, com confrontos que duram horas ou dias e levam pânico à população]. A munição traçante que corta os céus do Rio de Janeiro e os sons das granadas são a estética mais evidente desse conflito”, declara.
ONG Multiplicação Social é liderada por homem que se denomina “ex-traficante”
A sede da ONG Multiplicação Social, onde foi descoberto o bunker do narcotráfico, fica no bairro Parada de Lucas, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A entidade foi fundada formalmente em julho de 2021 e tem em sua direção José Cláudio Fontoura Piúma, conhecido como “Gaúcho”.
Piúma é ex-chefe do tráfico do Complexo do Alemão e atualmente se denomina “ex-traficante”, palestrante e “mediador de conflitos”. Com longa ficha criminal e já tendo passado mais de duas décadas preso, nos últimos anos tem publicado uma série de vídeos nas redes sociais para falar sobre a organização que gerencia e sobre seus posicionamentos políticos e ideológicos, com frequência fazendo críticas a agentes de segurança que, segundo ele, teriam como missão “matar negros e pobres”.
Entusiasta do refreamento das operações policiais nas comunidades do estado, Piúma atuou como gerente de projetos da ONG Afroreggae por cinco anos e costuma dizer que tem como missão tirar jovens do mundo do crime por meio do seu projeto social.
Em 2015, quando teve a prisão em regime aberto revertida para o semiaberto por ter violado as determinações da prisão domiciliar mais de 20 vezes em apenas um mês, a juíza que proferiu a decisão o apontou como “preso de alta periculosidade” e “líder de facção criminosa”. Em 2021, quando estava em liberdade condicional, foi novamente preso em flagrante junto com comparsas enquanto se preparava para roubar uma casa.
A ONG presidida por “Gaúcho” é bastante articulada com o poder público e com artistas e empresas. Como resultado, o rapaz já apareceu em programas de televisão e concedeu entrevistas a veículos de imprensa sobre temas como sistema carcerário e violência policial.
O símbolo da ONG Multiplicação Social é uma bandeira do Brasil com um fuzil sendo quebrado ao meio, em alusão ao desarmamento. Ávido defensor de políticas contra armas em prol de uma “cultura de paz”, Piúma mantém fotos portando fuzis em seus perfis nas redes sociais.
Presidente da ONG diz que não sabia da existência de bunker: “é triste a prisão desses jovens”
Após a operação policial que descobriu o bunker do narcotráfico, o presidente da ONG Multiplicação Social publicou um vídeo no qual afirmou que não sabia da construção feita dentro do terreno da entidade, nem da presença dos traficantes no local. “É triste a prisão desses jovens, porque são jovens que estão na agonia”, disse Piúma em referências aos criminosos presos dentro do bunker.
“Onde esses jovens foram pegos é um lugar que não tem como ninguém saber de nada lá. Lá é onde guardam as coisas que não prestam mais, que é lixo. Estou deixando bem claro que a gente não tem acesso, que a gente não sabia de nada disso lá, a gente não tem envolvimento nisso. A própria delegacia pode dizer isso, porque se tivesse eles saberiam que a gente teria”.
Vale destacar que os delegados afirmaram justamente o contrário. "Foi uma obra de grande vulto. Impossível de se fazer sem que houvesse nuance daqueles responsáveis por essa ONG de fachada. Agora temos materialidade para se colocar no papel que o responsável principal da ONG, que se dizia ter largado o tráfico de drogas, ainda faz parte do narcotráfico. Ele ainda é uma peça fundamental para a organização criminosa", disse o delegado da DRE após a operação.
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