Curitiba Com 22 anos de idade e uma década depois do massacre de Carajás, no Pará episódio que marcou a luta no campo no país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ainda procura seu lugar na política brasileira. O grupo sempre teve ligações com o PT, embora proclame ser apartidário. No governo Lula, no entanto, não obteve os resultados que esperava o que levou a uma aproximação com agremiações tidas como mais à esquerda, como o PSol da senadora Heloísa Helena (AL). Os analistas, porém, confirmam que o MST deve apoiar a reeleição do presidente.
Essa e outras decisões serão tomadas em um clima tenso. Lideranças do partido já haviam prometido um 2006 de busca intensa pela posse da terra, e o mês de abril é crítico. A data-chave é amanhã, quando o movimento lembra os 10 anos do confronto ocorrido em Eldorado dos Carajás (PA), em que 19 militantes morreram em um choque com a polícia, que tentava evitar o bloqueio de uma rodovia. Também há dez anos, o MST realizou aquela que foi até hoje sua maior mobilização, a invasão de terras da companhia Araupel em Rio Bonito do Iguaçu, região central do Paraná (leia mais sobre Rio Bonito na página ao lado).
Em Pernambuco, a coordenação local do MST promete pelo menos dez invasões nesta semana. No Paraná a situação é tensa desde a semana passada. Houve manifestações em Moreira Sales (Centro-Oeste), onde o movimento fechou por dois dias a agência do Banco do Brasil; em General Carneiro (Sul), onde a prefeitura foi ocupada; e em Paranapoema (Noroeste), onde a Justiça concedeu reintegração de posse aos donos de uma fazenda invadida.
Convênios
Nos próximos meses, a relação entre o movimento e o presidente Lula estará sob análise. Não é um relacionamento sem atritos: o MST, por exemplo, contesta os dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, órgão federal que comanda a reforma agrária no país) de que foram implantados 380 mil novos assentamentos no governo Lula pelos números oficiais, uma parte substancial dos 440 mil que foram prometidos na campanha de 2002. Para os sem-terra, esse total inclui assentamentos firmados em terras públicas, e não em propriedade privada desapropriada.
"Eles esperavam mais de Lula, portanto não deixam de reclamar. Até porque se sentem mais à vontade com ele. Mas, neste ano de eleição, não há dúvidas de que eles não vão passar do ponto para não atrapalhar. Bem ou mal, Lula continua sendo a sua esperança", considera Comparato.
De acordo com o cientista político Reginaldo Moraes, da Universidade de Campinas (Unicamp), os assentamentos ganharam com o governo Lula uma série de programas antes inexistentes e uma liberdade maior de ação. "É enorme o número de convênios que eles têm com os ministérios. Na educação, por exemplo, 100 mil crianças participam das escolas que eles dirigem", diz.
Lacerda, do Incra, lembra que, mesmo com críticas ao número de assentamentos realizados entre 2003 e 2005, o MST reconhece os benefícios adquiridos no governo Lula. "A minha análise é de que antes do governo Lula houve assentamentos que foram um fracasso porque não tinham meios de sobrevivência. Com os programas de financiamento criados e o suporte que se está tentando fazer o quadro está melhorando muito, mas este é um processo lento", avalia.
"O governo, qualquer que seja, não pode ignorar mais o movimento sem-terra", resume o cientista político e professor da Universidade de São Paulo Bruno Comparato, autor de pesquisas sobre a imagem do movimento na imprensa. "A divulgação do MST aumentou muito após o massacre de 1996, inclusive na imprensa internacional. E cresceu. Hoje ele envolve pelo menos 1 milhão de pessoas, se tornou um ator político, como outras entidades no país".
Contraponto
O crescimento vertiginoso do contingente de sem-terra é uma das primeiras críticas de quem milita contra as ações do MST. O deputado Xico Graziano (PSDB-SP), ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na gestão FH, acusa o movimento de uma atuação viciada. "O MST hoje é um movimento social que tem um baita orçamento, de apoio internacional, uma organização fortíssima que há muito não vive mais da reforma agrária. Existe uma máquina de sem-terra para manter essa estrutura. A demanda por terra é forçada, o MST arrebanha gente na periferia para criar uma crise de assentamentos sem fim", critica.
De acordo com Graziano, de 1995 até 2005 pelo menos 500 mil famílias foram assentadas, números não contestados pelo MST, mas considerados insuficientes. O deputado questiona a necessidade de mais assentamentos e briga pela verificação das razões pelas quais as famílias que receberam lotes não têm retorno produtivo.
"Ao todo, são 30 milhões de hectares de terras e onde está a sua produção? É necessário consolidar a reforma agrária e não fazer mais reforma agrária. Há muita falsidade por trás do problema agrário e quem paga essa conta de R$ 5 bilhões anuais fazendo assentamentos é o povo", afirma.
O Superintendente do Incra no Paraná, Celso Lisboa de Lacerda, vê a questão sob outro enfoque. "O Estatuto da Terra, de 1964, é perfeito, mas ninguém o colocou em prática. Como o país não fez a reforma agrária como devia, com suporte para que eles subsistissem, há ainda muita concentração de terra. De 1990 para 2000, enquanto o governo assentou 400 mil famílias, mais de 1 milhão de pessoas deixou o campo por falta de infra-estrutura. Foi isso que levou ao surgimento e fortalecimento do MST".
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