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Alunos brasileiros de escolas privadas tiveram um desempenho superior aos estudantes de escolas públicas no TIMSS, exame internacional que mede conhecimentos em matemática e ciência, mas esse resultado está longe de ser satisfatório. Divulgado no último dia 4, o Brasil ficou entre os piores do mundo no ranking.
Enquanto a média dos alunos brasileiros do 4º ano em matemática é de 378 (nível baixo), quando é feito o recorte por alunos de escola privada, a média sobe para 469,7 (nível intermediário). Apesar disso, o resultado dos alunos de escolas particulares ainda fica atrás de países como Azerbaijão, Cazaquistão e Macedônia, que atingiram o nível alto. Enquanto estudantes no nível intermediário conseguem realizar operações básicas, como adicionar números decimais e medir distâncias simples, aqueles no nível alto (de 476 a 550) dominam frações, decimais e conceitos geométricos mais complexos.
Já no 8º ano, alunos brasileiros de escolas particulares alcançaram uma média de 469,9 pontos em matemática, abaixo da média internacional de 478. Essa pontuação coloca esses estudantes no nível intermediário, que vai até 475 pontos. Em comparação, a média global está no nível alto, que começa a partir de 476 pontos. Apenas 1% dos alunos brasileiros atingiram o nível máximo de proficiência em matemática, tanto no 4º como no 8º ano.
“O desempenho dos 5% melhores alunos brasileiros foi o pior entre todos os participantes. Ou seja, os nossos melhores, além de estarem emparelhados com os alunos de desempenho médio dos países desenvolvidos, apresentam os menores escores de todos os países. Isso é muito preocupante”, alerta Ilona Becskeházy, doutora em política educacional pela USP.
Baixo resultado de escolas particulares mostra que o problema está na forma de ensinar
Para Cláudia Costin, especialista em educação e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, o fraco desempenho dos estudantes também de escolas privadas reflete problemas estruturais da educação brasileira. “Não é que a escola pública saiu péssima e a escola privada saiu muito boa. Ambas saíram mal. Só que, naturalmente, a escola pública saiu pior que a escola particular. Então, temos que reavaliar a forma como a gente ensina”, analisa.
Um dos pontos centrais, segundo Costin, é a formação de professores, um problema que afeta escolas de todas as redes de ensino. “É muito importante lembrar que o professor que está na escola privada, ele muitas vezes não passou no concurso para atuar no ensino público. Isso acontece com frequência, embora não seja uma regra geral”, observa.
O Ministério da Educação (MEC) diz estar atento aos problemas de formação dos professores. Em maio deste ano, o MEC elaborou novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em licenciatura. Diante do crescimento da procura de alunos por cursos de licenciatura EaD, a principal diretriz estabelecida é a de que os cursos de formação de professores só podem ter 50% da carga com aulas na modalidade de educação a distância. O Censo de Ensino Superior de 2023 mostrou que 90% das matrículas de cursos de licenciatura em faculdades particulares foram para cursos EaD.
“O ensino [nos cursos de licenciatura] é basicamente teórico”, destaca Costin. “Seria o equivalente a formar um médico só com história da medicina, filosofia da medicina e sociologia da medicina. É preciso ensinar a prática profissional a esse candidato a ser professor como se ensina a um médico antes da residência médica”, exemplifica. Segundo a especialista, seria preciso reformular a formação docente e melhorar a atratividade da carreira.
TIMSS pode ajudar o Brasil a pensar em currículos melhores aos alunos
A participação do Brasil no TIMSS pode ser uma oportunidade para melhorar o currículo escolar do país, segundo Ilona Becskeházy. A avaliação tem como foco o currículo e oferece às autoridades brasileiras um parâmetro exigente.
“É óbvio que se uma sociedade como a brasileira tem baixas aspirações sobre as gerações futuras, os demais currículos, decorrentes desses desejos medíocres, também serão modestos”, afirma. “Para os pais de escolas privadas, sugiro que peguem os cadernos dos seus filhos de 9 anos e vejam se eles já sabem fazer o que é cobrado no TIMMS”, sugere.
Becskeházy ainda relembra que o Brasil teria muito o que aprender com países asiáticos, por exemplo, quando se trata de matemática. “O que aconteceu com os países que participaram do TIMMS e PIRLS desde meados dos anos 1990 foi que tiveram a oportunidade de conhecer os currículos de países como Singapura e Hong Kong e passaram a copiá-los. Isso "puxou para cima" as expectativas dos países ocidentais, que confiavam em uma suposta tradição da formação docente para que as próximas gerações aprendessem”, observa.
O Brasil aderiu oficialmente à avaliação do TIMSS no final de 2022, ainda no governo Bolsonaro, pelo então ministro da educação Victor Godoy. O objetivo era melhorar a avaliação dos impactos da pandemia da Covid-19 na educação brasileira.
Brasil deveria aproveitar resultados do TIMSS para resolver problemas educacionais
O TIMSS é uma avaliação organizada pela Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional (IEA). A IEA também é responsável por organizar o PIRLS, que examina as habilidades de leitura e compreensão leitora. “Esses dois estudos (TIMMS e PIRLS) permitiram às autoridades educacionais desses países perceberem a importância do currículo. Aliás, uma velha máxima do setor de administração: o que não é medido ou especificado simplesmente não acontece”, avalia Becskeházy.
Para as especialistas ouvidas pela Gazeta do Povo, as habilidades de leitura e matemática estão bastante relacionadas. “O fato de que a gente lê mal interfere na matemática também, e quase não falamos sobre isso. Mas se você tem um problema de matemática, você tem que entender a formulação da questão para poder responder bem naquele problema”, explica Costin.
Becskeházy acredita que o governo brasileiro pode utilizar melhor os resultados do TIMSS, como de outros exames internacionais, como o PIRLS e o PISA, para ter um melhor diagnóstico da educação brasileira. Uma compreensão clara das dificuldades educacionais aumenta as chances das políticas públicas serem mais eficazes. “Estamos estagnados na mediocridade há muito tempo e não vejo nenhuma chance de isso mudar nos próximos anos. Mas é preciso continuar com esses termômetros na mesa de cabeceira do doente”, conclui.