Uma análise do perfil dos alunos das escolas públicas brasileiras mostra que o país convive com duas realidades bem diferentes: a dos estudantes da rede federal de ensino e a daqueles que estudam em colégios municipais ou estaduais. Enquanto nas federais 4% dos alunos do 9.º ano do ensino fundamental trabalham fora de casa, nas municipais e nas estaduais o índice é de aproximadamente 20%. As disparidades estão presentes também no desempenho dos alunos em exames do governo federal. No último Enem, a média dos estudantes do terceiro ano do ensino médio das escolas federais foi superior à dos alunos de outras redes de ensino, inclusive das escolas particulares.
Os dados sobre o contexto socioeconômico dos estudantes foram obtidos a partir do questionário aplicado pelo governo federal junto com a Prova Brasil, teste que a cada dois anos avalia a qualidade do ensino nas escolas públicas. Segundo o levantamento, nas escolas federais, 48% dos alunos têm diarista ou empregada. Nas estaduais, o índice cai para 10% e nas municipais, para 9%. Além disso, 95% dos estudantes das federais disseram ter computador com acesso à internet; o índice é de 52% nas estaduais e de 38% nas municipais. A pesquisa foi feita em 2011 com quase 2 milhões de alunos do 9.º ano.
A realidade dos estudantes pode estar associada ao resultado das escolas em provas como o Enem, já que diversos estudos sobre o exame identificaram que a origem social do aluno faz diferença nas notas. No Paraná, as médias da rede federal foram maiores nas cinco provas do exame: Linguagens (577,58 pontos), Redação (628), Matemática (631), Ciências da Natureza (574) e Ciências Humanas (622).
Segundo o assessor pedagógico Mateus Prado, autor de materiais didáticos sobre o Enem e fundador da ONG Henfil Educação e Sustentabilidade, de São Paulo, a seleção econômica é feita indiretamente a partir dos “vestibulinhos”. “As escolas federais selecionam, fazem provas (para os alunos que querem se matricular). A maior parte dos estudantes dessas escolas veio de colégios particulares. Viçosa, por exemplo, é uma cidade mineira com cerca de 80 mil habitantes em que a maior parte das pessoas está ligada à universidade. A Universidade Federal de Viçosa tem um Colégio de Aplicação que durante anos ficou em primeiro lugar no Enem. Se você for até lá, verá alunos de 9.º ano fazendo cursinho para entrar nessa escola”, diz.
Para o professor e pesquisador do Núcleo de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ângelo Ricardo de Souza, as escolas municipais e estaduais precisam lidar com um grupo mais heterogêneo de alunos, o que dificulta a tarefa da instituição de ensino e do professor. “Essa diferença no perfil dos alunos tem relação com a seleção dos estudantes pelas escolas federais. Há testes que nivelam os alunos já na entrada. Com raríssimas exceções, as matrículas na escola pública municipal ou estadual são georreferenciadas, isto é, o estado é que determina onde o aluno vai estudar de acordo com o local onde ele vive”, compara. “Nas municipais e estaduais, você vai encontrar alunos cuja mãe tem diarista e alunos cuja mãe é diarista”, afirma.