Mais de 800 famílias que há pouco mais de um ano vivem na ocupação Tiradentes, localizada na Cidade Industrial de Curitiba, sofrem a angústia de se verem relegados ao olho da rua. A Justiça já expediu uma ordem para que a área – de 145 mil metros quadrados, envolvida em disputas judiciais – seja desocupada e restituída à Essencis Soluções Ambientais, empresa que mantém um aterro sanitário no terreno ao lado. Até agora não há uma solução, mesmo que paliativa, do poder público para assistir essas pessoas, que vivem em condições de pobreza extrema.
PM aponta riscos na desocupação e pede negociação
A Polícia Militar (PM) do Paraná, por meio da Coordenadoria Especial de Mediação dos Conflitos de Terra (Coorterra), encaminhou um ofício à juíza Mariana Gluszcynski Fowler Gusso, alertando-a sobre os riscos que o cumprimento da desocupação da área devem gerar. Em razão da “questão social”, a corporação destaca a necessidade de que a “reintegração seja negociada e que se indique local para realocação das pessoas”.
Autor do ofício, o tenente Íncare Correa de Jesus clama pelo acionamento da Prefeitura de Curitiba e destaca recomendações nacionais, segundo as quais devem ser “evitados os despejos forçados de trabalhadores, sem o prévio reassentamento ou realocação das famílias desalojadas”.
O oficial salienta que a experiência do Coorterra demonstra que a falta de negociação “não resolve o problema, pelo contrário, agrava-o no sentido de que os despejados, sem alternativa, acabam ocupando outras propriedades”.
Por fim, o órgão da PM destaca que o cumprimento da determinação judicial requer uma “operação policial de grande envergadura”, com cerca de mil policiais e que o ato “pode comprometer a integridade física das pessoas ali presentes”.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a PM informou que a juíza ainda não se manifestou a respeito do ofício do Coorterra, mas, se a determinação judicial for mantida, só restará à corporação cumprir a ordem.
A ordem judicial – uma concessão de antecipação de tutela – foi expedida em março, pela juíza Mariana Gluszcynski Fowler Gusso, da 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais. Na decisão, a magistrada determina que os bens dos ocupantes da área sejam removidos e, se for o caso, encaminhados a um depósito público. A juíza também autoriza o uso de força policial “com contingente suficiente à magnitude da área e número de pessoas ocupantes do local”.
Desde então, os moradores da Tiradentes permanecem sob constante angústia, com a sensação de que podem ser despejados a qualquer momento, mesmo sem ter para onde ir. Segundo as lideranças, mais de três mil pessoas vivem na área, das quais 380 são crianças. Tomada em abril do ano passado, a área é considerada a maior ocupação não regularizada de Curitiba.
“Faz mais de 15 dias que ninguém dorme, aqui. A gente nunca sabe a hora que eles vão chegar e de que forma vão chegar. A verdade é que ninguém aqui tem outro lugar aonde ir”, disse Janiele dos Santos Souza, uma das líderes da Tiradentes.
Sem saída
A Companhia de Habitação Popular (Cohab) de Curitiba informou que o município não tem condições de atender, de maneira imediata, as famílias que integram a Tiradentes. Segundo a entidade, não há 800 moradias disponíveis para destinar a essas pessoas no curto prazo e também não há orçamento previsto para outras possíveis soluções, como o aluguel social, por exemplo. Além disso, a Cohab destaca que precisa respeitar a fila de inscrição, que soma 68 mil pessoas cadastradas, aguardando moradia na capital paranaense.
O estado também não deve ajudar a solucionar o problema, já que a ocupação se encontra em uma área de atribuição da Prefeitura de Curitiba. Por meio de nota, a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) ressaltou ainda que “não há possibilidade de as famílias permanecerem no local, por se tratar de um espaço insalubre e sem as mínimas condições de habitabilidade”.
“Entendemos que há uma ordem judicial, mas o poder público não apresentou uma alternativa sequer para acolher essas pessoas. As famílias não podem, simplesmente, ficar no meio da rua”, apontou a advogada Sylvia Malatesta das Neves.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Essencis Soluções Ambientais disse que prefere não se manifestar enquanto os processos judiciais estiverem tramitando.
MP tenta acordo para acolher famílias
- Felippe Aníbal
Ao longo do último ano, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) vem acompanhando os desdobramentos em torno da disputa judicial da área onde hoje está instalada a ocupação Tiradentes. Com a decisão judicial para que as famílias desocupem o terreno, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Curitiba tenta costurar um acordo para que as mais de três mil pessoas que vivem no local sejam acolhidas de alguma forma.
“O local não é, de fato, adequado para se estabelecer moradia, já que fica próximo a um lixão, com materiais tóxicos. Mas essas pessoas merecem uma condição digna. Nós vamos lutar por isso, para que essas famílias não fiquem no desalento”, apontou a promotora Aline Bilek Bahr.
A Promotoria já realizou duas reuniões tentando chegar a um acordo, mas não houve solução. Além da Cohab e da Cohapar, empresários donos da área alegaram ao MP-PR que não poderiam dispor de recursos financeiros para auxiliar no acolhimento às famílias. A promotora não descarta a adoção de medidas judiciais para tentar com que os moradores da Tiradentes sejam assistidos. “São pessoas em extrema condição de vulnerabilidade, inclusive crianças e idosos”, destacou Aline.
Antes disso, a Promotoria tentou sensibilizar a Justiça do impacto social da decisão. O MP-PR chegou a pedir à juíza para que ela pedisse um levantamento à Cohab ou determinasse alguma garantia às famílias, mas o pedido foi indeferido.
A Justiça homologou, em 28 de abril deste ano, a aquisição pela Essencis Soluções Ambientais da área onde hoje está instalada a ocupação Tiradentes. O terreno pertencia à massa falida da Stirps Empreendimentos e é alvo de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR).
Proposta pela Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente, a ação foi movida para tentar que um aterro sanitário da Essencis – que funciona no terreno vizinho – fosse estendido à área da ocupação. No local, de acordo com o MP-PR, há uma nascente de rio e uma área de mata nativa, que sofreriam grave dano, caso o empreendimento fosse expandido.
A Promotoria pediu à Justiça que aguardasse os desdobramentos da ação civil pública antes de homologar a compra da área pela Essencis. A juíza Mariana Gluszcynski Fowler Gusso, por sua vez, entendeu que as consequências da ação não trariam reflexos no direito de propriedade do terreno.
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