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Das 233 leis sancionadas pelo presidente Lula até a primeira quinzena de dezembro de 2023, 85 foram leis de baixo ou zero impacto para o funcionamento do país. Quem acompanha de perto as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado Federal viu um ano de trabalho com poucas pautas relevantes.
Das 233 leis sancionadas pelo presidente Lula até a primeira quinzena de dezembro de 2023, 85 foram leis de baixo ou zero impacto para o funcionamento do país. Quem acompanha de perto as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado Federal viu um ano de trabalho com poucas pautas relevantes.| Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Das 242 leis sancionadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até o dia 20 de dezembro de 2023, 85 foram leis de baixo ou zero impacto para o funcionamento do país. Isso significa que 35% das leis aprovadas pelo Legislativo são irrelevantes para a maioria dos brasileiros. Nos corredores do Congresso Nacional, aumentam os comentários sobre a improdutividade legislativa de 2023. Quem acompanha de perto as atividades da Câmara dos Deputados e do Senado Federal viu um ano de trabalho com poucas pautas relevantes. A decepção fica ainda maior ao lembrar das expectativas no começo da legislatura que apontava para “o Congresso mais direitista da história”.

Foram 17 leis para definir capitais nacionais pelo Brasil. Entre elas, o município de Lagoa Dourada (MG) como a capital do rocambole, São Luís (MA) como capital do reggae, e Monte Sião (MG) agora é a capital da moda tricô. Só no estado do Paraná, quatro municípios se tornaram capitais nacionais: Arapongas é a capital moveleira nacional, Carlópolis da goiaba de mesa, Cerro Azul da ponkan e Cruz Machado da erva-mate sombreada.

Na categoria para mudança de nomes de vias ou rotas, foram 15 leis sancionadas. Normalmente, essas leis foram propostas com o objetivo homenagear alguma figura importante da região. Outras 33 que entraram em vigor neste ano servirão para comemorar o dia, a semana ou o mês de alguma pauta específica. O dia nacional da doceira será comemorado em 6 de junho e o dia nacional dos desbravadores em 20 de setembro.

Felipe Rodrigues, mestre em poder Legislativo, explica que apesar dessas leis terem baixo impacto para a maioria dos brasileiros, elas foram criadas para agradar pequenos grupos. Ele conta que, na literatura da ciência política, um dos perfis de representantes políticos é o "vereador federal". “O parlamentar nesse perfil tem uma atuação extremamente municipalista, que se evidencia tanto na destinação de recursos para tapar buracos, como na apresentação de projetos de lei que são setorizados e municipalistas”, explica.

Uso de transporte “pau de arara” em romarias agora é manifestação cultural

“Quantas dessas leis, aprovadas e sancionadas em 2023, resolvem grandes problemas no país? Quantas resolvem, de fato, questões complexas e historicamente arraigadas?”, questiona Rodrigues. Ele ainda acrescenta que a quantidade de leis aprovadas é muito alta, o que dificulta ainda mais que os cidadãos acompanhem o que está sendo decidido pelo Parlamento.

Hoje, um deputado federal recebe um salário mensal bruto de R$ 41.650,92. Além do próprio salário, tem disponível uma cota para os trabalhos nos gabinetes de pouco mais de R$ 118 mil, o que dá quase R$ 1,5 milhão por deputado anualmente. O salário dos 81 senadores é o mesmo que o de 513 deputados federais. A verba de gabinete mensal no Senado pode chegar a R$ 73 mil para gastos como passagens aéreas, por exemplo. O valor de R$ 73 mil não inclui os gastos com contratação de servidores.

Pelas propostas aprovadas, esse montante desembolsado pelo contribuinte não parece estar sendo bem utilizado – e não faltam temas importantes para serem propostos e votados no Brasil.

A Lei 14.641/23, por exemplo, também sancionada neste ano, declara o uso do transporte “pau de arara” em romarias religiosas como manifestação cultural. Ainda em relação à cultura, nomes como Antonieta de Barros, Dulcina de Moraes e Maria Beatriz Nascimento e Margarida Alves entraram para o livro “Heróis e Heroínas da Pátria”. Um livro de aço que fica no Monumento do Panteão, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e contém o nome das personalidades que tiveram um papel significativo na história do Brasil. Apesar disso, parte dos brasileiros precisaria da ajuda de sites de pesquisa para descobrir quem foram as personalidades citadas.

“Esses projetos têm marcadores ideológicos. Esses projetos cumprem algum papel de representação. Seja para aproximar o deputado da sua base, seja para prestar contas de algumas promessas de campanha ou para outro fim”, ressalta Rodrigues. Ainda no quesito cultura, em 2023 aprovaram a lei que reconhece as festas juninas como manifestação cultural e outra que reconhece o forró.

Qualidade legislativa não está relacionada a quantidade de projetos

Rodrigues relembra que inúmeros projetos desse tipo são apresentados diariamente nas duas Casas Legislativas. “Se a gente já acha esse percentual [35%] de leis sancionadas com baixo impacto, imagina o percentual dos projetos apresentados. É maior ainda. Justamente porque para o projeto virar lei é um processo muito mais difícil. São muitos apresentados e poucos desses aprovados”, esclarece.

Para o cientista político, a quantidade de projetos apresentados não é um indicativo claro de qualidade de representação. “Porque pode ter um deputado, por exemplo, que apresente mil projetos de lei em um ano. Mas quantos desses projetos têm qualidade e resolvem problemas estruturais do Brasil?”, questiona.

As demandas de um parlamentar vão além da criação de projetos de lei. Os deputados e senadores também gerenciam parte do orçamento que os municípios podem receber e podem simplesmente representar ideias do Parlamento. “Uma quantidade significativa de parlamentares foi eleita justamente pelo que disseram em plenário, porque simplesmente deram voz às ideias de seus eleitores”, reforça.

Criação de comissões dificulta processo legislativo

Em 2023, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-PI), criou mais cinco comissões permanentes. O número de comissões permanentes passou de 25 para 30. A maior parte dos projetos que tramita na Casa passa apenas por comissões, não sendo discutida no plenário.

Felipe Rodrigues considera que, embora pareça que as discussões se tornarão mais especializadas, na prática, isso inviabiliza a votação de alguns projetos, porque eles precisarão passar por mais comissões, além de pulverizar o poder dos colegiados. Outro ponto é que os locais onde acontecem as comissões são limitados e isso faz com que haja uma disputa de espaços entre elas para que sejam realizadas.

Com mais dificuldade para aprovações nas comissões, os deputados e senadores utilizam instrumentos legislativos para levar as propostas de interesse diretamente ao plenário. Porém, quando os projetos vão ao plenário, os presidentes da Casa possuem mais controle, já que eles escolhem a pauta nessa instância. Dessa forma, eles têm nas mãos mais poder para negociar e fazer trocas que lhes interessam. Há também a tradição de que os projetos pautados em plenário tenham consenso em reuniões de líderes de partidos para que não sejam rejeitados.

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