Para CPT, morosidade beneficia o agronegócio
O Movimento dos Sem Terra (MST) e a Comissão da Pastoral da Terra (CPT) criticam a morosidade da reforma agrária no país. Para o coordenador nacional do CPT, Dirceu Fumagalli, essa queda beneficia o modelo do agronegócio em grandes propriedades. "Deixa, assim, a função social da terra de lado. Dessa forma, o país levará mais de três décadas para resolver o problema da reforma agrária", estima.
Integrante da direção estadual do MST, José Damasceno não concorda com a postura tomada pela atual gestão. "Não temos um grande número de novos assentamentos criados. Não vamos avançar nesse ponto se não desapropriar mais, e isso não está acontecendo", diz. Ele cita como exemplo dessa morosidade o acampamento Emiliano Zapata, localizado em Ponta Grossa, nos Campos Gerais. Há 10 anos, cerca de 50 famílias esperam a regularização do local de 615 hectares. "Por enquanto não temos estrutura que um assentamento tem. Há anos que esperamos que esse problema seja resolvido", afirma o integrante do movimento e morador do acampamento, João Santos, conhecido como Botinha. Com 42 anos, ele mora há sete no acampamento com sua esposa, Maria Augusta, que sofreu derrame cerebral, e uma filha de 10 anos.
Filho e neto de agricultor, as desventuras da vida fizeram com que Botinha perdesse as terras. Tentou a vida na capital do estado como operador de máquinas. Mas o salário não dava para custear as despesas. "Depois que minha mulher teve o derrame, a gente tentou voltar para o campo. Mas não conseguimos terra. Eu me criei no campo. A maior parte da minha vida fui agricultor. Eu tenho direito a um pedaço de terra", reclama.
Vivendo sob uma lona preta num barraco de 10 metros quadrados, Botinha sonha em reconstruir a vida. "Se me dessem um lote de terra eu poderia plantar, criar galinhas e tocar a vida. Mas assim é complicado."
A superintendência do Incra informa que o lote para tornar o acampamento Zapata em assentamento está em fase de compra junto à Embrapa, proprietária do terreno.
Comércio irregular
Fiscais investigam denúncias
No último ano, o Paraná assentou 617 famílias, mas criou apenas um novo assentamento, no qual 68 famílias foram beneficiadas. O novo assentamento fica entre as cidades de Ribeirão do Pinhal e Jundiaí do Sul, no Norte do estado. As demais famílias foram assentadas em lotes retomados pela autarquia, já que correspondiam a propriedades ocupadas por pessoas que comercializaram suas terras ou estavam irregulares.
"Assim, o Incra retomou a posse e reassentou famílias de agricultores que demandavam por reforma agrária", informa o superintendente do órgão, Nilton Guedes. Porém, ainda restam quase 6 mil famílias à espera da reforma agrária no estado. "Os nossos fiscais monitoram todos os assentamentos para não ter mais casos de irregularidade", completa.
Entre 2001 e o ano passado, 103 mil beneficiários da reforma agrária foram excluídos do programa por irregularidades em todo o Brasil. Grande parte das exclusões (44%) foi motivada por abandono da terra. Em seguida, estão os casos de venda irregular de lotes dos assentamentos, com 35% das exclusões.
A reforma agrária reduziu o ritmo no ano passado no Brasil. A presidente Dilma Rousseff criou em seu primeiro ano de governo 74% menos assentamentos do que seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Se Lula fez por ano uma média de 444 assentamentos ao longo dos dois mandatos, Dilma realizou apenas 117 no ano passado. Ao todo, o ex-presidente regularizou, em média, a situação de 59.778 famílias sem-terra por ano. Já nos assentamentos criados pelo atual governo, apenas 22.021 famílias tiveram acesso à terra.
Levando em conta somente os primeiros anos de mandato de Lula e de Dilma, o número da reforma agrária no país caiu quase 40% na atual gestão. Em 2003, foram assentadas 36.301 famílias em 321 assentamentos criados em todo o país. O menor número regularizado durante a gestão de Lula ocorreu no último ano de governo, em 2010, com a criação de 203 assentamentos, que beneficiou 39.479 famílias.
Diversos fatores contribuem para a queda nos números de reforma agrária no país. Um dos motivos apontados por especialistas se deve à própria prioridade do atual governo. Para o doutor em Sociologia na Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Sauer, o governo de Dilma prioriza investir na política comercial externa, na qual depende de exportação de matérias-primas (a maioria oriunda do campo). "Há mais interesse nesse momento em controlar a balança comercial, com políticas de comércio exterior, do que criar novos assentamentos", explica.
Soma-se a isso a queda na quantidade de ocupações de terra no país. No Paraná, por exemplo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não computou nenhuma invasão no último ano. Já em 2003, o estado foi palco de 35 ocupações, que resultaram em duas mortes no campo. Segundo Sauer, se não houver mais mobilização social os números da reforma agrária tendem a se estabilizar nos próximos anos.
"Esse é o cenário inicial que deve se manter. Não há mais uma pressão forte da massa para que a reforma agrária seja tratada de forma mais ágil", pontua. A estimativa do Incra é de que existam hoje 800 mil famílias aguardando pela reforma agrária, cerca de 6 mil no Paraná.
Infraestrutura
Outro ponto que contribui para a desaceleração da reforma agrária também está ligado a outros interesses e promessas do governo Dilma. Conforme salienta o professor Flávio Botelho, do curso de Agronomia da UnB e especialista no tema, Dilma já teria deixado claro que a tendência não é avançar em números de assentamentos. "A prioridade do governo é tentar dar melhor infraestrutura aos que já existem. Essa é uma política necessária, mas também se deve pensar em distribuir melhor a renda através da reforma agrária", ressalta.
O superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, explica que o governo federal pretende fornecer melhores condições de trabalho para quem já está assentado.
O objetivo é fornecer infraestrutura mínima, como água e luz, e também capacitar os agricultores. "No Paraná, temos 185 técnicos que visitam 319 assentamentos do estado para dar assistência e cursos aos que já estão assentados", afirma.
Terras estão cinco vezes mais caras
Atualmente o Incra encara a dificuldade de encontrar áreas improdutivas para realizar a desapropriação. Por isso, a luta constante é pela compra de terras para que a reforma agrária saia do papel. No entanto, em 12 anos o preço de um alqueire subiu quase dez vezes. Segundo o superintendente estadual do Incra, Nilton Guedes, em 2000 era possível comprar um alqueire por algo em torno de US$ 1,5 mil e US$ 2 mil.
"Hoje esse valor varia entre US$ 10 e US$ 12 mil. O custo é muito alto. No início do governo Lula as desapropriações foram realizadas mais no Norte do Brasil. Como as terras de lá estão escassas, busca-se terras nas regiões Sul e Sudeste, que tem o preço mais elevado", revela. De acordo com ele, há uma década, o custo para assentar uma família era de R$ 20 mil. Hoje esse valor já chega perto de R$ 80 mil.
Na década de 1990, de cada 100 propriedades vistoriadas pelo Incra, 70 eram declaradas improdutivas. Hoje, a cada 100 vistorias, quatro propriedades se encaixam nesses termos. "Tem muita terra improdutiva que não tem relevo adequado para a agricultura. E isso também não ajuda", diz Guedes. No estado, o Incra possui 153 processos para ceder terrenos aos sem-terra, que juntos somam 135 mil hectares. Desses, 51 processos correspondem à compra de lote, o que equivale a 34 mil hectares. Somente 24 mil hectares seriam oriundos de desapropriação. O restante é de processos que visam arrecadar terras públicas.
Meio ambiente
De cinco anos para cá, a criação de assentamentos começou a cair. De 2006 para o final de 2007, por exemplo, a redução chegou a 42%. Em 2006, o governo federal criou 678 assentamentos contra 391 no ano seguinte. A explicação para isso, segundo o Incra, se deve a uma normativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que entrou em vigor em dezembro de 2006. "Essa normativa pede que qualquer assentamento tenha uma espécie de licença ambiental para funcionar. E isso torna o processo mais lento. Mas para outra pessoa ter um empreendimento rural não necessita dessa licença", indaga Guedes.
Dentre as obrigatoriedades da norma, o órgão ambiental de cada estado deve emitir um laudo que ateste que haverá preservação ecológica com a criação dos assentamentos.
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