A divulgação de um esquema que desviou R$ 7,3 milhões de bolsas de pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR) na quarta-feira (15) gerou reações extremadas e raivosas, principalmente nas redes sociais. A revolta, em partes, se justifica. Trata-se de recurso público, que deixou de ser aplicado em algum lugar que muito precisava. Também há casos de estudantes e professores que foram preteridos na distribuição do dinheiro. Mas alguns apressaram-se a condenar a instituição – e todas as pessoas que estão dentro dela – e a questionar, muitas vezes sem argumento, a destinação de verbas para a pesquisa.
Não se pode deixar de olhar, contudo, para o papel que o trabalho científico desempenha na sociedade. Em busca de discutir esses aspectos, a Gazeta do Povo procurou pesquisadores que podem jogar luz sobre o debate.
Mesmo unidades que são referência em trabalhos científicos sofrem com limitações nas verbas em pesquisa. Foi o caso do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia Autossustentável (NPDEAS), ligado à UFPR. No ano passado, o núcleo perdeu 12 bolsas, sendo duas de pós-doutores, pesquisadores de alto nível, por causa de cortes de recursos. O professor André Bellin Mariano conta como essa situação impacta o trabalho. “Tinha um aluno que não conseguiu bolsa. Para se manter na pós-graduação, ele começou a trabalhar à noite na pizzaria da namorada. Mas acabou se desligando do programa”, exemplifica.
Para expandir o trabalho do NPDEAS, Mariano faz parcerias com empresas, principalmente na área de produção de energia com microalgas. Além de trabalhar no laboratório, os integrantes desenvolvem tecnologia para a aplicação, chamadas de soluções em escala de engenharia. Entre os trabalhos de destaque está o desenvolvimento de um fotobiorreator, uma espécie de “fazenda” de algas unicelulares que são capazes de tratar esgoto enquanto produzem energia. O equipamento foi patenteado e está disponível para o uso.
O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPR, Francisco de Assis Mendonça, destaca que é impossível dimensionar o conhecimento que é gerado pela instituição. Em todas as áreas do conhecimento, são inúmeros os casos que impactam, direta ou indiretamente, a vida das pessoas. Um exemplo vem dos tratamentos desenvolvidos no Hospital das Clínicas que, além de prestar atendimento convencional, é o espaço usado para a aplicação de trabalhos acadêmicos. “A universidade é referência mundial em transplante de medula”, comenta. Ele acrescenta que pessoas de todos os lugares chegam ao Hospital para se tratarem e também para conhecer as técnicas usadas.
Mendonça cita também o trabalho que coordena, que busca entender a proliferação do mosquito aedes aegypti, responsável pela transmissão de vírus de doenças como a dengue e a zika e, assim, estabelecer estratégias de controle.
A UFPR encabeça a pesquisa desenvolvida em também em outras dez universidades federais. O pró-reitor conta que o projeto, mesmo relevante para a sociedade, perdeu, no ano passado, 50% dos recursos que já haviam sido conquistados em um edital do governo federal. Ele destaca que muito do que é investido em pesquisa parte da iniciativa dos próprios profissionais, que buscam recursos externos à Universidade. Mendonça também enfatizou que a UFPR é vítima da ação de pessoas que fragilizaram a instituição.
A bióloga Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), não tem dúvidas de que a destinação de recursos para a pesquisa está muito aquém do necessário no Brasil. Além de ser um baixo porcentual em comparação com os países notórios na dinâmica do conhecimento, a pesquisa nacional ainda tem muito campo para avançar. Contudo, Helena faz questão de frisar o que o setor representa para o desenvolvimento local. “Estaríamos até hoje importando alimentos. Até a década de 70, por exemplo, o Brasil importava leite”, comenta, acrescentando que diversas pesquisas permitiram o desenvolvimento da agropecuária.
Das reservas de petróleo em águas profundas aos tratamentos médicos, passando pela criação do motor a álcool que está presente em grande parte dos veículos, foram muitas as descobertas creditadas à ciência brasileira. “Falta conhecimento de tudo de bom que a pesquisa tem feito. Poderíamos fazer muito mais. Por que não fazemos? Por que o dinheiro é pífio”, diz.
Enquanto o Brasil não desenvolve um sistema próprio para financiar pesquisa, destaca a presidente da SBPC, continua a importar soluções, pagando caro para outros países. Helena também ressalta que a pesquisa tem um tempo próprio, e que enquanto algumas apresentam resultados imediatos outras levam a aprimoramentos que se estendem por gerações. “Muito do que o físico Albert Einstein descobriu, tantas décadas atrás, só começou a ser usado recentemente”, comenta.
1% do PIB
No Brasil, apenas a centésima parte do Produto Interno Bruto é aplicada em pesquisa. Esse porcentual é de 3,5% nos Estados Unidos e 4,5% em Israel, por exemplo. Falta dinheiro para que o país se aproxime de nações que se destacam no setor.
1 para 10
Há uma estimativa de que cada dólar investido em pesquisa é revertido em de 7 a 10 dólares na economia. Ou seja, além de promover a dinâmica do conhecimento, a destinação de recursos em pesquisa gera riqueza.
65% X 35%
A proporção na fonte que financia as pesquisas no Brasil é de 65% de dinheiro público e de 35% de dinheiro privado. Na Coreia do Sul, por exemplo, a proporção é inversa, com mais capital vindo de empresas e fundos particulares.
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