O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino interrompeu nesta quarta-feira (7) o julgamento de recursos que pedem ajustes na tese que prevê a responsabilização de jornais por declarações “comprovadamente injuriosas” de entrevistados contra terceiros. Dino apresentou um pedido de vista, ou seja, mais tempo para a análise dos autos.
Em novembro de 2023, o STF condenou o jornal Diário de Pernambuco por uma entrevista publicada em 1995, na qual um terceiro acusou o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho, morto em 2017, de participar do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, que causou a morte de três pessoas em 1966.
O julgamento foi concluído, na ocasião, com a definição de uma tese que prevê a responsabilização de veículos de imprensa, junto com o entrevistado que fizer acusações falsas contra terceiros, na esfera cível.
Após a decisão, o próprio Diário de Pernambuco e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) apresentaram embargos de declaração, uma espécie de recurso, solicitando que a Corte detalhasse a tese para evitar interpretações diferentes nas instâncias inferiores, já que o caso tem repercussão geral.
Os embargos de declaração não têm o poder de alterar a essência da decisão, e servem apenas para esclarecer os pontos que apresentem contradição ou omissão, ou que não foram abordados. Para a Abraji, a tese aprovada no ano passado pode dar origem a “pedidos indevidos de censuras inconstitucionais”.
“Tal como redigida, abre-se a possibilidade para, nas instâncias inferiores, o escopo interpretativo das hipóteses de responsabilização da imprensa ir além dos limites da discussão realizada, trazendo retrocessos para as poucas garantias já estabelecidas”, disse a entidade.
Relator acatou pedido para ajustar tese
Na sessão desta quarta (7), o relator, ministro Edson Fachin, completou seu voto para dar mais clareza à redação, excluindo a punição aos meios de comunicação por declarações de terceiros em entrevistas ao vivo.
Além disso, o relator destacou que os jornais só serão responsabilizados se ficar comprovado dolo ou negligência evidente na publicação de informações falsas.
Fachin, o único a votar, também defendeu que a condenação do Diário de Pernambuco deve ser mantida. Logo depois, Dino interrompeu o julgamento, mas se comprometeu a liberar o caso ainda neste mês.
Veja a nova tese sugerida por Fachin:
1- “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam uma proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas;
2- Na hipótese de publicação de entrevistas por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprada sua má-fé caracterizada pelo dolo direto, demonstrado pelo conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou ainda por dolo eventual, evidenciado pela negligência da apuração da veracidade de fato duvidoso e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou ao menos de busca do contraditório pelo veículo;
3- Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro, quando este falsamente imputa a outrem a prática do crime, devendo ser assegurado pelo veículo o direito do exercício do direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque, sob pena de responsabilidade, nos termos dos incisos 5 e 10 do artigo 5º da Constituição”.
A tese aprovada em 2023 é a seguinte:
1- “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas;
2- “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
Entenda o caso
Em 1995, o Diário de Pernambuco divulgou uma entrevista com o delegado aposentado e político Wandenkolk Wanderley, já morto, que acusou Zarattini de participar do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, que causou a morte de três pessoas em 1966.
Zarattini processou o veículo de comunicação, exigindo indenização por danos morais. Em 1997, a 3ª Vara Cível do Recife determinou que o jornal deveria pagar R$ 700 mil (valor sem correção) em indenização.
O Diário de Pernambuco recorreu e o Tribunal de Justiça de Pernambuco derrubou a decisão da primeira instância. Em 2016, Zarattini recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que restaurou a decisão da primeira instância e diminuiu o valor da indenização para R$ 50 mil.
No entanto, o jornal apresentou um novo recurso e o processo passou a tramitar no STF. A Corte começou a analisar o caso em 2020. No ano passado, o STF condenou o Diário de Pernambuco e definiu uma tese de repercussão geral sobre a responsabilização da imprensa por declarações falsas de entrevistados contra terceiros.
Dessa maneira, a tese fixada pelos ministros deve ser aplicada nas instâncias inferiores em casos semelhantes. Nesta quarta-feira (7), o STF começou a julgar pedidos para ajustar a redação da tese. Dino tem 90 dias para analisar os autos. Segundo o regimento interno da Corte, depois desse período a ação é liberada para o julgamento.
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