O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu que o chamado direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição. Ele abriu a votação em julgamento na Corte que irá definir se uma pessoa pode pedir à Justiça para proibir a exibição ou publicação de um fato antigo, ainda que verdadeiro, sob a justificativa de preservação da intimidade.
Em seu voto, o ministro disse que não se pode conceder a alguém "o poder de obstar, em razão do tempo, a divulgação de fatos verídicos" em meios de comunicação. A proposta ainda deverá ser discutida pelos demais ministros para a fixação do entendimento do STF.
O caso tem repercussão geral e poderá criar precedentes em relação à liberdade de acesso à informação e à atividade da imprensa, além de modular as decisões judiciais sobre o assunto em todo o país.
“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento assim entendido como o poder de obstar, em razão do tempo, a divulgação de fatos verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação análogos ou digitais”, afirmou Toffoli, ao propor a tese que baseia seu voto. “Eventuais excessos ou abusos da liberdade de expressão devem ser analisados caso a caso a partir dos parâmetros constitucionais relativos à proteção da honra, imagem, privacidade e personalidade em geral”.
Toffoli é relator do caso de Aida Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime teve ampla cobertura midiática à época e, em 2004, foi reconstituído pelo programa Linha Direta, da TV Globo. Inicialmente, a família de Curi solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo ‘direito ao esquecimento’ do caso.
Em um longo voto que foi iniciado ainda na quarta-feira (3) e ocupou toda a sessão desta quinta-feira (4), Toffoli destacou que não caberia ao Judiciário criar um direito ao esquecimento pois ele poderia restringir a liberdade de expressão e os "direitos da população de serem informados sobre fatos relevantes da história social".
“Tal possibilidade equivaleria a atribuir, de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos da imagem e da vida privada em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição”, afirmou. “Deve-se priorizar o complemento da informação em vez de sua exclusão. A retificação de um dado, em vez de sua ocultação. O direito de resposta em lugar da proibição ao posicionamento”.
O ministro também comentou o caso concreto, destacando que, apesar de considerar o Linha Direta um programa de "extremo mau gosto" e considerar que "felizmente ele saiu do ar", a reconstituição do crime contra Aida Curi não violou nenhum direito à privacidade ou imagem da vítima. Pelo contrário. Para Toffoli, a recordação do crime colocou em evidência o feminicídio que ainda atinge as mulheres brasileira.
“Casos como o de Aída Curi, Ângela Diniz, Daniella Perez, Sandra Gomide, Eloá Pimentel, Marielle Franco e, mais recentemente, da juíza Viviane Vieira, entre tantos outros, não podem e não devem ser esquecidos”, frisou. O ministro negou o pedido de indenização solicitado pela família de Aida Curi contra a Globo.
Julgamento sobre direito ao esquecimento será retomado na semana que vem
Toffoli foi o primeiro e o único a votar na ação. A sessão foi suspensa pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, e será retomada na próxima quarta (10), com a leitura dos votos dos demais ministros. Sem conceito definido, o direito ao esquecimento foi tratado por Toffoli como a solicitação para exclusão de informações antigas, ainda que verdadeiras, sob a justificativa de defesa do direito da privacidade ou imagem.
O debate, porém, esbarra na liberdade de expressão, direito à informação e à atividade da imprensa. Na última quarta, organizações que discutem estes temas se manifestaram no Supremo pelo risco de que o direito ao esquecimento, uma vez reconhecido, seja usado por políticos e figuras públicas do poder para retirar conteúdos negativos sobre suas carreiras do ar por meio de ações judiciais.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o reconhecimento do direito ao esquecimento. “Se o que hoje é livre de se dizer, o tempo passará e essa liberdade caducará? Como se ela tivesse prazo de validade em uma sociedade livre e democrática?”, questionou o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros. “Mudar a verdade, mudar a realidade é assaz delicado, assaz perigoso. O direito de impor o silêncio sobre o já ocorrido é extremamente violento e de difícil controle”.
O advogado que representa a família Curi, Roberto Algranti Filho, afirmou na quarta que o Linha Direta sobre o caso Aida Curi foi "muito pouco cuidadoso" e que a família teria o direito de não ter o crime relembrado sob risco de causar "perpetuação de uma dor". Segundo ele, o argumento de que o reconhecimento do direito ao esquecimento não atingiria a atividade da imprensa não se sustentaria.
“Refuto o argumento baseado de que políticos tentarão apagar seus malfeitos. Eles poderão até tentar, mas dificilmente conseguirão o direito ao esquecimento dada a relevância social e política do controle das atividades políticas por parte da imprensa”, frisou.
O advogado Gustavo Binenbojm, que representou a Globo, afirmou ao Supremo que o reconhecimento do direito ao esquecimento equivaleria a uma ‘amnésia coletiva’. “A Constituição prevê a liberdade de informar e de ser informado, independente de censura ou licença de quem quer que seja, de vítimas ou algozes, de autoridades públicas ou de pessoas privadas”, afirmou.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora