Três diretores da Fundação Cultural Palmares pediram demissão nesta quinta-feira (11). Em carta, eles expõem a insatisfação com a gestão do presidente Sérgio Camargo ao longo do último ano e o acusam de intimidação. O estopim para a saída, segundo os diretores, foi uma advertência de Camargo para que os diretores assinassem a contragosto um contrato, para eles inadequado, de reforma da antiga sede da fundação.
"Se não tiver coragem de assinar, coloque o seu cargo à disposição", teria dito o presidente. Além disso, eles alegam que houve"inúmeras tentativas de interlocução com a presidência" frustradas ao longo do último ano.
Camargo é alvo de pelo menos 30 processos, mas afirma que não há pressão do governo pela sua demissão. Procurado, ele não quis comentar o teor das acusações, mas disse que "sai do episódio politicamente fortalecido", apesar da demissão de todo o colegiado. "Tive breve conversa com o presidente na manhã desta sexta-feira. Está tudo ok!", disse à Gazeta do Povo. "Permaneço na presidência da FCP enquanto fizer um bom trabalho e contar com a confiança do secretário, do ministro e do presidente".
Na carta, os diretores afirmam que tiveram "decisões indeferidas, ou ignoradas e muitas vezes presenciamos pessoas que não tinham prerrogativa de voto, por não compor a Diretoria, e, mesmo assim, participavam de reuniões e interferiam nas decisões, causando ingerência de forma generalizada". "Não encontramos mais viabilidade de diálogo entre os diretores o presidente", dizem os signatários.
Entre os nomes que entregaram seus cargos na última quinta estão Ebnézer Maurilio Nogueira da Silva, ex-diretor do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-Brasileira, Raimundo Nonato de Souza Chaves, ex-coordenador-geral do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra e Roberto Carlos Concentino Braz, ex-coordenador-geral de Gestão Interna.
Laercio Fidelis Dias, diretor de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro, também já comunicou sua demissão, mas deve ficar no cargo até a próxima semana para não gerar "maior desgaste" à Fundação.
"A Fundação Palmares pertence ao Brasil e é mantida com recursos dos pagadores de impostos. Seu compromisso é com a satisfação do público, não dos gestores. O trabalho continua, sem qualquer alteração nas diretrizes", escreveu Camargo em seu perfil no Twitter. Dois substitutos devem ser anunciados ainda hoje.
Camargo foi nomeado em novembro de 2019 por Roberto Alvim, ex-secretário especial da Cultura, exonerado após fazer um vídeo em que citou trechos de uma fala do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. O presidente da fundação foi suspenso do posto após a Justiça ter acatado denúncia civil e da DPU que pedia pela sua saída. Mais tarde, foi reconduzido ao cargo pelo STJ.
A Secretaria da Cultura, à qual está vinculada Fundação Palmares, não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste conteúdo.
O imbróglio da troca de sede da Fundação Palmares
Os diretores disseram que a relação conflituosa com Camargo dura meses - principalmente pelo comportamento questionável (internamente e perante a opinião pública) -, mas teve seu estopim com as discussões sobre os gastos da mudança de sede e da reforma do prédio antigo.
Em março de 2020, sob a justificativa de "otimização de recursos", a fundação iniciou tratativas para deixar a sede no Edifício Toufic, setor Comercial Sul em Brasília, e ocupar parte do prédio da EBC. Camargo alegou, na época, que era a "primeira vez em 10 anos que os gastos da instituição registram queda", e falou que seriam economizados R$ 2 milhões da fundação, que possui um orçamento de R$ 10 milhões.
Pela necessidade de reformas no espaço cedido pela EBC, servidores e bens materiais da FCP permanecem em um local provisório desde janeiro, sem iniciativa ou projeto por parte da fundação para que ela seja executada. Enquanto isso, a fundação paga uma indenização mensal à Toufic de mais de R$ 300 mil por não entregar o prédio reformado.
Em reunião na última semana, os diretores, embora tenham concordado pela necessidade da entrega das chaves do antigo prédio de forma "urgente" e "imediata", não aceitaram proposta apresentada por Camargo para a reforma, um orçamento de R$ 735 mil. Em e-mail de 9 de março, a própria área técnica da Fundação desaprovou a proposta, indicando que ela ignorava "serviços essenciais" e poderia incorrer em "execução insatisfatória " e "dissabores contratuais".
Os diretores insistiram num segundo orçamento, de mais de R$ 900 mil. Esse, segundo a área técnica relata em e-mail, cobriria todos os reparos necessários, com menor chance de pedido de "readequação" da reforma por parte do proprietário e, portanto, sem a necessidade de "maior desembolso financeiro" no futuro.
Outros desgastes
Em anonimato, um dos diretores disse acreditar que a Fundação Palmares, na realidade, é comandada pela chefe de gabinete, Conceição Barbosa. "Ele não sabe como funciona a gestão pública, quem manda lá [na Fundação] é a chefe de gabinete [Conceição Barbosa]. Ele fala abertamente nas reuniões que ele não lê nada do que assina, mas que confia totalmente na chefia do gabinete, e que não entende nada de administração". Conceição Barbosa foi responsável pela defesa de Camargo no último ano, quando o presidente foi afastado do posto.
Camargo, além disso, é acusado pelos diretores de ter mandado funcionários embora por motivações políticas e pessoais. "Ele me falou que eu tinha que achar petista dentro da Fundação. Parece a Gestapo negra. Ele achava que tínhamos que ficar vigiando o Facebook das pessoas. Um dia me mandou o perfil de alguém que ele ia mandar embora porque era petista. Eu falei que não faria isso e ele ficou zangado", disse uma das fontes.
Leia a carta de demissão coletiva dos diretores da Fundação Cultural Palmares:
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