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Em 2019, o Conselho Nacional de Justiça (à época, presidido por Dias Toffoli) aprovou a Resolução 305, que disciplina a atuação de magistrados nas redes sociais. Dentre outras coisas, a norma recomenda que eles evitem “expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado”. Além disso, a resolução recomenda aos juízes “evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo eventualmente, possam ser de sua atribuição ou competência jurisdicional”.
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O princípio por trás da resolução é claro: o respeito ao princípio da impessoalidade e o zelo pela imparcialidade do Judiciário. Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) estar acima do CNJ, as regras de boas práticas para o Judiciário, a princípio, deveriam ser cumpridas pela mais alta Corte do país. Com frequência cada vez maior, porém, os ministros do STF têm expressado suas opiniões políticas, inclusive sobre casos que tramitam no próprio tribunal.
Nos últimos dias, dois novos exemplos surgiram. Durante uma conferência na Universidade de Harvard, os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski deram declarações que parecem ter saído da boca de um parlamentar oposicionista.
Respondendo a uma pergunta da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) sobre o risco de Jair Bolsonaro ganhar as eleições, na visão dela, em decorrência do uso de fake news, Barroso afirmou que “é preciso não supervalorizar o inimigo”: “Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia, nós somos os poderes do bem”, disse ele. Já Lewandowski criticou diretamente a postura do governo federal durante a pandemia: “Essa atitude negacionista do governo federal foi responsável por um aumento exponencial do número de infectados e de mortos”, afirmou.
Já faz alguns anos que os ministros do STF resolveram abrir mão do perfil mais moderado e imparcial aos olhos do público: procurados pelas câmeras, muitos deles passaram a opinar sobre tudo e todos. A maior transparência poderia até ser justificada como algo positivo, desde que eles se declarassem impedidos quando um alvo de seus comentários estivesse sendo julgado. Mas não é o que acontece. Barroso continua julgando Bolsonaro, assim como Toffoli, que foi advogado do Partido dos Trabalhadores (PT), não se exime de julgar políticos petistas.
Para Paulo Antonio Papini, professor universitário e mestre em Direto, o comportamento de Barroso e Lewandowski é condenável: “O que esses dois ministros fizeram é inapropriado em vários níveis. Isso ultrapassou todo o limite da atividade deles. É uma aberração jurídica. É algo impensável ter um magistrado que expressa sua posição em relação ao réu previamente. Como se pode esperar imparcialidade desses dois ministros para julgar o presidente Bolsonaro?”, indaga ele.
Na opinião da advogada Isabela Bueno, presidente da Associação Nacional de Proteção da Advocacia e Cidadania (ANPAC), a falta de autocontrole por parte de alguns ministros do STF prejudica um dos fundamentos da própria Justiça. “Esses ministros deveriam ser agentes pacificadores, porque esse é o fim imediato da justiça: a busca da pacificação social. Quando se posicionam politicamente e partidariamente, como fez Barroso, acabam se distanciando do fim imediato buscado pela justiça e colaborando com a desordem”, diz ela.
Barroso - que mantém o próprio canal no YouTube - publicou recentemente o vídeo de uma palestra que deu a alunos da Universidade do Estado do Texas em fevereiro. Lá, ele expõe seu raciocínio: na visão dele, a democracia está sob ataque no Brasil, e por isso os membros da Suprema Corte tem o dever de falar.
No início da palestra, sério, ele pergunta: “Isso está sendo gravado?”. Depois, em tom de piada, diz: “Eu ando com cinco guarda-costas. Dependendo do que eu disser, eu talvez precise de dez”. Antes de iniciar um duro ataque a Bolsonaro, usando termos como “extrema-direita", “populista”, Barroso revela o porquê de suas declarações constantes: “Algumas vezes, infelizmente, juízes precisam falar abertamente no Brasil, porque esta é uma forma importante de proteger a democracia e as instituições. Idealmente, nós não deveríamos falar sobre isso. Mas, a essa altura, é simplesmente obrigatório falar abertamente”.
Na avaliação do advogado Aécio Flávio Palmeira, entretanto, o argumento de Barroso não se sustenta. “Os princípios e garantias fundamentais existem no texto constitucional como cláusulas pétreas contra os desmandos do Estado e para a proteção do cidadão. Um juiz não pode se manifestar pública e internacionalmente dizendo que o chefe do Poder Executivo da União é um ‘inimigo’, escancarando seu viés político e atuando junto aos partidos de oposição ao governo”, afirma.
Outros países
As frequentes aparições dos ministros do STF na imprensa ou em eventos públicos - além da transmissão ao vivo de todas as sessões de julgamento - não são a regra em outros países. Em democracias mais consolidadas, as cortes constitucionais costumam ter um perfil mais discreto, sem prejudicar a transparência nas decisões. Caso um juiz dê sua opinião publicamente ou tenha interesses em algum caso, se declara suspeito automaticamente.
Na suprema corte americana, por exemplo, até 2020, o áudio das sessões era divulgado - ainda que os acórdãos sejam públicos. Era preciso ir presencialmente até o prédio da corte para acompanhar os debates. A norma só mudou por causa da pandemia, quando as reuniões passaram a ser virtuais - e, ainda assim, as imagens dos debates continuam não sendo públicas. A propósito, a suprema corte americana não tem nem mesmo página nas redes sociais.
Em outros países, o trabalho da Suprema Corte é ainda menos midiático. A presidente da suprema corte alemã, Bettina Limperg, até concede entrevistas eventualmente. Mas ela se limita a temas que não vão afetar sua atuação no tribunal. O distanciamento não é apenas simbólico, mas físico: diferentemente do que acontece no Brasil, onde o STF está a poucos metros do Congresso e do Palácio do Planalto, a corte constitucional alemã fica em Karlsuhe, a 700 quilômetros da capital, Berlim.
Na Itália, país que carrega a herança do direito romano, não é possível saber nem mesmo o placar de uma decisão da corte constitucional: o público não fica sabendo se houve unanimidade ou não, somente os argumentos da decisão final. O princípio é o de que a corte precisa adotar uma postura pública decisiva. O que interessa é a instituição, não os membros individualmente.
A corte italiana mantém um perfil no Twitter, mas o número de seguidores é um indicativo do perfil discreto do tribunal: são cerca de 10.000 pessoas - o STF brasileiro há muito ultrapassou a marca de 2 milhões.
No tribunal italiano, as discussões são realizadas "com total ausência de publicidade", segundo a própria página da corte na internet. O site também explica que o tribunal não separa a opinião da maioria e da minoria. “Na Itália, até o momento, essa prática não foi aceita, prevalecendo a ideia tradicional de que a decisão judicial é única e impessoal, ainda que de fato possa resultar de um processo decisório colegiado em que nem todos os membros da corte concordaram”.