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Entrevista

Disforia de gênero: mudança de sexo precoce pode deixar marcas irreparáveis em crianças

(Foto: Unsplash)

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Mesmo com riscos físicos e psicológicos a crianças e adolescentes, a disforia de gênero é assunto complexo e pouco conhecido por parte dos pais. Pode estar relacionada à influência de celebridades do mainstream e de conteúdos produzidos por influencers e youtubers. E, apesar dos sérios riscos, muitos profissionais de saúde têm agido com falta de prudência ao adotar bloqueadores da puberdade e outros métodos intervencionistas.

Preocupada com o que parece ser uma “epidemia de disforia de gênero” entre crianças e jovens, a médica Akemi Shiba, especialista em Psiquiatria de Adultos e da Infância e Adolescência, tem se dedicado a explicar quais são os prejuízos físicos e morais dos tratamentos de mudança de sexo nessas faixas etárias. Apesar de perseguida, ela continua a alertar as famílias sobre o problema.

Depois de participar do Fórum Nacional sobre Violência Institucional contra Crianças e Adolescentes, promovido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), ela concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo onde explica o transtorno e suas consequências.

Confira a entrevista:

O que é a Disforia de Gênero?

Akemi Shiba: A Disforia de Gênero é um transtorno psiquiátrico em que a pessoa desassocia o seu sexo biológico com o seu gênero sentido. Nos casos de disforia há um enorme desejo, por parte da criança e do adolescente, em pertencer ou possuir as características do sexo oposto. A pessoa sente forte rejeição pelas suas próprias características, bem como vontade de fazer mudanças em seu próprio corpo. É um transtorno que causa um enorme sofrimento e prejuízo nas atividades sociais.

A disforia é um fenômeno que sempre existiu e tinha uma incidência pequena, contudo, esse transtorno vem crescendo na última década de maneira exponencial, sobretudo entre crianças e adolescentes.

Acontece que a mente humana é de uma complexidade inimaginável, e iniciando a fase da puberdade - a menina por volta dos oito ou nove anos e os meninos entre os nove e dez anos - o corpo passa por um processo de mudança muito grande que pode causar muita estranheza para as crianças e adolescentes.

Além desta mudança corporal, as mudanças no cérebro são intensas nessa fase. O órgão sofre um processo de maturação muito veloz em sentido de baixo para cima e de trás pra frente, fazendo com que o córtex pré-frontal se desenvolva por último. Essa parte do cérebro é responsável pelas nossas atitudes de julgamento, críticas, e é onde temos o nosso senso de responsabilidade, questões de moralidade e também a área que é responsável por nossas tomadas de decisões.

Como a criança está ainda com essa região do cérebro imatura, não está em condições de tomar decisões muito importantes, no entanto, é o que vem acontecendo.

Neste processo de maturação, as crianças sofrem as ações dos hormônios, e nos primeiros sinais de mudanças físicas da puberdade começam a estranhar o próprio corpo. Ficam assustadas, começam a se sentir desconfortáveis e muitas podem achar que o problema está no seu próprio gênero. E esta é uma fase normal, mas temporária. O que chamamos de luto do corpo infantil.

Inimigos: da internet à sala de aula

Akemi Shiba: A pergunta é: por que tantas crianças e adolescentes não estão aceitando o corpo que nasceram e estão rejeitando o seu gênero? Dado esse contexto, é possível observar que em nossa sociedade há um estímulo muito grande na questão da transexualidade, principalmente pela parte de cantores, celebridades, séries e filmes e até nas propagandas de grandes marcas. A visibilidade trans é muito trabalhada por todos esses personagens para dar visibilidade às minorias, mas também observamos uma questão de negócios relacionada a essa pauta e que estão estimulando cada vez mais cedo os jovens.

Há estudos sobre "epidemia online”, pois as redes possuem muitos estímulos sobre a transexualização. Em muitos casos, os pais relatam que os filhos nunca tiveram nenhum problema relacionado ao gênero, e da noite pro dia se intitulam transgêneros. Alguns estudos também sugerem que muitos adolescentes e jovens adultos que repentinamente querem trocar de sexo podem estar sendo influenciados por amigos ou por comunidades online.

Os jovens estão aprendendo a “problematizar” o seu gênero nas escolas e nos ambientes virtuais. A própria palavra “problematizar” é um verbo que significa criar problemas. Então, o gênero vem sofrendo uma fragmentação em mil e uma partes, com tabelas e classificações de gêneros diferentes, e ficam tentando se encontrar dentro destas classificações, justamente na época em que estão se desenvolvendo e se encontram num período extremamente vulnerável. Se o jovem está com algum desconforto ou tem alguma questão sobre sua sexualidade, ele começa a se categorizar dentro destas divisões, reforçadas ainda mais pelas correntes filosóficas que consideram a Teoria de Gênero.

Abordagens intervencionistas têm deixado marcas físicas e psicológicas em crianças e adolescentes

Akemi Shiba: Há duas correntes para tratar a questão da Disforia de Gênero. A primeira é uma corrente não intervencionista, que é a que vai trabalhar o sofrimento psíquico e tentar buscar um entendimento sobre porque as crianças e os adolescentes dissociaram os seus gêneros de seus sexos. Trata-se de um trabalho de psicoterapia e apoio, observação de outras possíveis comorbidades que podem influenciar o transtorno de Disforia de Gênero, e um tratamento que é muito profundo. Considera-se também que existe um tempo para se avaliar a possível transitoriedade da disforia, dado o desenvolvimento e o processo de maturação cerebral.

A segunda corrente de tratamento para a questão da Disforia de Gênero é intervencionista e se chama Conduta de Afirmação de Gênero. Então, o jovem com diagnóstico de Disforia de Gênero é avaliado e depois do tempo de avaliação - geralmente um ano - recebe o tratamento de afirmação de gênero. Ou seja, um menino que diz que é uma menina será afirmado como tal e vice-versa. E é aí que se inicia o tratamento intervencionista.

Intervenção autorizada

Akemi Shiba: A resolução 2.265 do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 9 de janeiro de 2020, acaba baixando as idades e começa a considerar os menores de idade nos procedimentos intervencionistas, o que antes não era feito. Por exemplo: para fazer a cirurgia de transexualização, a idade mínima era de 21 anos, com a resolução, esta idade caiu para os 18 anos, que na psiquiatria ainda é considerado uma idade de um adolescente, pois a pessoa ainda está no processo de maturação.

Outra alteração sofrida pela resolução do CFM foi o tratamento da hormonioterapia cruzada, ou seja, o menino é submetido ao uso de hormônio feminino e a menina é submetida ao uso de hormônios masculinos. Antes, este procedimento era realizado a partir dos 18 anos, mas a partir de 2020, pode ser feito em jovens de 16 anos.

A título experimental, um terceiro procedimento intervencionista aparece também como uma possível alternativa dos médicos desta corrente. O bloqueio da puberdade - que é quando uma criança, em seu processo de maturação, é submetida a medicamentos que bloqueiam a produção de hormônio - é utilizado para retardar a puberdade e, com isso, as crianças explorarem mais tempo o seu gênero.

Esta abordagem intervencionista é uma conduta muito criticada pois, na realidade, todos os seres humanos passam por este processo de transformação natural. Todo organismo tem um relógio biológico. Com estes procedimentos, este processo é interrompido.

Traumas podem definir uma vida toda

Akemi Shiba: O primeiro ponto que precisamos entender é que crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento. É preciso aguardar o tempo de maturação e avaliar da forma correta. Não se pode ficar restrito à Disforia de Gênero, e sim “abrir o leque”, e avaliar da maneira correta todos os aspectos da vida da criança.

Em muitos casos, a criança pode ter sofrido algum tipo de violência sexual e não disse nada para os pais. Com isso, sente nojo e repulsa pelo próprio corpo e suas partes sexuais e quer retirá-las.

Podemos também citar casos em que a criança é negligenciada dentro de casa. E não falo isso só quando a criança é de uma classe social baixa, mas pode acontecer também em famílias de classe média e alta. Filhos que estão abandonados, vivendo por eles mesmos sem ter aquele olhar dos pais que individualize e singularize eles mesmos. No fundo, eles não sabem quem são e, portanto, são facilmente captados para uma conduta que considera o gênero como solução para estes traumas.

Nesse sentido, encontramos um risco muito grande em se fazer intervenções num período de maturação da pessoa e não se enxergar que existem outros problemas psicológicos, traumas ou transtornos mentais que podem levar as pessoas a um desconhecimento da própria identidade.

Casos de destransexualização

Akemi Shiba: Um caso concreto é o de Robert Diego, um jovem brasileiro que, em sua adolescência, se sentiu com Disforia de Gênero, e como todo adolescente, foi impulsivo. Deu um jeito de fazer a cirurgia de transexualização, viveu mais de uma década como trans, fez todos os procedimentos com hormônios, e lá pelos seus vinte e sete anos começou a se questionar: ‘cortei a minha vida, meu passado, a relação com minha família, mas agora sou uma mulher trans e isso não me preenche. Quem sou eu? O que estou fazendo com minha vida?’.

Este é um alerta muito grande para os pais e educadores. É preciso ter muita cautela e prudência antes de tomar qualquer decisão precipitada em uma fase de maturação, pois pode causar severos danos na vida dos jovens.

Há muitos casos em que as pessoas, depois de se arrependerem dos procedimentos que fizeram, acabam iniciando um consumo de drogas pesadas para compensar todo o trauma, e podem chegar até mesmo a se suicidarem, pois os procedimentos são irreversíveis e os danos psicológicos imensos.

Uma mutilação dos órgãos sexuais e uma esterilização do corpo não é a mesma coisa de um jovem raspar a cabeça ou colocar piercings. É uma modificação do próprio corpo que não tem volta.

O papel dos pais para uma infância saudável

Akemi Shiba: Pais: sejam amigos dos seus filhos. Não precisam ficar apavorados nem superestimular se um menino se dá melhor com as meninas e nem se as meninas se sentem mais “molecas”. Estejam próximos das crianças para saber o que está acontecendo com elas. Neste processo, orientem e alertem quando for preciso, pois o jovem, na maioria das vezes, não vai saber a decisão certa a ser tomada. Essa proximidade pode evitar que eles se sintam negligenciados e sozinhos nas situações difíceis, e que sejam presas fáceis para qualquer coisa. Nesse sentido a internet é uma grande praça. É como se largassem as crianças sozinhas no centro de uma grande cidade para dar as mãos a qualquer um. E sabe-se lá quem elas vão encontrar. Nem sempre quando os pais acham que as crianças estão em casa seguras, elas estão, de fato. Elas estão em contato com um mundo.

Conflitos na área médica

Akemi Shiba: Existem duas classificações para transtornos mentais que os médicos utilizam. O DSM-5, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, é utilizado em pesquisas psiquiátricas e na clínica médica. A outra é a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), que estará em vigor até 31 de dezembro de 2021.

A partir de 1° de janeiro de 2022, o CID-10 será substituído pelo seu sucessor de numeração 11, e aí enxergo um problema, pois, nesse há mudanças significativas e que podem alterar todo o panorama sobre como os médicos tratam os transtornos mentais.

A mudança que constará no CID-11 diz respeito ao critério de classificação do Transtorno de Identidade de Gênero. O tema da transexualidade sairá do capítulo sobre patologias e entrará no capítulo onde se fala de saúde sexual. O mais interessante é que o CID-11, por sua natureza, é uma Classificação Internacional de Doenças, mas contará com um capítulo sobre saúde.

Mas, apesar desta mudança do CID-11, o DSM-5 ainda considera a Disforia de Gênero como um transtorno, pois causa sofrimento ao paciente. Com este fato, teremos conflitos entre os dois manuais. Enquanto um estará norteando pesquisas e diagnósticos sobre um transtorno, o outro estará afirmando que a Disforia não é uma patologia. Por isso, em 2022, nós já prevemos problemas.

Hoje, o SUS faz o bloqueio de puberdade nos hospitais que estão autorizados, faz a hormonioterapia cruzada, a cirurgia de transgenitalização, coloca prótese... Há casos de pessoas que vão até a justiça e ganham o procedimento de depilação a laser…  A incógnita que fica é se o SUS continuará realizando este atendimento, já que não se tratará mais de uma patologia, e sim de um procedimento puramente estético?

Um novo tipo de preconceito: a minoria das minorias

Akemi Shiba: Dado todo o contexto de que muitas pessoas, depois de anos, se arrependem dos procedimentos de transgenitalização que fizeram, há um crescente número de destransicionados. No entanto, está surgindo uma nova categoria de preconceito, que é a destransfobia, pois essa população tem sofrido fortes ataques sendo impedidos de se expressarem.

Os destransicionadores [a pessoa que se arrependeu dos procedimentos] são violentamente atacados por grupos que não querem que eles se expressem. Muitas vezes eles precisam viver escondidos. O Robert Diego junto do Flávio Amaral, que também passou por este processo destransicionador, têm realizado um trabalho extremamente importante neste sentido. Acolhem as pessoas que estão destransicionando, fortalecem estes jovens e, muitas vezes, conseguem fundos de auxílio para reverterem procedimentos que foram feitos anteriormente. Mas isso tudo é abafado por este novo preconceito.

Essa minoria das minorias precisa de visibilidade. O SUS, assim como faz procedimentos transexualizadores, também precisa atender os casos que querem reverter esse processo. De fato, esses casos trazem muito sofrimento para as pessoas. Um sofrimento que poderia ser evitado se, desde o começo, tivesse se utilizado de um tratamento correto e que considera todos os aspectos do ser humano e não somente sentimentos que, na maioria das vezes, são passageiros.

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