O Teatro de Bonecos Cabeça de Coco, do curitibano Abel Domingues - executivo que largou a profissão para alegrar crianças carentes - e do filho Gabriel de Araújo Souza, 16 anos, é um dos 95 projetos da América Latina premiados no começo de outubro pela Disney Cidadania com o título “Amigos Transformando o Mundo”. Além do Cabeça de Coco, outros sete projetos brasileiros foram selecionados pelo braço social da multinacional de entretenimento, que premia ações solidárias executadas por crianças e adolescentes que envolvam educação e gerem impacto ambiental.
Desde 2005, Abel e Gabriel levam diversão a crianças pobres de Curitiba e região. Ambos vão às localidades mais carentes de bicicleta, carregando em uma mala os bonecos criados por eles mesmos com materiais reciclados, como casca de coco, panos velhos, garrafas pet, embalagens e tampas plásticas. Após as apresentações, eles ensinam as crianças a produzir seus próprios bonecos – sempre com material reciclado.
“A gente fazia muita cocada aqui em casa. Um dia, pensei que a casca que a gente jogava fora poderia virar a cabeça de um boneco. De lá para cá, são 200 personagens criados e eu não posso mais nem ver cocada na frente, de tanto coco que comi para fazer os bonecos”, brinca Abel, de 47 anos.
A ideia surgiu da experiência de Abel como Papai Noel na juventude, quando levava doces para crianças carentes. “Depois do Natal, eu sentia um vazio por não poder fazer isso nos outros meses. Então criei o teatro de bonecos para levar alegria a essas crianças o ano todo”, afirma.
As histórias surgem conforme os bonecos interagem com as crianças, explica Abel, administrador de empresas de formação que em 2005 largou o emprego de gerente de contratos de uma das maiores empreiteiras do país para se dedicar ao teatro de rua. “Eu tinha um emprego bom, tinha carro do ano. Mas nada no antigo trabalho me deu a satisfação de ver o sorriso de uma criança que muitas vezes nem tem o que comer”, enfatiza.
As apresentações do Cabeça de Coco são sempre em áreas de risco. Abel se nega a levar o projeto a escolas particulares ou para crianças abastadas. “Esse não é o propósito. Não faço isso para filhos de juízes, empresários, médicos. Faço para crianças cuja realidade muitas vezes é de abuso, violência, a mais completa miséria. O nosso teatro muitas vezes é o único momento de alívio desses meninos e meninas”, explica o criador do projeto.
No teatro, são abordados temas como preconceito, bullying e, principalmente, direitos das crianças, já que Abel afirma ter contato com todo tipo de violência infantil, com frequência cometida pelos próprios pais. “Quando a gente vê um monte de criança rindo e só uma quieta, isolada, pode apostar que alguma coisa de errado tem. Aí a gente tenta saber o que está acontecendo”, afirma Abel, que desde 2015 também é conselheiro tutelar da regional Cajuru.
Para entrar em temas tão delicados, Abel se vale da personalidade de cada boneco. Como o Kaká Peta, um diabinho que, muitas vezes, assusta não só os pequenos na primeira impressão, sensação que depois passa. “Com ele eu falo de discriminação e preconceito, porque as pessoas julgam pela aparência, mas o Kaká Peta é do bem, um personagem brincalhão. Meus bonecos são como as pessoas: têm os mais feios, os mais bonitos, mas o que vale mesmo é o que cada um leva dentro de si”, reforça.
Pedaladas
Nos 11 anos do projeto, Abel e Gabriel pedalaram até as áreas mais distantes de Curitiba e região metropolitana, como Caximba, Jardim União e Icaraí e cidades como Campo Magro, Almirante Tamandré e Piraquara, onde chegou a se apresentar para uma tribo de índios guarani. Os dois chegam a pedalar 50 km ida e volta para se apresentar.
Em um desses trechos, a caminho de São José dos Pinhais, a dupla parou no meio do caminho para se apresentar a um casal de catadores de papel com o filho. “Me marcou a emoção desse pai com a apresentação. Eles estavam cansados, sujos pelo trabalho, mas puderam rir um pouco”, lembra.
No último final de semana, os pneus das bicicletas de Abel e Gabriel furaram na volta de uma apresentação em Piraquara. Os dois tiveram que empurrar as bikes por 26 km até em casa. “Se os pneus tivessem furado na ida, a gente teria ido fazer a apresentação do mesmo jeito, nem que tivesse de largar as bicicletas num canto”, reforça Abel. “A gente não pode simplesmente deixar de ir, porque tenho um compromisso com essas crianças e não posso falhar”, ressalta o ex-executivo, que já tem um destino para o prêmio de US$ 1 mil que vai receber da Disney Cidadania: investir em novas bicicletas para o Cabeça de Coco poder continuar se apresentando nas comunidades mais pobres de Curitiba.
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