Em São Paulo, cidade onde mora José Magnani, cada pessoa gasta em média 2 horas e 15 minutos no trânsito diariamente. Para Curitiba, onde nasceu, ele vem a cada três ou quatro meses visitar parte da família. E encontra o mesmo problema: "Sempre pego engarrafamento. É inacreditável", diz o professor, que esteve pela última vez por aqui na semana passada para participar do evento Cidades, Cultura e Patrimônio, promovido pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Magnani discorre sobre o "exercício de cidadania" proporcionado por eventos a céu aberto na cidade, a força dos shoppings, que estimulam o "desencontro" entre as pessoas, a migração para a periferia "isolada" das grandes metrópoles, a relação do brasileiro com o automóvel e os resultados das manifestações de junho no país. "Foi como a erupção de um vulcão."
Há três anos, Curitiba viu pipocar eventos a céu aberto, públicos ou privados. De lá para cá, alguns projetos, como a Quadra Cultural, por pouco não saíram. Para 2014, cogita-se levá-la a um lugar diferente de onde nasceu. O principal motivo, neste caso específico, é a reclamação da vizinhança. O que isso simboliza?
Significa que a disputa pelo espaço público está sendo negociada. É algo bom. As pessoas têm direito sobre ele e estão enxergando isso. Um abaixo-assinado, por exemplo, mostra a mobilização dos atores sociais em toda essa questão. Não é porque algo dá visibilidade, traz muita gente, que precisa ser necessariamente feito naquele lugar para sempre. Tem que levar em conta as pessoas de moram ali. Em última instância, essa discussão é um exercício prático de cidadania.
Semana retrasada foi inaugurado um shopping de alto padrão em Curitiba, numa região valorizada da cidade. Houve protesto de alguns moradores porque o empreendimento está ao lado de um bosque histórico, que é patrimônio tombado. Por que o shopping ainda é algo tão forte em nossa sociedade?
O que ocorreu antes da inauguração do shopping é um exemplo exacerbado da luta pelo espaço público. E caímos na velha história: quem tem poder econômico acha que pode exercer o poder de ocupação desse espaço. O fato de existir uma resistência, sobretudo em relação ao patrimônio ambiental, é quase uma luta de Davi versus Golias. A saída é um processo de negociação. Pessoalmente, acho que essa proliferação de shoppings termina por minar um pouco a cidade. A antropologia urbana que sigo valoriza pequenos nichos presentes em uma grande metrópole. Ela permite, a partir de pequenos lugares e espaços densamente simbólicos, pensar o espaço urbano mais amplo. Esses grandes empreendedores prejudicam o exercício da vida cotidiana, o encontro das pessoas, como por exemplo ir ao sapateiro, ou bater um papo com o padeiro. Não é que eu seja conservador. É porque o contato entre as pessoas é fundamental.
Há uma campanha pró Passeio Público, na tentativa de fazer com que o espaço seja reocupado. E ainda não chegamos a uma resposta assertiva sobre o motivo pelo qual um parque tão bonito, na região central da cidade, não é um ponto de interesse.
Esses espaços antigos precisam ser mostrados de novo. Eles merecem políticas públicas de longa duração, e não uma campanha ou eventos isolados. De tal maneira que eles possam ter significado, que sejam lugares em que valha a pena estar. O Passeio Público é extraordinário porque evoca uma Curitiba antiga que conversa com a moderna. Ele precisa, então, ser valorizado na sua essência.
Parte da bancarrota da cidade de Detroit (EUA) pode ser explicada pelo fato de que os ricos debandaram para condomínios fechados nos subúrbios a bordo de seus carrões, deixando no centro só as classes mais pobres. Há algo parecido acontecendo no Brasil, mesmo em Curitiba. Deveríamos prestar mais atenção no que aconteceu por lá?
Um dos motivos foi esse mesmo, a negação do centro. Mas no Brasil há a tendência de tornar a região central das cidades mais habitável. A gentrificação, o enobrecimento de algumas áreas, caminha em paralelo. O centro das cidades, com sua infraestrutura interessante, precisa voltar a ser ocupado não como objeto de consumo ou de contemplação. Mas de forma utilitária. No pós-guerra nos Estados Unidos, a ocupação dos subúrbios foi a solução encontrada para receber os ex-combatentes. Aqui, o isolamento na periferia esvaziou o centro. Mas creio que a tendência é de que o centro de grandes cidades do país volte a apresentar grande circulação de pessoas como em Londres, por exemplo.
Nos EUA, o número de "sem-carros" por opção dobrou nos últimos 30 anos. No Brasil, está cada vez mais difícil circular com automóveis nas cidades. O uso do carro como meio de transporte passa por uma crise?
Acho que sim, muitos alunos meus na USP se locomovem de bicicleta... Do ponto de vista antropológico, isso é uma tendência, aponta para uma direção. Mas há uma contradição fundamental: o incentivo à indústria automobilística, que por sua vez resulta em renda, empregos e subprodutos; e o espaço público limitado. É uma contradição que precisa ser resolvida. Em Curitiba, cada vez que venho para cá pego engarrafamento. Acho inacreditável. E aí o transporte público entra no jogo.
Há uma nova geração urbana surgindo? De que maneira ela se relaciona com a cidade?
Não dá para afirmar. Temos pistas. As tendências que vemos não são resultados individuais. Há um valor coletivo e simbólico forte que começa a absorver as novas gerações. Alguns jovens são mais sensíveis a isso que ao consumismo. Essa meninada mais alternativa se relaciona com a cidade de outra maneira. Esses sinais são importantes.
O arquiteto dinamarquês Jan Gehl, autor do livro Cidades para Pessoas, ressalta a insensibilidade dos projetos urbanísticos atuais, e reforça a ideia de uma cidade "humana", cujo planejamento seja orientado para as pessoas, e não para os carros.
Ele está apontando para uma direção. Gehl critica o planejamento urbano tradicional, em que grandes cidades não têm mais condições de ser analisadas a partir de um plano diretor. Em São Paulo há vários centros, não um só. O urbanismo tradicional não aguenta. Por isso, há a necessidade de planos pontuais em direção a grandes manchas urbanas. O planejamento de hoje não pode ser uma só ordem.
As manifestações de junho mudaram de alguma forma a relação do brasileiro com o espaço público?
Foi uma comoção, né? Algo como uma erupção de um vulcão, que sacode a terra de tempos em tempos. Como efeito direto houve a diminuição da tarifa do transporte público de São Paulo. Mas isso não é o mais importante. No país inteiro houve ocupação do espaço público de forma maciça. Isso, por si só, já modifica a relação que se tem com as cidades porque permanece. Teremos derivações a partir daí. O efeito simbólico é grande. Na época das manifestações, li no Facebook uma história de alguém que resolveu perguntar a um taxista, no trânsito parado por causa dos protestos, o que "iria dar" de tudo aquilo. Ele respondeu: "O que vai dar? Já deu."
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