Os hospitais filantrópicos pedem socorro. As instituições, antigamente conhecidas como "de caridade" e hoje responsáveis por quase metade das internações e atendimentos via Sistema Único de Saúde (SUS), correm o risco de fechar por causa de dívidas. Um relatório inédito apresentado no começo do mês pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados mostra que os 2,1 mil estabelecimentos privados sem fins lucrativos do país têm hoje um débito de R$ 11,2 bilhões, dos quais 44% são devidos a bancos.
As dívidas crescem em ritmo exponencial: passaram de R$ 1,8 bilhão em 2005 para 5,9 bilhões em 2009, chegando ao montante atual. Estimativas apontam que, neste ritmo, a cifra pode chegar a R$ 15 bilhões em 2013, o que corresponde a 20% do orçamento do Ministério da Saúde para este ano. O relatório cobra enfaticamente uma posição do governo federal para evitar que o sistema público de saúde entre em colapso.
Uma análise da atuação dos filantrópicos deixa clara a sua participação no setor de saúde: hoje, são responsáveis por 44,8% das internações pelo SUS, um índice muito próximo dos públicos, com 45%. Também possuem 31% dos leitos hospitalares do país e em cidades menores comumente são o único recurso à disposição da população. Do total de Santas Casas espalhadas pelo Brasil, 56% estão em cidades de até 30 mil habitantes e em quase mil cidades são o único hospital local.
Paraná
No Paraná, que conta com 93 hospitais filantrópicos, os gestores das instituições vivem dias de apreensão, de acordo com o diretor-geral de saúde da Associação Paranaense de Cultura (mantenedora da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba e do Hospital Cajuru), Álvaro Quintas. A Santa Casa tem hoje uma dívida de mais de R$ 20 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES), e dificuldade para executar ações básicas, como aumentar o atendimento, fazer reformas ou até mesmo se adequar a exigências da Vigilância Sanitária.
"Em vez de investir em tecnologia, aumentar o salário dos profissionais e melhorar a infraestrutura, o hospital usa o pouco dinheiro que entra para pagar dívidas e manter o mínimo de estrutura para o paciente. Pelo tamanho, poderíamos atender mais gente, mas cada paciente significa um investimento enorme", diz. A situação só não é mais grave por ambos serem hospitais universitários, o que faz com que recebam uma verba extra por terem caráter formativo.
Financiamento precário
O subfinanciamento dos procedimentos pelo SUS é apontado como o principal problema pelo presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná (Femipa), Maçazumi Furtado Niwa. Hoje, para cada R$ 100 gastos pelo hospital, apenas R$ 65 são repassados pelo governo, o que faz com que, na prática, os filantrópicos paguem o restante da conta que é de responsabilidade do Estado.
"A tabela do SUS não tem um reajuste linear desde 1999. O que há são reajustes pontuais em alguns segmentos, como no caso dos procedimentos de alta complexidade, mas nada no setor de média e baixa complexidade. E os gastos na área médica aumentam cada vez mais", diz o presidente da Femipa. De acordo com o relatório, a defasagem supera os 117% no caso da obstetrícia; 91% na ortopedia e 198% na clínica médica em geral.
Instituições menores sofrem muito mais
Os filantrópicos menores, geralmente localizados no interior e em regiões metropolitanas, são os maiores prejudicados pela defasagem na tabela de procedimentos do SUS. O principal motivo é o fato de atenderem, em grande parte, casos de baixa e média complexidade, setores com o maior índice de defasagem. Hoje, a área de cirurgias de baixa complexidade, por exemplo, é a que sofre maior defasagem, em torno de 225%.
"Quanto mais comprometida com o sistema público uma instituição está, mais deteriorado é o seu estado. Ou seja, aquelas que conseguem fazer um mix de atendimento, mesclando SUS, particulares e planos de saúde, conseguem alcançar o equilíbrio ou pelo menos mitigar o rombo, mas os de pequeno porte têm dificuldades para fazer isso", diz José Reinaldo Júnior, presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia (CMB).
Por outro lado, os menores acabam tendo grande ociosidade de leitos em alguns casos, de 60% a 80% , o que, na opinião de Maçazumi Niwa, da Femipa, demanda maior entrosamento entre os hospitais para que não haja subaproveitamento do serviço.
Retaguarda
Ainda este ano, o órgão pretende implantar um programa, capitaneado pela CMB, intitulado Cuidados Continuados, que visa a transformar os filantrópicos menores em hospitais de retaguarda para os maiores.
O objetivo é fazer com que casos mais graves fiquem a cargo dos hospitais de referência, deixando para os menores o atendimento de pacientes com doenças crônicas, idosos, mulheres (na área da saúde feminina), dependentes químicos e psiquiátricos, evitando a hospitalização desnecessária um modelo adotado em Portugal e na Espanha.
Já para o diretor-geral de saúde da Associação Paranaense de Cultura, que administra a Santa Casa da capital, Álvaro Quintas, a solução está em transformar os hospitais de pequeno porte em unidades de urgência e emergência, para o atendimento rápido de casos mais graves (as UPAs, Unidades de Pronto Atendimento) e concentrar recursos em hospitais regionais de referência, que aumentem sua capacidade de atendimento.
O ministro Alexandre Padilha, da Saúde, recebeu o relatório em audiência com os deputados na semana passada e, de acordo com a assessoria de imprensa do ministério, deve se manifestar sobre o assunto no próximo mês.