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Dívida fecha uma Santa Casa por ano

A crise na Santa Casa de Curitiba resultou na redução de cem internações ao mês | Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
A crise na Santa Casa de Curitiba resultou na redução de cem internações ao mês (Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo)

O volume de dívidas das Santas Casas e hospitais filantrópicos de todo o Brasil chegará a R$ 17 bilhões até o fim deste ano. Em 2005, o déficit financeiro do setor era de R$ 1,5 bilhão – um aumento de 11 vezes em nove anos. A situação compromete o atendimento aos pacientes e coloca as 2,1 mil instituições em estado de alerta. Há um grande risco de serviços serem interrompidos e, em um pior cenário, alguns desses hospitais podem fechar as portas.

A estimativa da Confe­deração Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) é de que, por ano, pelo menos um hospital filantrópico deixe de funcionar por dificuldades financeiras. Segundo a entidade, 80% dos estabelecimentos estão endividados. O valor da dívida é praticamente igual ao que o governo federal destinou para a saúde básica no país neste ano: 18,1 bilhões.

A reportagem levantou que só nas três maiores cidades do Paraná (Curitiba, Londrina e Maringá), as Santas Casas possuem um déficit atual que beira R$ 75 milhões. A principal razão apontada pelas próprias entidades para explicar a realidade financeira das Santas Casas e demais hospitais filantrópicos é a defasagem existente no pagamento do Sistema Único de Saúde (SUS) aos serviços prestados. "Em média, para cada R$ 100 empregados em um serviço, os hospitais recebem R$ 65. Há uma diferença grande entre o pagamento e o custo do serviço", afirma o presidente da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Paraná (Femipa), Luiz Soares Koury.

Empréstimos

Essa diferença obriga os hospitais a solicitar financiamentos para manter-se na ativa. "Muitos hospitais fazem empréstimos em bancos para pagar seus tributos. A tabela do pagamento do SUS está há 10 anos sem reajuste", ressalta o presidente da CMB, Edson Rogatti. Pelos cálculos das entidades, 44% da dívida é com instituições financeiras, sendo o restante dividido entre dívidas por tributos federais (26%), fornecedores (24%) e trabalhistas e outras (6%).

Levantamento da CMB aponta que o déficit entre receitas e despesas chega a 41% nos procedimentos de média complexidade, 42% no atendimento ambulatorial e supera 10% na alta complexidade. Recentemente, o setor cobrou mais recursos federais para amenizar as dívidas das Santas Casas e outros filantrópicos. Também pedem que o ProSUS, uma espécie de perdão de dívidas federais acumuladas pelas filantrópicas estabelecido em 2013, seja ampliado de forma a abarcar também as dívidas adquiridas pelas entidades com os bancos.

Em Londrina, por exemplo, a dívida acumulada da Santa Casa é de R$ 33 milhões. Dois terços desse valor correspondem a empréstimos bancários e um terço a dívidas com fornecedores. Por mês, o déficit chega a R$ 500 mil. Esse valor equivale a 6,25% do orçamento anual da instituição, que gira em torno de R$ 96 milhões. "É uma situação crônica que está cada vez pior. Isso pode comprometer o atendimento hospitalar", diz o superintendente da entidade, Fahd Haddad.

Ministério diz que recurso cresceu 49%

Em nota, o Ministério da Saúde informou que vem ampliando os recursos para as Santas Casas e oferecendo soluções para a quitação das dívidas históricas dessas unidades. "Os valores repassados para as Santas Casas não se restringem ao pagamento de procedimentos da tabela do SUS. Entre 2010 e 2014, os repasses federais para as instituições filantrópicas do país cresceram 49%, passando de R$ 9,7 bilhões para R$ 14,46 bilhões".

Entre as ações que o governo destaca está o Programa de Fortalecimento das Santas Casas (PROSUS), que prevê a quitação dos débitos tributários das instituições que aderirem à iniciativa em um prazo máximo de 15 anos. Em contrapartida, os hospitais devem ampliar o atendimento de exames, cirurgias e atendimentos a pacientes do SUS. Somente em incentivos, a previsão é de que, em 2014, sejam repassados R$ 2,4 bilhões em recursos federais para as filantrópicas.

No caso da Tabela SUS, o governo diz que os valores são apenas uma referência para o pagamento de procedimentos hospitalares e não constituem a principal forma de financiamento. Entre 2007 e 2014, o Ministério da Saúde reajustou cerca de mil procedimentos.

Paraná

O Ministério da Saúde informa que em 2012 e 2013 repassou R$ 1,3 bilhão pelos procedimentos ambulatórias e internações realizados nas Santas Casas do Paraná, além de R$ 126,4 milhões destinados à Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) e R$ 18,4 milhões de incentivo à Rede Cegonha. O total de repasses nos exercícios daqueles anos foi de R$ 1,7 bilhão.

Má gestão também ocorre, diz MP

De acordo com a promotora Fernanda Nagl Garcez, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Saúde Pública, do Ministério Público do Paraná (MP-PR), as dificuldades financeiras dos hospitais filantrópicos do estado ocorrem não só pela defasagem na tabela do SUS, mas também por má gestão. "Os serviços de média complexidade estão desatualizados há 10 anos e isso afeta a maioria das Santas Casas do estado, mas muitos [hospitais] usam mal os recursos", explica a promotora. Apesar de a tabela estar desatualizada, Fernanda salienta os serviços de alta complexidade foram reajustados. "Noventa e cinco porcento dos transplantes, por exemplo, ocorre via SUS."

A promotora destaca ainda que os hospitais filantrópicos podem, de forma legal, receber repasses municipais e estaduais. "Sobram para prefeituras e governos estaduais completarem os pagamentos do SUS com repasse de dinheiro e até doação de equipamentos", esclarece. Uma dessas possibilidades é o programa HospSus, do governo do Paraná, cujo repasse para cada instituição varia de R$ 50 mil a R$ 300 mil por mês.

No entanto, a ajuda não é capaz de dar conta dos problemas dos hospitais, segundo o superintendente da Santa Casa de Londrina, Fahd Haddad. "A prefeitura e o estado tentam completar o valor da tabela, que está desatualizado, mas mesmo assim ficamos com as contas no vermelho todo mês."

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