A partir da apresentação da primeira proposta divorcista no Parlamento brasileiro, em 1893, o Brasil assistiu a várias mudanças na legislação sobre o assunto. Só que elas não acompanham as transformações da sociedade no país, que registra aumento no número de divórcios, dizem advogados. Segundo especialistas, a realidade começou a mudar na última quarta-feira, quando o Senado aprovou a chamada PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do divórcio direto. Apesar dos elogios, surge agora a dúvida de como a medida vai funcionar na prática.
A nova regra, que deverá entrar em vigor na próxima quarta-feira, diz que o pedido de divórcio poderá ser imediato, feito assim que o casal decidir pelo término do casamento. A regra em vigor determina que o pedido de divórcio deve acontecer após um ano da separação formal ou após dois anos da separação de fato (quando o casal deixa de viver junto).
A PEC tira da Constituição o termo "separação'', mudança que, apesar de sutil, deve provocar questionamento e dúvida entre advogados e juízes. Uma delas é se a separação hoje um mecanismo intermediário no fim do casamento realmente acaba.
A professora de direito na FGV-SP Regina Beatriz Tavares da Silva defende que a separação ou pelo menos seus efeitos deve ser mantida. Isso, diz ela, para possibilitar que a discussão de quem tem culpa pelo fim do casamento permaneça. A definição de quem é culpado ocorre, hoje, apenas durante a separação não existe no divórcio. A culpa pode vir de situações como adultério e violência física.
Para o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), idealizador da PEC, é o fim da separação. "Quem vai optar pela separação se é possível um caminho mais curto?'', questiona a juíza Daniela Ferreira, da 1.ª Vara da Família do Rio.
Vantagens
O processo será mais rápido, mais barato (50%) e com menos desgaste emocional com a nova regra, dizem os profissionais consultados pela reportagem. "Isso coloca o Brasil em uma legislação contemporânea do Direito de Família", afirma Eroulths Cortiano Junior, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná. Os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que em 2008 foram feitos 188.090 divórcios, uma taxa recorde de 1,5 a cada mil pessoas, a maior dos últimos dez anos.
A professora de Direito de Família na Pontifícia Universidade Católica do Paraná Jimena Aranda Oliva classifica a nova lei de "libertadora". Ela avalia que os dois anos que o casal aguarda pelo divórcio são um período de aprisionamento. Na grande maioria dos casos de separação os relacionamentos não são reatados, observa.
O número de processos no Judiciário deve diminuir em 20%, estima a presidente do Ibdfam no Paraná, Adriana Antunes Maciel Aranha Hapner. "As ações de conversão [de separação em divórcio] deixarão de existir e vai desafogar o Judiciário."
Polêmica no meio religioso
A emenda aprovada no Senado é contestada por líderes religiosos, que temem o crescimento dos divórcios. O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) é um dos críticos. "Nos países em que isso foi adotado, houve banalização. Há pessoas que casam e descasam em poucas semanas." Quando chegou ao Senado, a proposta ficou na mira de parlamentares ligados à Igreja Católica, chegando a estacionar um mês devido a esse lobby. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defendeu, durante a tramitação da proposta, que fosse mantido um prazo de seis meses até o pedido de divórcio, o que foi chamado de "prazo de reflexão".
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