No começo dos anos 2000, o empresário Miguel Goossen, 71 anos, se surpreendeu ao saber que um colega dos tempos de ginásio do Colégio Erasto Gaertner, no bairro Boqueirão, havia se tornado um cientista de renome mundial. Essa semana, ele e outro amigo de infância, o também empresário João Hermann Hahm, 70 anos, se surpreenderam ainda mais ao ler a notícia de que Celso Grebogi, o melhor aluno da turma, é um dos cotados ao Prêmio Nobel de Física, a ser anunciado nesta terça-feira (4).
“Eu lembro que ele era muito quieto, bem na dele. Só que no fim do mês o boletim dele ‘falava’ bem alto: era difícil o Celso não tirar nota dez”, recorda Hahm. “Antes eu brincava que da minha turma da escola tinha saído um cientista. Agora, tomara que eu tenha que mudar e dizer que saiu um prêmio Nobel”, torce Goossen.
A origem humilde não foi capaz de barrar a curiosidade de Grebogi, que quando era criança acordava às 4h30 da manhã para ajudar o pai na entrega do pão produzido na padaria do tio e do fubá moído no quintal de casa, na Avenida Marechal Floriano Peixoto, a uma quadra do quartel, no tempo em que o Boqueirão não passava de um punhado de casinhas de madeira cercado por um imenso banhado.
O pesquisador de 69 anos, cuja família é uma das pioneiras da imigração polonesa no Paraná - uma das casas do memorial do Bosque do Papa é a que os bisavós paternos dele moravam - é referência mundial no estudo de sistemas dinâmicos não lineares, campo de pesquisa que pode torná-lo o primeiro brasileiro a conquistar o Nobel, premiação que outro físico paranaense, Cesar Lattes, curitibano de Santa Felicidade, chegou perto de conquistar na década de 50.
Em 1990, o brasileiro e os americanos Edward Ott e James Yorke publicaram um estudo provando ser possível não só controlar o caos, mas também tirar proveito dele a partir de pequenas intervenções. Desde então, a teoria do controle do caos, ou Método OGY, da inicial do sobrenome dos três pesquisadores, é aplicada nas mais distintas áreas do conhecimento, como medicina, economia, biologia e engenharia. Importância que pôs o estudo entre as três descobertas cotadas à premiação da Academia Sueca pela Thomson Reuters Citation Laureates, lista que desde 2002 acertou 39 laureados.
Desafios
A audácia de enveredar por um campo de pesquisa até então evitado pelos físicos foi só um dos desafios na formação de Grebogi, que desde 2005 é professor da Universidade de Aberdeen, na Escócia, cujo parlamento o homenageou na última terça-feira (27).
Primeiro de quatro filhos do casal de agricultores Afonso Grebogi e Maria Chrusciel Grebogi, o físico só não seguiu o caminho de boa parte dos colegas de escola que tiveram de parar de estudar para trabalhar por interferência da mãe. “Quando terminei o ginásio, meu pai disse que eu já tinha estudado o suficiente. Chorei quando ele falou isso, mas minha mãe, com seu jeito todo especial, convenceu meu pai, que acabou tendo muito orgulho de mim e dos meus irmãos”, lembra o professor.
O irmão Claudio Grebogi, 67 anos, confirma que a mãe foi determinante na formação dos filhos. “Muitas vezes ela se sacrificou, indo trabalhar no moinho no nosso lugar para podermos estudar”, recorda o administrador de empresas aposentado da Petrobras. Os outros dois irmãos do físico são o engenheiro elétrico Nelson, 64 anos, aposentado da Copel, e o engenheiro mecânico Valdir, 59 anos, empresário no ramo de filtros industriais. “De nós quatro, o Celso era o que mais estudava. Ele sempre estava com um livro na mão”, recorda Claudio Grebogi. “Eu sinceramente não lembro do Celso jogando bola com a gente, brincando. O que lembro é que ele estudava muito e sempre estava à frente do restante da turma”, confirma Hahm.
Tanto estudo causou uma saia justa para Grebogi ainda pequeno. Nem os amigos, nem os pais acreditaram nele quando afirmou que a Terra não era o único planeta a ter uma lua. “Meus pais perguntaram para minha professora se aquilo era verdade e ela disse que a única lua que existia era a que a gente via de noite. Aquilo me deixou profundamente chateado”, afirma o pesquisador.
A frustração com a professora, no entanto, não foi suficiente para cessar a sede de conhecimento. Nos poucos momentos de folga do trabalho e estudo, Grebogi ia ao centro de Curitiba comprar produtos para pequenas experiências. “Eu gostava de ver as mudanças de fase do líquido para o gasoso e vice-versa. Usava produtos que agora são proibidos, como ácidos. Uma coisa completamente perigosa, que se fosse hoje nenhum pai deixaria o filho fazer”, afirma. “Minha mãe ficava tão assustada que quando fui morar no Rio de Janeiro ela enterrou tudo aquilo de medo que explodisse”, diverte-se.
A mudança para o Rio em 1971 foi para finalmente se dedicar à física, já que não existia o curso em Curitiba – a formação original do pesquisador é em engenharia química. A ideia inicial era fazer carreira na capital paranaense, para onde o amigo e físico Hugo Kremer havia retornado após doutorado na França e pretendia implantar o curso na UFPR. Entretanto, Kremer foi assassinado por outro professor em 1969, o que pesou na decisão de Grebogi de deixar a cidade. “Com a morte do Kremer, o estudo de física havia acabado no Paraná. Então fui fazer mestrado no Rio.”
Em 1974, o pesquisador foi aprovado em uma bolsa de estudo da Universidade de Maryland, em Washington. Em 1978, se transferiu para a Universidade de Berkley, na Califórnia, justamente no momento em que as aplicações dos sistemas dinâmicos começavam a ser estudados. Em 1981, retornou para Maryland, onde passou a trabalhar com o matemático James York, parceiro na pesquisa que o pôs entre os cotados ao Nobel. “No campo científico, ganhei muito morando nos Estados Unidos. Não sei se teria alcançado o mesmo reconhecimento se tivesse ficado no Paraná, porque há muita politicagem no campo da pesquisa brasileira”, explica o físico, que trabalhou no Brasil por apenas cinco anos, entre 2000 e 2005, na USP, até receber o convite da Universidade de Aberdeen.
Chances
Sobre as possibilidades do Nobel, Grebogi reconhece que será difícil superar o experimento que fez a detecção direta de ondas gravitacionais, previstas por Albert Einstein há exatamente 100 anos na teoria da relatividade. O estudo, conduzido pelos americanos Ronald Drever, Kip Thorne e Rainer Weiss, comprovou a chegada à Terra em setembro do ano passado de ondas criadas do choque de dois buracos-negros há 1,3 bilhão de anos.
“O mais interessante é que desde que meu nome passou a ser cotado [ao Nobel] eu e meus irmãos estamos lembrando de muitas coisas da nossa infância. Só isso já está valendo a pena”, afirma o pesquisador, autor de 400 publicações, doutor honoris causa das universidades de Potsdam (Alemanha) e Le Havre (França) e professor honorário de duas outras universidaes na China, mas que nunca esqueceu o Boqueirão.
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