Peças-chave da segurança pública, as viaturas da Polícia Militar, vira e mexe, ficam fora de ação, por falta de peças ou até de manutenção. O procedimento governamental para qualquer conserto é burocrático, porque exige licitação. Para comprar um parafuso, trocar o óleo ou fazer o motor, o tempo de oficina costuma ser o mesmo, já que é necessário realizar no mínimo três orçamentos para aprovação de qualquer serviço. Para agilizar o trâmite e garantir que a polícia possa atender ocorrências, moradores de alguns bairros de Curitiba estão realizando por conta própria os consertos necessários nos veículos da corporação.
A Tribuna encontrou exemplos dessa iniciativa no Bairro Alto e no Cajuru. No primeiro, um grupo de comerciantes se uniu pra bancar o conserto de duas viaturas da companhia responsável pelo patrulhamento do bairro. No Cajuru, o proprietário de uma oficina considerou que de nada adianta só reclamar e já reparou mais de dez viaturas – sem cobrar pela mão de obra e oferecendo as peças a preço de custo.
No Bairro Alto, segundo estimativa do grupo de moradores, ocorre uma média de 14 assaltos por dia. Não foi à toa que a preocupação tomou conta da comunidade ao saber que uma das viaturas que atende a região estava parada, por problemas na embreagem, e a outra prestes a ser “baixada”, com a troca de óleo vencida e outros problemas pela falta de manutenção.
Na semana passada, segundo o presidente do Grupo Bairro Alto (GBA), Marcos Amaral, os comerciantes decidiram se unir e fazer uma “vaquinha” para bancar o conserto dos veículos. “Fomos informados que os soldados estavam tirando dinheiro do bolso pra manter as viaturas funcionando. É injusto com eles, que têm que pagar pra trabalhar. Nos sentimos abandonados, entramos em acordo e decidimos ajudar”, contou.
Cada um doou a quantia que podia. Uma loja de autopeças do bairro deu um bom desconto pra contribuir. Duas oficinas realizaram os consertos, sem cobrar a mão de obra. No total, os comerciantes gastaram pouco mais de R$ 1.800 pra garantir que os veículos da PM continuem rodando. “Quando o Estado é omisso, os homens de bem devem levantar e tomar uma posição. Temos receio de que vire um comodismo, mas tivemos que escolher entre ter medo do Estado ou dos bandidos; e, hoje, optamos pela comunidade”, destacou Marcos.
O presidente do GBA relatou ainda que os policiais que fazem patrulhamento no bairro enfrentam outros problemas. “Eles não têm nem HT (radiocomunicador usado pela PM). Já aconteceu um assalto em uma loja e os policiais estavam uma quadra pra frente, só que, quando viram, outra viatura estava atendendo, porque eles nem foram informados”, disse.
Reparo gratuito
A oficina de Arthur Campos, no Bairro Alto, nunca sofreu nenhum assalto. Mas não foi por isso que ele deixou de participar da mobilização para o conserto das viaturas. Foi no estabelecimento dele que uma Parati da PM recebeu manutenção da embreagem e a troca dos coxins e dos rolamentos traseiros.
Para isso, o veículo ficou na oficina durante metade de um dia de trabalho de Arthur. Um dos dois elevadores foi disponibilizado para a viatura, além do trabalho dos funcionários. Além de deixar de ganhar com o serviço de outros clientes, o empresário não cobrou a mão de obra, que teria saído em torno de R$ 400.
“A gente não sabe o dia de amanhã, mas não fiz isso pensando em mim, mas no todo. Aqui tem acontecido muitos assaltos a casas, carros e pedestres. Temos que nos fortalecer pra ter o retorno”, declarou Arthur.
Cajuru
José Carlos de Oliveira, presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do Cajuru, comentou que as estatísticas dos órgãos de segurança pública apontam que o número de crimes no bairro tem diminuído nos últimos anos. Como morador, ele disse também ter essa sensação. “Mas não deixo de fechar e conferir o cadeado quando chego em casa, e convenci minha mãe e irmã que são minhas vizinhas a fazerem o mesmo”.
Mas, assim mesmo, desconfia que os números dos órgãos de segurança não reflitam a realidade. Segundo ele, muitos moradores deixam de registrar o boletim de ocorrência, porque acham que o serviço do telefone de emergência da PM (o telefone 190) é ruim ou não funciona. José contou ainda que, nos fundos da sede do Conseg, um mecânico faz o conserto dos veículos da polícia quase todas as semanas. As peças são trocadas, recebidas de lojas de autopeças ou também são feitas “vaquinhas” e o trabalhador cobra um preço muito baixo pelo serviço. “Se ele costuma cobrar R$ 50, por exemplo, ele cobra R$ 10”.
Reclamar não adianta
Proprietário de uma oficina no Cajuru, Dolival de Almeida Junior não é do tipo que reclama e só espera providência dos outros. Mas foi meio que por acaso que começou a consertar viaturas, no ano passado. Um funcionário dele foi abordado pelos policiais militares e Dolival foi ver o que estava acontecendo. Quando o veículo da PM deixava o local, começou a falhar. “Falei pra eles darem a volta e passarem na oficina, porque se passasse um bandido de bicicleta eles não conseguiriam pegar com aquele carro”, comentou. Foram trocadas as velas da Duster que, segundo Dolival, “ficou nova”.
Desde então, o empresário já consertou mais de 15 viaturas. A mão de obra ele não cobra e as peças faz a preço de custo. “Eu mostro o preço da nota que eu paguei. Às vezes os policiais fazem uma ‘vaquinha’ entre eles ou conseguem o dinheiro com alguns comerciantes”, contou. “Os policiais escutavam no radiocomunicador os amigos levando tiro e tinham que sair com carro particular. Isso estava deixando eles loucos”.
Mesmo que esteja com a agenda lotada, o dono da oficina dá um jeito de encontrar tempo para o reparo dos veículos da polícia. “Se não conseguir em um dia, faço no outro. Não é um negócio de outro mundo”, disse. Questionado se a atitude dele não geraria comodismo por parte do poder público, Dolival respondeu: “Tem outra saída? Vamos deixar os policiais sem viaturas? Não adianta ficar só reclamando, gritando no meio da rua, ou postar textão no Facebook. Temos que resolver com as ‘armas’ que temos”.
Manutenção cara
O proprietário da oficina do Cajuru ainda avaliou a escolha dos carros da PM. “Acredito que é uma escolha completamente equivocada. São carros com manutenções caras, que consomem muito, não aguentam. Poderiam usar veículos com rendimento melhor, como as viaturas usadas pela polícia de São Paulo [Palio Weekend], que andam muito mais e custam menos”, comentou. Em 2013, 150 unidades do sedã da Renault foram incorporadas à frota da PM no Paraná. Dolival afirmou que esses veículos não costumam ser vistos rodando. “Você vê Fluence nas ruas? Não vê, porque não anda. Uma pastilha dele custa R$ 250”, complementou.
Baixa constante
Em nota, a assessoria da Polícia Militar informou que possui veículos para atendimento de urgência e emergência, de uso severo, que demandam processos de manutenções preventiva e corretiva exigentes. O número exato de viaturas “baixadas” não foi divulgado, por “questão de segurança”. “A baixa de veículos é constante e o sistema de recuperação por meio de oficinas credenciadas está em constante aperfeiçoamento”.
Sobre a aquisição dos veículos, a PM explicou que a compra é feita por meio de processo licitatório, e que as especificações técnicas são estabelecidas por critérios mínimos sobre os carros mais adequados para a atividade, em um processo norteador do procedimento. “Sendo vedado qualquer tipo de direcionamento para uma marca ou modelo específico de veículo”, ressaltou a corporação em nota.
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