Um núcleo de professores de dedicação exclusiva recebeu nos últimos cinco anos um total de quase R$ 4,5 milhões em bolsas obtidas a partir de convênios e contratos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) e com a Petrobras. Alguns acumulam benefícios, recebendo mais de uma bolsa de cada vez, e multiplicam seus ganhos a partir dessa prestação de serviços paralela às atividades em sala de aula. Há casos em que as bolsas passam de R$ 177 mil, cada uma. A série de reportagens Universidades S/A mostrou que Dnit e Petrobras usaram a UFPR para evitar licitações em convênios que somam R$ 74 milhões.

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OUTRO LADO

Por telefone, a Gazeta do Povo tentou ouvir todos os professores mencionados, mas não conseguiu localizá-los. Por inúmeras vezes, a reportagem ligou diretamente no departamento de cada um. Além disso, desde a semana passada, a reportagem vem tentando ouvi-los por intermédio da assessoria de imprensa da UFPR. Este setor não disponibilizou o contato dos docentes. A assessoria chegou a cogitar emitir uma nota conjunta em nome dos professores citados, mas não o fez até o fechamento desta edição.

Bolsas chegam a ser tão vantajosas quanto salários

Dois casos específicos mostra que o acúmulo de bolsas chega a ser quase tão vantajoso do ponto de vista financeiro do que o próprio salário dos professores. O coordenador do ITTI, professor Eduardo Ratton, por exemplo, somou vencimentos que chegaram a ultrapassar o teto constitucional do funcionalismo público. Em novembro de 2013, por exemplo, ele recebeu quatro repasses de bolsas que totalizaram R$ 18 mil. Somados ao salário bruto – de R$ 17 mil – o docente somou R$ 35 mil, naquele mês. Na época, o valor máximo que um servidor poderia ganhar num único mês era de R$ 28.059.

Em dezembro de 2011, o professor já havia chegado próximo do teto, ao acumular R$ 11 mil em bolsas de dois projetos (o da Ferrovia Bauru/Garça e o da BR-487/PR). Em junho do mesmo ano, Ratton recebeu um repasse de R$ 10 mil por uma única bolsa.

Outra diretora do ITTI, a professora Gilza Fernandez Blasi, acumulou R$ 310 mil em bolsas, nos últimos cinco anos. Contrariando a resolução 17/11 do Conselho de Planejamento da UFPR (Coplad), ela chegou a ganhar mais com esses benefícios do que com os próprios vencimentos brutos.

Em outubro e dezembro de 2011, Gilza ganhou R$ 8 mil mensais, por participação em um projeto de programas ambientais em obras na BR-487/PR. Esta única bolsa já ultrapassou o valor do salário da professora – hoje, de R$ 6,9 mil, segundo o Portal da Transparência. Em outubro de 2011, ela somou R$ 13 mil com duas bolsas acumuladas: quase o dobro do salário.

Antes disso, a professora já vinha recebendo mais pela participação nos projetos do que por seu trabalho em sala de aula. Ao longo de todos os meses de 2010, a Funpar registrou pagamentos mensais de duas bolsas para ela, que, somadas, ultrapassavam seu salário bruto.

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O que diz a UFPR

Nessa segunda-feira (13), a UFPR optou pelo silêncio. Após a publicação da segunda reportagem da série Universidades S/A, a administração central da universidade emitiu uma nota, informando que está avaliando os fatos apresentados e levantando “informações adicionais”. Assim que tiver conhecimento do inteiro teor das reportagens, diz a UFPR, a instituição “se manifestará de forma conclusiva, apresentando providências”.

O acúmulo de bolsas vem sendo questionado dentro da universidade –pela Procuradoria Federal na UFPR e pelo Conselho Universitário de Planejamento e Administração (Coplad) –, principalmente no que diz respeito à metodologia de concessão. Um levantamento feito pela reportagem nos portais de gestão de acordos da UFPR e de sua fundação de apoio, a Funpar, revela que pelo menos 18 professores mantêm bolsas em mais de um projeto, todos em execução até o início do mês passado.

" As bolsas não são uma ação entre amigos", diz reitor da UFPR

Nos casos analisados pela reportagem, a maior concentração de benefícios nas mãos dos mesmos docentes ocorre no Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (ITTI) – braço da universidade que movimentou R$ 58 milhões em projetos com o Dnit. Quase todos os diretores ganharam para participar dos projetos.

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O coordenador do ITTI, professor Eduardo Ratton, foi quem mais ganhou. Ao longo dos últimos cinco anos, recebeu R$ 392,6 mil, em oito bolsas. Até o início de março, quatro projetos em que ele mantém bolsas ainda estavam em execução. Ao final desses trabalhos, ele terá recebido R$ 413 mil.

Outro professor do ITTI, Antonio Ostrensky Neto, já recebeu R$ 145,8 mil, pela participação em cinco projetos diferentes. Quatro deles ainda estavam em execução no mês passado. Quando os serviços forem concluídos, ele terá acumulado R$ 330,7 mil em bolsas. Ostrensky Neto também é diretor do Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais (GIA), que teve profissionais subcontratados pela UFPR para prestar serviços em obras do Dnit.

Os professores Carlos Aurélio Nadal e Donizeti Antonio Giusti são outros diretores do ITTI que mantêm bolsas sucessivas. Ao final dos projetos em execução, Nadal terá recebido R$ 104 mil, enquanto o colega terá somado R$ 96 mil. Giusti chegou a ser relator no Coplad no processo de análise de um projeto no qual ele ganharia bolsa. Contrariando parecer da Procuradoria Federal, ele defendeu a aprovação do contrato.

Petrobras

Um projeto da Petrobras realizado pela UFPR vai pagar as bolsas mais polpudas. O professor Haroldo de Araújo Ponte e a mulher dele, Maria José Jerônimo de Santana Ponta, foram beneficiados, cada um, com uma bolsa de R$ 177 mil, segundo o portal de gestão de acordos da universidade. De acordo com o plano de trabalho, cada um terá de trabalhar oito horas semanais, ao longo de 36 meses, no projeto.

Procuradoria e conselho universitário questionaram distribuição das bolsas

A Procuradoria Federal na Universidade Federal do Paraná (UFPR) havia se posicionado contrariamente ao modo como as bolsas são concedidas aos professores que atuam nos projetos. Em parecer emitido em outubro de 2011, o órgão defendeu a realização de licitação prévia para contratação dos professores da UFPR para prestar serviços nas parcerias.

Em análise de um projeto por meio do qual a UFPR prestaria serviços de avaliação em portos de Manaus, contratada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), a Procuradoria Federal classificou o objeto do acordo como “prestação de serviços”. Por conta disso, o órgão defendia que o Dnit realizasse uma licitação, antes de efetivar a contratação.

“Questiona-se, dessa forma, o motivo pelo qual se pretende realizar a contração direta de servidores desta instituição sem prévia licitação. À escolha da equipe técnica não foi dada divulgação, em visível afronta aos princípios da publicidade e impessoalidade aos quais a Administração Pública está vinculada”, destaca o documento.

O parecer foi evocado posteriormente pelo Conselho Universitário de Planejamento e Administração (Coplad), em análise de um projeto em que o Dnit queria contratar a UFPR para fazer a gestão ambiental de obras na BR-262/MS. Em março de 2013, o diretor do setor de tecnologia, professor Marcos Antonio Marino, juntou o parecer da Procuradoria ao processo. Mesmo assim, o contrato entre UFPR e Dnit foi firmado, com a concessão de bolsas sem licitação.

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