Um grupo quase desconhecido de enfermidades genéticas que afeta pelo menos 29 pessoas no Paraná custou R$ 4,9 milhões ao governo do estado só no ano passado. A extensão do problema é pequena, já que, segundo estudos recentes, as Doenças de Depósito Lisossômico (DDL) podem afetar até 3 mil paranaenses. Os males são causados por deficiências na produção de enzimas, de tratamento recente, e ainda soam estranhos para a comunidade médica em geral.

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A principais e mais difundidas entre as 40 DDL existentes são as doenças de Fabry e Gaucher. No Paraná, o tratamento está concentrado nas mãos de três médicos – um nefrologista e uma neurologista de Curitiba, além de um hematologista de Londrina. "A imensa maioria dos colegas simplesmente nunca ouviu falar dessas doenças, o que deixa centenas de doentes perambulando de hospital em hospital, sem o diagnóstico correto", diz o londrinense Paulo Aranda.

Ele é responsável pelos 12 pacientes de Gaucher e três de Fabry que vivem no Norte do Paraná e estão cadastrados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Aranda também trata outros tipos de DDL, ainda mais raros, como a Mucopolissacaridose (MPS). Segundo o hematologista, estudos recentes feitos por um pesquisador israelense mostram a incidência dessas doenças em um para cada 3,5 mil pessoas.

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Dores nas pernas

O encarregado de obra Heraldo César Camargo, 41 anos, é um dos pacientes de Aranda que passou por um diagnóstico errado antes de saber que era portador da Doença de Gaucher. "Uma médica disse que eu estava com leucemia", diz Camargo. Há cinco anos, ele descobriu a verdadeira causa das dores nas pernas que não o deixavam se mexer.

"Sentia muita fraqueza, além de um problema grave de inchaço no baço", conta. Os dois sintomas estão relacionados à Doença de Gaucher, que também causa aumento do fígado, anemia e dores nos ossos, que podem evoluir para fraturas. Camargo faz tratamento de reposição enzimática desde que soube da sua verdadeira enfermidade e voltou a ter condições de trabalhar.

Cada dose do medicamento utilizado duas vezes por mês pelo encarregado de obra custa US$ 740 (R$ 1,8 mil). O remédio é comprado pela Sesa, em parceria com o Ministério da Saúde. De acordo com a Central de Medicamentos do Paraná (Cemepar), R$ 3.197.172,43 foram gastos em 2004 com a aquisição de 3.158 frascos da enzima sintética, fabricada nos Estados Unidos.

Camargo tem o azar de portar uma DDL, mas a sorte que os irmãos Romildo Nunes Veloso, 40 anos, e Cleide Nunes Veloso, 42 anos, não têm. Os dois possuem a Doença de Fabry, mal cujo medicamento é produzido pelo mesmo laboratório que trabalha com Gaucher. O remédio para ambos, porém, não está previsto nas portarias que regem a lista de medicamentos excepcionais e por isso não é fornecido pelo Ministério da Saúde.

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Além dos irmãos, um tio deles que mora em Curitiba, José Geraldo Veloso, e mais um quarto paciente de Ibiporã, Vanderlei Bertoncini, recebiam o tratamento de reposição enzimática para tratar a Doença de Fabry até março, graças a ações judiciais. A situação de José Geraldo, que aos 53 anos já sofreu um enfarte e faz sessões de hemodiálise, foi mostrada pela Gazeta do Povo na semana passada. "Nós dois estamos muito mal e se não voltarmos a tomar a medicação nossos rins e outros órgãos vão se acabar", diz Cleide, que recentemente sofreu um derrame cerebral.

Registro

As liminares que obrigaram a Sesa a realizar a compra do Fabrazyme, remédio para a Doença de Fabry, deixaram de ser cumpridas porque não há registro para comercialização do produto no Brasil, nem definição de preço. "Estaríamos fazendo novamente uma compra irregular, desrespeitando uma norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do Conselho Federal de Medicina", justifica o diretor da Cemepar, Luiz Fernando Ribas. Segundo ele, se o medicamento estivesse totalmente regularizado, a compra ocorreria sem problemas. Em 2004, foram gastos R$ 1.692.861,00 com o remédio.

A Genzyme, fabricante do Fabrazyme, alega que o remédio foi aprovado no Brasil pela Anvisa no dia 19 de abril deste ano, conforme publicado no Diário Oficial da União. Segundo nota da empresa, "no protocolo técnico entregue à Anvisa constam também todas as informações econômicas referentes ao medicamento, inclusive preço." O laboratório informa que cada frasco custa US$ 3,7 mil (R$ 9 mil) e garante que todo o medicamento usado pelos pacientes de Fabry até hoje foram importados com o aval da agência.

Os quatro paranaenses portadores da doença não têm como conseguir o medicamento por conta própria e, por enquanto, não há outra alternativa terapêutica. Todos estão na faixa etária com mais risco de morte por insuficiência renal, disfunções cérebro-vasculares ou cardíacas, problemas que surgem em decorrência da enfermidade.

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