Domingo é dia de votar no conselheiro tutelar. Parece slogan de campanha, mas é nota mental para todos com mais de 16 anos: neste domingo (4), acontecem as eleições para a nova gestão do conselho tutelar. Pela primeira vez no Brasil, o pleito será unificado em 5.946 municípios (que antes organizavam suas eleições conforme regulamentação própria). Espera-se que a realização de uma só votação chame mais eleitores às urnas e organize um processo que afeta diretamente a elaboração de políticas para a infância e adolescência.
Para o procurador de Justiça Murillo José Digiácomo, coordenador do CAOP da Criança, do Adolescente e da Educação do Ministério Público do Paraná, o envolvimento da população legitima o desempenho das atribuições dos conselheiros no futuro. “Uma votação expressiva demonstra a preocupação da sociedade com a necessidade da tomada de providências concretas por parte do Poder Público para a solução dos problemas que afligem as crianças e adolescentes do município”, avalia.
Na prática, entretanto, a adesão popular é baixa. Em Curitiba, as últimas eleições mobilizaram apenas 22.323 pessoas. Como as votações são divididas pelas nove regionais da capital, algumas registraram mais votos que outras. A do Cajuru, por exemplo, contabilizou 4.050 votos, enquanto a de Santa Felicidade somou 1.690. Mas, em comparação com o número de moradores de cada regional, a participação popular não passa de 2,5%.
Para Digiácomo, os números podem ser explicados por um conjunto de fatores, que vão desde a dificuldade que o conselho tutelar enfrenta para se aproximar da comunidade, principalmente em áreas mais urbanizadas, até o fato de o voto ser facultativo e haver desconhecimento e desinteresse sobre o que faz o conselho.
Conselho só ganha atenção quando afeta diretamente
Muitas vezes um olhar mais atento sobre o que faz o conselho tutelar só acontece depois que a atuação do órgão afeta a vida da família. Foi o que aconteceu com a massoterapeuta Rosemar Teixeira do Amaral, 37 anos, que não prestava muita atenção no papel desempenhado pelos conselheiros até vivenciar a pior experiência que pais podem ter com o conselho – a aplicação de medida de acolhimento.
“Os conselheiros não me davam sossego. Vinham ver se minhas crianças não estavam sendo espancadas, se tinha comida em casa. Um dia, chegaram em um momento em que eu estava discutindo com meu companheiro. Foi uma situação atípica. Acionaram a polícia e levaram meus filhos”, recorda.
Bateu o desespero e, sem saber o que fazer para reverter a decisão, ela recorreu ao conselho. Seguiu as orientações e conseguiu provar à Justiça que tinha condições de cuidar dos filhos. Desde então, tem no órgão um aliado. “Procuro os conselheiros quando preciso de ajuda para conseguir uma vaga ou uma consulta. Agora sei o que eles fazem e presto atenção em quem está lá. Já fui maltratada por conselheiro, mas também já fui muito ajudada.”
Embora reconheça que qualquer situação de violação de direitos da infância e adolescência precise ser resolvida com rapidez, Digiácomo pondera a lógica de atuação que resulta em um enorme volume de procedimentos e encaminhamentos individuais.
“A função do conselho tutelar é surtir efeito sobre as deficiências de políticas do município. Cabe ao conselho analisar o que os problemas individuais indicam, fiscalizar, verificar falhas, denunciar e cobrar mais programas e serviços para atender à população a partir de um diagnóstico qualitativo e quantitativo. Fazendo isso, os efeitos são coletivos. A lógica de atuação tem que mudar. O conselho não é um órgão de assistência social, não é polícia de criança”, defende.
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