A completa implementação do novo ensino médio até 2025 está cada vez mais incerta. Por pressão sindicalista, o Ministério da Educação apresentou um projeto de lei em outubro de 2023 para alterar a lei sancionada em 2017, que nem sequer terminou de ser concretizada. A versão do texto aprovado na Câmara dos Deputados não agradou ao governo Lula nem aos sindicalistas. As alterações sugeridas pela senadora Dorinha Seabra (União-TO), relatora do projeto no Senado Federal, devem prolongar ainda mais o processo, já que qualquer mudança feita no Senado exigirá que o texto volte à Câmara para nova aprovação.
“Nós vamos seguir esse debate até quando a gente tiver um texto construído que possa ser levado para votação. Pensando nos estados que terão seis meses para começar o processo de implementação de qualquer que seja o desenho que for aprovado aqui, passe pela Câmara e saia de lá como lei”, disse Dorinha durante a Comissão de Educação do Senado Federal nesta terça-feira (11).
Um dos pontos com mais repercussão é o de carga horária da formação geral básica. Na proposta de Dorinha, das três mil horas, 2.200 horas seriam destinadas a disciplinas obrigatórias e 800 horas para matérias de acordo com os interesses dos alunos. Para os estudantes que desejarem usar essas 800 horas em um curso técnico, haveria a possibilidade de deslocar até 400 horas da formação geral básica para a educação profissional. Esse deslocamento seria necessário para a realização de cursos profissionalizantes como técnico em farmácia e em desenvolvimento de sistemas, por exemplo. As duas formações exigem uma carga horária mínima de 1,2 mil horas.
O novo ensino médio tem sido alvo de críticas por parte de sindicatos de educação. A diminuição da oferta de matérias básicas no currículo preocupa os professores, que temem o impacto negativo em suas cargas horárias e, consequentemente, uma possível redução de renda.
Dorinha quer limitar atuação de professores com notório saber
“Nós sabemos que o texto legislativo não é o meu texto, não é do senador Flávio Arns, não é do Mendonça, não é do MEC. É um texto possível construído dentro do Congresso frente a grandes desafios”, afirmou a senadora.
O projeto de lei apresentado pelo MEC pretendia impedir a atuação de professores que tivessem apenas o chamado "notório saber", conhecimento prático de disciplinas, sem o curso de complementação pedagógica. A proibição não passou na Câmara dos Deputados, que manteve a possibilidade de professores com notório saber darem aula. O texto de Dorinha limita a atuação de docentes nesse perfil apenas para o ensino técnico profissionalizante, “em caráter excepcional e mediante justificativa do sistema de ensino”. Uma saída política para dialogar com visões favoráveis e contrárias.
Para Claudia Costin, ex-diretora de educação do Banco Mundial, o possível impedimento pode limitar a qualidade dos professores de ensino técnico, que frequentemente possuem esse perfil. “No ensino técnico, a questão da prática é decisiva. E se o professor não fez a complementação pedagógica, isso não tem tanto impacto porque estamos falando de jovens de 15 a 17 anos. Em um curso de mecatrônica, por exemplo, um grande engenheiro mecatrônico como professor pode proporcionar a esses jovens uma visão do mundo da prática”, considera.
Obrigatoriedade do espanhol também causa divergência
A obrigatoriedade do espanhol também causou divergência entre os parlamentares durante a discussão na Câmara dos Deputados. Enquanto o governo Lula exigia que o idioma fosse ensinado em sala de aula, o relator do texto na Casa, Mendonça Filho (União-PE), retirou a obrigatoriedade. Dorinha retomou a exigência, mas acrescentou um dispositivo que permite a substituição tanto da língua inglesa – que já era obrigatória – quanto da língua espanhola em alguns casos. Como em estados que possuem fluxo significativo de pessoas e bens ou receba uma forte influência de cultura ou idioma de outros países.
“A língua franca no mundo hoje é o inglês. E o que acontece com um jovem de classe média? Ele não só tem tempo parcial, eles têm em média cinco horas de aula. No outro turno, o pai paga inglês particular e esse menino sai com inglês que não só gera mais empregabilidade para ele, mas a possibilidade de estudar fora, se ele quiser”, avalia Costin.
A especialista ainda acrescenta que “colocar o espanhol como obrigatório do ensino médio, tira tempo de aula de inglês. Então o aluno que poderia sair com o inglês um pouco mais avançado perde chances de conexão”, avalia Costin.
O longo percurso para mudar o ensino médio
O primeiro ano do ensino médio é a série da educação básica com maior taxa de evasão escolar e reprovação. Sancionada em 2017, a lei do novo ensino médio prometia flexibilidade curricular baseada nos interesses dos estudantes, o que poderia ser uma oportunidade para melhorar os índices. No entanto, a pandemia e a falta de coordenação entre o Governo Federal e as secretarias estaduais atrasaram as mudanças previstas para entrarem em vigor em 2022.
O atual ministro da Educação, Camilo Santana, pressionado por sindicatos contrários à reforma, decidiu suspender a implementação. A apresentação de um projeto de lei para reformar a proposta que nem sequer tinha sido efetivada foi uma tentativa de acenar para a base sindicalista e organizar o que já havia sido feito.
As divergências com o Congresso Nacional não ajudaram o MEC. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), designou o deputado Mendonça Filho (União-PE) como relator do texto. Mendonça, que ocupava o cargo de ministro da Educação no governo do ex-presidente Michel Temer, foi o principal articulador da lei sancionada em 2017.
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