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A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou ação civil pública contra o Conselho Federal Medicina (CFM) nesta sexta-feira (1º) pelo fato de a autarquia federal ter defendido e publicado resolução em que defende a autonomia do médico para prescrever os medicamentos do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, tais como cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outras substâncias. A DPU pede que o CFM tenha de pagar indenização de, no mínimo, R$ 60 milhões por danos morais coletivos.
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Na petição inicial, o defensor regional de Direitos Humanos em São Paulo, João Paulo Dorini, citou uma série de estudos que indicam a ineficácia do tratamento precoce e afirmou que, mesmo diante do consenso científico sobre a questão, o CFM não alterou o Parecer n. 4/2020.
Mas, conforme a Gazeta do Povo já mostrou em suas reportagens, a questão é que não há consenso sobre a eficácia desses medicamentos contra a Covid. De fato, há muitos estudos que indicam que esses medicamentos não funcionam, como uma pesquisa importante do British Medical Journal e outros citados na petição da DPU. Mas também há pesquisas apontando o contrário. Para a ivermectina, por exemplo, há, no momento, cerca de 18 estudos com diferentes dosagens a diferentes estágios da evolução do quadro da Covid-19, com metanálises publicadas, e os resultados são promissores.
"Essa ideia de que a ciência já concluiu que essas drogas não têm efeito não é 100% verdadeira. Na literatura, tem de tudo. Ambos os lados têm trabalhos com metodologias questionáveis. Já que não há consenso na literatura, é uma doença devastadora, e que, do aspecto observacional, há algumas drogas que podem ter efeito, delegamos ao médico, junto com o paciente, decidir o tratamento. Ele tem de sentar com o paciente e explicar que é um tratamento que não tem comprovação que faça diferença e que se o paciente quiser ser tratado e o médico se disponibilizar, que seja feito. A classe médica está dividida", afirmou o presidente do CFM, Mauro Ribeiro, em matéria publicada na Gazeta do Povo, em março deste ano.
Além de discordar da postura do CFM e de chamá-la de “acientífica”, Dorini também fez uma série de críticas ao governo federal em relação ao enfrentamento da pandemia.
“A postura até agora adotada pelo CFM sobre a possibilidade de ministração de cloroquina contra Covid-19, acientífica, é apenas o lustre científico que os defensores do famigerado “tratamento precoce” se valem para continuar a propalar um tratamento que não só não beneficia como ainda potencialmente causa danos. Longe da ciência, CFM infelizmente trilha o caminho ideológico de dar suporte a um governo que teve a pior condução do enfrentamento da pandemia, que trabalhou pela frustração das medidas de restrição de circulação, que buscou a “imunidade de rebanho” ao custo de centenas de milhares de vidas, que não implementou política de rastreamento de infectados e que continua a não estimular a vacinação e a adoção de medidas de prevenção”, afirmou o defensor público.
Em contrapartida, na mesma entrevista já citada, o presidente do CFM falou sobre os estudos e a postura científica do conselho.
"Não há uma instituição que seja guiada mais pela ciência do que o CFM. Temos profissionais contratados que fazem rastreamento de tudo na literatura, mas não temos verdades absolutas. Temos uma série de dúvidas. Também há estudos prospectivos e randomizados mostrando a ação do tratamento precoce. Todos são passíveis de crítica. Único ponto que o CFM coloca é que nem incentivamos nem proibimos. Nenhuma entidade é detentora do saber. Temos a responsabilidade legal de definir o que o médico pode ou não fazer”, disse Ribeiro à época.
No pedido de liminar, a DPU pede que a Justiça suspenda a eficácia do Parecer n. 4/2020 do CFM e que o conselho tenha de orientar médicos e a população em geral sobre a ineficácia do tratamento precoce. Além disso, o defensor pede que o CFM tenha de pagar indenização de, no mínimo, R$ 60 milhões, por danos morais coletivos e ainda que tenha de indenizar familiares de pacientes que faleceram depois de serem tratados com cloroquina ou hidroxicloroquina.
Procurado pela reportagem, o CFM informou, por meio de nota, que “até o momento, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não recebeu qualquer comunicação judicial sobre a ação. Caso seja acionado, oferecerá todas as informações pertinentes”.