Ao se manifestar sobre denúncia de injúria racial feita por um italiano contra um homem negro - que tramita no Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) - a Defensoria Pública-Geral da União (DPU) emitiu um parecer em que nega a possibilidade do que é chamado pelo movimento negro de “racismo reverso”.
A Defensoria publicou uma nota técnica sobre o caso no dia 26 de junho em resposta ao questionamento levantado pelo Instituto do Negro de Alagoas (Ineg-AL), que teve negado um pedido feito ao TJ-AL para trancamento da ação.
Para o Ineg-AL, responsável pela defesa do acusado, a denúncia de injúria racial feita pelo italiano contra o homem negro é “esdrúxula”.
O advogado do Núcleo de Advocacia Racial do Ineg, Pedro Gomes, disse que a ação distorce a Lei 7.716/89, conhecida como “lei de racismo”, e pode abrir um “precedente perigoso”.
O coletivo não admite a possibilidade de uma ofensa contra uma pessoa branca ser enquadrada na legislação.
De acordo com o artigo 20-C da Lei nº 14.532/2023 - que especificou o delito de injúria racial dentro da lei de racismo - “o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.
Na nota técnica, a DPU diz que a lei não vale “para qualquer pessoa” e que é preciso levar em conta a “contextualização histórica e social”.
"Indiscutivelmente, a vontade do legislador que criminalizou o racismo foi a proteção de pessoas e grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira. São vítimas do racismo, por exemplo, a população negra, os Povos originários, os praticantes de religiões e religiosidades de matriz africana, os imigrantes africanos e latinos, todos eles pertencentes a grupos silenciados, perseguidos e mesmo exterminados por séculos de colonização europeia nas Américas”, diz um trecho da nota.
“O rol de possíveis vítimas do racismo aqui lembrado não é exaustivo. Mas, independentemente de sua incompletude, uma coisa é certa: tal enumeração exclui aqueles e aquelas que, historicamente ou na atualidade, integram grupos hegemônicos e privilegiados. Grupos que, aliás, foram – e ainda são – responsáveis pela racialização de pessoas e coletividades. Grupos beneficiados diretamente com a violência do racismo, cujo extremo foi a escravização de indígenas, africanos e afro-brasileiros, servindo de base para a construção de fortunas de pessoas e instituições até hoje favorecidas com a herança da nefasta economia escravocrata”, completou a DPU.
A denúncia
O caso se arrasta na Justiça de Alagoas desde setembro do ano passado, quando o homem de nacionalidade italiana denunciou o sobrinho da sua ex-companheira por injúria racial.
De acordo com a denúncia, o italiano manteve relacionamento com a tia do acusado por cinco anos, até fevereiro de 2023.
A discussão com o sobrinho da ex-companheira teve como pano de fundo a venda de um terreno. O italiano alega ter vendido parte de um terreno para o sobrinho da ex-companheira e para mais três pessoas.
Em junho de 2023, segundo o italiano, o acusado pressionou pela inclusão de todo o terreno no negócio.
Na discussão, via WhatsApp, o acusado disse ao italiano que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo".
Em maio deste ano, o TJ-AL negou um recurso do Ineg para trancar a ação e manteve a denúncia oferecida pelo Ministério Público de Alagoas (MP-AL).
Na decisão, o Tribunal disse que “o crime em questão [injúria racial] pode ser cometido contra qualquer pessoa, independentemente da sua cor, raça ou etnia, caracterizando-se por ofender a dignidade de alguém”.
Segundo o Ineg, o acusado foi lesado no negócio envolvendo o terreno e também tinha relação trabalhista com o italiano. O Instituto estuda levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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