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A Defensoria Pública da União (DPU) recomendou ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, nesta sexta-feira (17), que anule medidas tomadas pela ex-ministra Damares Alves relacionadas a análises para a concessão de anistia do período da ditadura militar.
Cerca de 300 portarias do extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) anularam indenizações que tinham sido concedidas a cabos da Força Aérea Brasileira (FAB). Eles foram dispensados durante a ditadura militar por questões administrativas, mas o caso recebeu o enquadramento de perseguição política em 2002. Ainda sem desfecho, uma ação sobre essas portarias tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) desde dezembro de 2020. (Leia mais abaixo).
O documento da DPU sugere que todas as medidas sobre o assunto realizadas por Damares de janeiro a março de 2019 sejam anuladas. A ex-ministra e agora senadora comandou o extinto Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A assessoria da parlamentar afirmou à Gazeta do Povo que as decisões seguiram a jurisprudência firmada pelo STF.
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Mas, segundo o defensor público federal Guillermo Rojas de Cerqueira Cesar, a ex-ministra teria proferido as decisões sem consultar a Comissão de Anistia e também não permitiu as manifestações orais dos requerentes nas respectivas sessões de julgamento.
O defensor público solicitou também que o novo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, verifique todas as decisões tomadas pela ex-ministra após março de 2019, para conferir se os ritos legais foram cumpridos. No caso de encontrar irregularidades, a DPU orienta que essas decisões também sejam anuladas.
No governo anterior, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos era o responsável por analisar pedidos de indenização feitos por pessoas que se dizem prejudicadas pelo regime militar que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. O MMFDH estabeleceu novas normas para o andamento dos processos administrativos de revisão de dos pedidos anistia que estavam em andamento. Dessa forma, o ministério recusou parte dos pedidos de indenização, e também questionou decisões anteriores. O governo anterior considerava que em muitos casos não ficou configurada que houve, de fato, a perseguição política.
O novo titular da pasta, Silvio Almeida, porém, já disse que essa e outras questões seriam alteradas durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A afirmação foi feita na cerimônia de posse no ministério, em 3 de janeiro, em Brasília.
O novo governo também recompôs a Comissão de Anistia. A portaria com a definição dos 16 novos integrantes foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em janeiro. De acordo com a pasta, os escolhidos possuem “experiência técnica, em especial no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”.
Em outra parte do documento, a DPU afirmou que, caso a recomendação não seja atendida pelo ministério do governo Lula, poderá acionar a justiça. "Na hipótese de rejeição da recomendação, a DPU requer que sejam devidamente explicitados os motivos, a fim de que possam eventualmente serem questionados judicialmente".
A reportagem pediu o posicionamento do atual Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e aguarda o retorno.
Damares diz que atos seguiram entendimento do STF
A assessoria da senadora Damares Alves, ex-ministra do governo Bolsonaro, afirmou à Gazeta do Povo que os atos adotados por ela seguiram entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os pedidos de indenização.
Em 2019, no julgamento do Recurso Extraordinário 817338, a maioria dos ministros definiu que a administração pública poderia rever a concessão dos pedidos de anistia a cabos da Aeronáutica.
“No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas”, vencidos os Ministros Rosa Weber e Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, que proferiu voto de mérito em assentada anterior. Plenário, 16.10.2019", segundo informa o site do STF.
Posteriormente, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quando ainda era presidida por Felipe Santa Cruz, acionou o STF para declarar a inconstitucionalidade das 300 portarias de Damares sobre a questão. Esses atos da ex-ministra eram os que tinham o objetivo de anular as anistias políticas concedidas a cabos da Aeronáutica anteriormente.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 777 tramita no STF desde dezembro de 2020. Em maio de 2022, o julgamento começou no plenário virtual, mas foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Dias Toffoli. Com isso, o análise do caso passará ao plenário físico e a contagem dos votos será reiniciada. Mas, desde então, a questão não entrou na pauta da Corte e segue sem definição.