Pryscila precisa de silêncio para dar vida à personagem Amely: concentração| Foto: Antônio More/ Gazeta do Povo

Inspiração

Silêncio, cartunista pensando!

A capacidade de pensar em conjunto nunca foi tão valorizada, mas há profissões em que a concentração – e, sim, a solidão – são essenciais. Escritores, cientistas, compositores e... cartunistas são um bom exemplo. "Eu tenho amor pela solidão, até porque pra seguir essa profissão é necessário ser um pouco introspectivo", conta a cartunista curitibana Pryscila Vieira, "mãe" da personagem Amely.

"Para que nada atrapalhe, eu costumo trabalhar de madrugada, quando é quase certeza que o telefone não vai tocar e ninguém vai me atrapalhar. Não é estrelismo. É uma necessidade mesmo." Pela carência de silêncio, Pryscila já "doutrinou" até o marido, a quem ela pede que não atrapalhe nos momentos de bolar as histórias. E o mesmo serve para a hora de dar vida a Amely: Pryscila já passou 13 horas seguidas só desenhando.

Isso não significa, no entanto, que o trabalho não tenha momentos de partilha. Para buscar inspiração, Pryscila liga para os amigos, marca um bar, vai ao supermercado ou para no ponto de ônibus para conversar com estranhos, o que ela classifica como um processo coletivo de criação. "Trabalho com uma equipe informal. Essas pessoas são as minhas musas. Eu sou um para-raio, pego tudo. E às vezes sinto necessidade de dar um tempo."

Além do trabalho como cartunista, ela também atua como desenhista industrial, e nesses momentos tem de trabalhar com várias pessoas, seus colaboradores. "Tenho a chance de experimentar os dois lados, o que é muito bom", diz. (VP)

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Precauções

Todo o grupo precisa ser valorizado

Embora a atividade em grupo seja cada vez mais valorizada, é preciso tomar alguns cuidados para que a prática não tenha efeito contrário e acabe desestimulando o uso dessa ferramenta. A psicóloga e especialista em criatividade Ercília Silva lembra que não basta instituir um grupo de trabalho sem valorizá-lo de fato. "É preciso valorizar a participação efetiva, a liberdade de expressão, estabelecer confiança e reconhecer, ver esse trabalho como um valor", diz.

Ou seja, não adianta propor reuniões em grupo e censurar os colegas, ou reconhecer – seja através de prêmios em dinheiro ou elogios públicos – apenas uma pessoa. E, envolve, também, não cair no exagero e achar que as pessoas não necessitam de tempo para si mesmas.

A individualidade, não o individualismo, é importante para o desenvolvimento de cada um. Basta imaginar que há processos criativos e até profissões que exigem introspecção. Ou então, escritores, por exemplo, não dariam tanto valor àquele hábito de "ouvir a própria voz" para produzir suas obras. Não é por acaso. (VP)

Péricles e Bruno: eles dividem a responsabilidade pelos acertos e erros da criação publicitária

Pense rápido em eventos que mudaram a história. Agora, pense em quem esteve por trás de todos eles. Ao lembrar-se da Revolução Francesa, pode ser que você saiba que foram os sans-culottes (trabalhadores e pequenos proprietários) e camponeses os responsáveis pelo estopim daquele acontecimento. Mas quem passou para a posteridade foram a rainha decapitada Maria Antonieta e o jornalista re­­volucionário Jean Paul Marat, cada um à sua maneira. O mesmo vale para a independência brasileira – e seu herói, D. Pedro I. Quando se fala em Inconfidência Mineira, qual é o nome que vem à cabeça?

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Na cultura popular, o indivíduo, o herói solitário, sempre teve lugar de destaque, mesmo que no fundo se saiba que a história não se faz com um homem só. As palavras mais propagadas nos dias de hoje trazem consigo a ideia do in­­divíduo – autoestima, individuali­­dade, autorrealização, vontade própria, personalidade. Nos últimos anos, no entanto, a ciência tem focado esforços no trabalho em grupo, e na importância de nos­­sas relações com os demais para a inovação e a produção do conhecimento.

Embora a individualidade te­­nha se sobreposto à coletividade durante muito tempo, num processo que se estendeu do Renas­cimento aos dias de hoje, o psicólogo Tônio Luna lembra que atividades em grupo sempre tiveram um lugar de destaque na vida do ser humano, como nas atividades de caça, defesa e culto a divindades, inclusive permitindo-lhes sobreviver às adversidades. "O estímulo de grupo evoca potenciais humanos importantes. A constituição do indivíduo se dá nas relações que tem, desde seu nascimento, com as pessoas com quem ele convive."

Duas cabeças

Ainda não há estudos a respeito, mas especialistas em criatividade afirmam com base na observação: empresas, escolas e grupos que va­­lorizam o trabalho coletivo têm mais chances de se desenvolver no mundo de hoje. O princípio é simples: com tanta informação disponível, e com o advento da globaliza­­ção, que exige conhecimentos mul­­tidiscplinares e ideias originais, o ser humano precisa de colaboração para criar, já que é impossível dar conta de tantos processos e dados sozinho.

As chances de mais e melhores insights surgirem também são maiores quando mais gente compartilha seus pensamentos. É a velha máxima de que "muitas cabeças pensam melhor do que uma", como lembra a especialista em criatividade Gisela Kassoy, consultora de empresas que querem estimular essa habilidade entre seus colaboradores. Não é que uma ideia apareça ao mesmo tempo em duas cabeças. A questão é que nenhuma ideia nasce pronta.

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"Toda ideia vem de algum lu­­gar. Em grupo, uma pessoa diz uma coisa, outra pessoa diz outra coisa, e uma terceira amarra tudo aquilo. Não é justo que só essa última seja vista como a autora da ideia", diz Gisela, dando a dica para quem quer trabalhar em grupo: nunca se apegar a uma ideia, sob o risco de não aceitar sugestões ou sempre desejar os louros apenas para si, o que não é o correto, pois trabalho em grupo pressupõe reconhecimento e elogios em grupo. "Isso precisa ficar bem claro sempre."

Um lugar onde tudo tem que ser no plural

Na Publicidade, de nada adianta tentar identificar o autor daquela peça super bem bolada. Embora alguns poucos passem à posteridade como "gênios solitários", todo trabalho na área envolve mais de uma cabeça. Por isso, tente identificar os autores, assim, no plural, para agir com justiça. Em geral, eles são dois – o diretor de arte e o diretor de redação, responsáveis, respectivamente, pela parte visual e pelo texto das propagandas.

"Não existe isso de ‘eu fiz’. É sempre ‘nós fizemos’. Seja algo bom ou ruim, é sempre mérito dos dois. É até bom porque se algo dá errado, tem com quem dividir a responsabilidade", brinca o diretor de arte Péricles Kwiatkoswki, que trabalha há 9 meses como dupla do diretor de texto Bruno Leite, na Agência OpusMúltipla. O curioso é que, na infância, Kwiatkoswki pensava em ser desenhista, um processo muito mais "solitário".

A cada vez que têm um trabalho, os dois encontram-se em uma sala e começam a despejar as ideias em um papel. Tudo o que surgir à mente deve ser escrito, por mais estranha ou exótica que a ideia possa parecer. Por isso, não se pode ter vergonha ou receio para exercer a profissão. "Pode ser que de 30 ideias eu só consiga emplacar uma, mas eu não posso deixar nenhuma de fora", diz Bruno. Depois, a dupla ainda submete a ideia a uma terceira pessoa, o diretor de criação, responsável por aprová-la. "Mas antes temos de convencer um ao outro", conta Péricles.

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Mas nem por ser coletivo o trabalho publicitário abre mão de momentos solitários. Depois de aprovada a ideia, cada um exerce uma função específica e de forma individual. O diretor de arte vai cuidar da fotografia, da ilustração, e o diretor de texto, do roteiro, do texto em si, embora cada um dê palpite no que o outro está fazendo. E tanta proximidade não cansa? Eles afirmam que não. "Às vezes há discussões, mas de cunho profissional, nada pessoal. No fim de semana, ainda nos encontramos para tomar uma cervejinha", finaliza Bruno.