Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Habitação

Duas entre 10 casas estão no limbo

No improviso, o empreen­dedorismo- Joanita espera a regularização da área para conseguir investir sem o risco de perder tudo. Há nove anos ela mora nesse lote com dois filhos. Na parte de baixo da casa, construída no improviso, ela montou um salão de beleza e uma lojinha, ambos sem alvará. "Meu sonho é ter o terreno para poder construir direito e separar a loja do salão, e ainda poder regularizar tudo. Assim ficará muito mais organizado." | Walter Alves/Gazeta do Povo
No improviso, o empreen­dedorismo- Joanita espera a regularização da área para conseguir investir sem o risco de perder tudo. Há nove anos ela mora nesse lote com dois filhos. Na parte de baixo da casa, construída no improviso, ela montou um salão de beleza e uma lojinha, ambos sem alvará. "Meu sonho é ter o terreno para poder construir direito e separar a loja do salão, e ainda poder regularizar tudo. Assim ficará muito mais organizado." (Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo)
Nos passos dos pais -Os pais de Joelma invadiram uma área em Curitiba quando vieram do interior do Paraná e hoje são donos do próprio imóvel. Já ela, depois de separada, seguiu os mesmos passos e achou um terreno barato numa área de invasão no Sítio Cercado.

1 de 1

Nos passos dos pais -Os pais de Joelma invadiram uma área em Curitiba quando vieram do interior do Paraná e hoje são donos do próprio imóvel. Já ela, depois de separada, seguiu os mesmos passos e achou um terreno barato numa área de invasão no Sítio Cercado.

O Brasil tem hoje 12 milhões de domicílios em áreas irregulares na zona urbana. Ou seja, duas em cada dez residências brasileiras não têm qualquer regularização fundiária. O problema, já antigo, aumentou principalmente nas décadas de 30 e 50, quando houve um grande êxodo do meio rural para as cidades. A regularização de lotes urbanos anda a passos lentos porque esbarra, segundo especialistas, no desconhecimento das prefeituras sobre como proceder, na falta de vontade política e no preconceito. Nos últimos seis anos, apenas 136,7 mil títulos foram registrados. Nesse ritmo, o país levaria 500 anos para tirar essas residências do limbo social e jurídico. A expectativa, porém, é de que novas legislações em vigor acelerem o processo.Viver na informalidade é um problema social e econômico enfrentado por Joanita Ferreira dos Santos e Joelma Aparecida da Rocha. A primeira, como ela mesma define, vive no improviso tanto em casa como no comércio que montou no mesmo espaço. "Nosso processo de regularização não tem data para sair, por isso não sei qual será a metragem certa do meu terreno. Tenho medo de começar a construir tudo certinho e depois ter de derrubar. Fiz o básico, por enquanto, para poder sobreviver com meus dois filhos", afirma.

Joelma foi mais corajosa. Mesmo sem o título, mas depois de a prefeitura confirmar a metragem do terreno, investiu tudo o que pode e conseguiu levantar a tão sonhada casa de dois pisos. A situação poderia estar melhor se ela conseguisse um financiamento para comprar o material para o acabamento. "Você fica de mãos atadas porque não é oficialmente a proprietária", comenta.

O Estado é o responsável por ajudar pessoas como elas, pois a moradia é um direito social garantido pela Constituição. O Estatuto da Cidade, de 2001, encarrega as prefeituras de tratar da questão. O problema, porém, começa bem antes. Historicamente, as cidades incharam e não houve um planejamento para que a população de baixa renda também tivesse a oportunidade de adquirir um lugar para morar, o que seria, literalmente "cortar o mal pela raiz".

"A irregularidade acontece quando não há alternativa de moradia formal. Essas pessoas não tinham condições de comprar uma casa no mercado imobiliário e não existia, na época, uma política pública adequada para a renda dessas famílias", afirma a gerente de regularização fundiária da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Ana Paula Bruno. Quem, na época, conseguiu pagar aluguel, o fez, os outros foram atrás de uma área "desocupada".

"Se você não tem recurso para nada e está entre a opção de dormir na rua ou montar uma barraca na encosta do rio, é preferível montar a barraca. O governo também não se preocupou, durante a migração, em dar condições para as pessoas permanecerem no campo", diz a arquiteta e urbanista Maria Lúcia Refinetti Martins, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos da Universidade de São Paulo (USP).

Depois de uma grande sequência de loteamentos e ocupações irregulares criadas no país, o que as prefeituras têm feito são experiências isoladas de regularização, muitas delas bastante tímidas. A Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), que ajuda os municípios que não têm um setor de habitação bem estruturado, até hoje não contabilizou nenhuma entrega de registro de propriedade para áreas urbanas irregulares. As iniciativas que existem ainda são novas e não foram concluídas.

"Temos uma área em Piraquara que não consideramos como o melhor lugar para as pessoas viverem, mas pelo fato de a comunidade estar consolidada por ali, vamos dar condições a estas pessoas de ter uma vida melhor, com mais conforto. Só não ficam as que estão em área de risco", afirma o diretor de regularização fundiária da Cohapar, Nelson Cordeiro Justus. Um levantamento ainda será feito pela Cohapar para apontar quais são as ocupações irregulares que existem no estado. "Já existia um diagnóstico antes, mas eram dados soltos, que não seguiam os mesmos critérios. Queremos agrupar informações de mesmo valor para ver como agiremos", conta.

Maus exemplos

Só no município de Conselheiro Mairinck, no Norte Pioneiro do Paraná, que tem 3,6 mil habitantes, 80% da área urbana é ocupada irregularmente, segundo Justus. "As pessoas foram construindo e nunca se preocuparam em registrar os imóveis. É um prejuízo para fins de herança, para adquirir financiamentos. Estu­­­damos com a Anoreg [Associação dos Registradores do Paraná] como conseguir uma custa judicial diferenciada para regularizar a área toda", afirma Justus. Na região metropolitana de São Paulo, de acordo com a arquiteta Maria Lúcia, estima-se que 40% das residências estejam em áreas irregulares.

A Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab) tem uma realidade um pouco melhor: entregou, nos últimos dez anos, 7.880 títulos para quem estava irregular e não vivia em área de risco. Mas ainda há muito para ser feito. Só no Chapinhal, que fica dentro do bairro Sítio Cercado, onde Joelma mora, existem 700 famílias aguardando a regularização. "A capital paranaense sempre investiu nas áreas de ocupação irregular e levou algum tipo de infraestrutura a essas famílias. O processo, contudo, é burocrático porque envolve questões de ordem documental", explica o coordenador de projetos especiais da Cohab, Maurício Aurélio Becker. Uma das medidas adotada pela prefeitura de Curitiba para agilizar o processo foi, desde 2007, consentir o perdão da dívida de IPTU para os lotes ocupados irregularmente. Como as pessoas não eram proprietárias, não pagavam a taxa e o montante onerava ainda mais o processo de regularização.

Segundo pesquisa do IBGE, apenas 800 cidades declararam ter instituído programa ou plano de regularização fundiária, ou 14% dos 5.565 municípios brasileiros. "A regularização fundiária não estava dentro da agenda nacional, o que começou só nos últimos oito anos, com a criação do Ministério das Cidades", afirma Ana Paula. O número de processos de regularização iniciados no país nos últimos seis anos é grande: 1,9 milhão. "Eles não avançaram porque o trâmite final é complicado. As amarras legais foram destravadas apenas em 2009 [com a Lei 11.977]". Antes disso, por exemplo, para regularizar uma área era necessário que ela tivesse um determinado tamanho padrão. "Agora podemos olhar para a realidade de cada comunidade e aprovar."

Interatividade

O que fazer para ajudar essa população a conseguir o título da propriedade?

Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br

As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

Serviço:

Autoridades municipais que não sabem como regularizar uma área ou terreno podem fazer um curso sobre o assunto nos dias 5 e 6 de abril em São Paulo. Mais informações no site: www.estatutodacidade.com.br

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.