| Foto: VALTERCI SANTOS/VALTERCI SANTOS

Conheci José Eugênio Ghignone, o “Dude”, um pouco antes de me iniciar no jornalismo profissional, em março de 1960. Ele já era um dos “deuses” daquele Olimpo, a livraria Ghignone, que então definia boa parte da elite pensante curitibana. Em torno dele e de sua livraria - naqueles dias ainda com a presença forte de seu pai, o pioneiro fundador, seu João - gravitava um universo de gente inteligente.

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A intelligentsia curitibana sintetizava-se ali.

Na Rua XV, no histórico palacete D.Pedro II, a livraria foi testemunha, por dezenas de anos, de como a cidade foi crescendo no seu PIB intelectual. Por lá desfilaram, em anos diferentes, escritores como Dalton Trevisan, Valêncio Xavier, Érico Veríssimo, Monteiro Lobato, Manoel Carlos Karam, Hélio Puglielli, Viana Moog, Jamil Snege, Fabio Campana, Cristovão Tezza, Jorge Amado, teatrólogo Oraci Gemba, Tônia Carrero, Wilson Bueno, Sanches Neto; livreiros como José Olímpio; notáveis da vida pública como o interventor Manoel Ribas e seu secretário, o crítico Wilson Martins, o geneticista Newton Freire Maia e os filósofos Ubaldo Puppi e Ernani Reichamnn...

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E como esquecer que a Livraria Ghignone foi também, a partir dos anos 1930, fortim libertário, acolhendo para encontros muito discretos (quase secretos), alguns “subversivos”, como os notórios marxistas Luiz Parigot, Manfredini (avô do jornalista Luiz Manfredini), o médico Jorge Karam, o líder sindical Espedito de Oliveira Rocha, o antológico advogado Vieira Neto? E, depois, como consequência dos primeiros encontros desses homens contestadores, as reuniões foram se expandindo para o Café Belas Artes, sempre sob a liderança do livreiro “Dude”.

No volume 1 do meu livro Vozes do Paraná, retrato de Paranaenses, fiz o perfil de “Dude”, quando ele então adicionou àquele universo de intelectuais reunidos a partir da livraria, o nome de notáveis,como Eduardo Rocha Virmond e Dalena dos Guimarães Alves.

É mais fácil dizer quem não passou ou fez ponto na Ghignone, que teve lojas também em outros endereços: Praça Zacarias, na Praça Osório, no aeroporto, até encerrar suas portas na Rua Comendador Araújo, depois de 2008.

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“Dude” nunca quis outra coisa na vida senão viver com livros e em torno deles, me disse no perfil que, por primeiro publiquei na revista Ideias, Travessa dos Editores, em dezembro de 2006. Para tanto, “entrou no clima” muito cedo, ao lado do pai, seu João, um homem cuja vida exemplar caberia em qualquer “santoral”, alma caridosa que, ao lado de Abib Isfer, fundaria a Federação Espírita do Paraná e diversas obras sociais.

“Dude” sempre respeitou o kardecismo, mas não frequentava as reuniões promovidas pelo pai, de quem foi companheiro para contatos que lhe renderam enormes dividendos. Com o pai ia ao Rio, ficando horas a ouvir gente como os editores Ennio Silveira e José Olímpio a falar de obras e autores. Ou ia a Porto Alegre, fazendo-se amigo dos Bertasso, Dinis da então editora Globo.

Em São Paulo, chegou a conhecer Monteiro Lobato, a quem ‘absolveu’ por ter publicado as primeiras obras de autoajuda no Brasil - “Foram os livros de Dale Carnegie, que tinham certa qualidade...”. Mas que não lhe pedissem que promovesse livros de autoajuda: “Isso é lixo”, disse-me com a energia de quem estava exorcizando um tipo de mal no mundo livreiro.

De Lobato ainda guardava outra lembrança: o escritor, ateu professo, pediu ajuda ao pai de “Dude”, para consultas espiritualistas: queria “contato com mortos de sua família”.

Com a morte de José Eugênio Ghignone foi-se a oportunidade de se esmiuçar como funcionava “a cabeça” dos agentes da Polícia Federal encarregados de censurar a criação intelectual. No depoimento que me deu - bem antes da Lava Jato, que redime a PF -, “Dude” refestelava-se de bom humor (momentos raros nele), lembrando que para os policiais censores da PF, gestados no espírito de 1964 - “bastava um autor ser russo e/ou um livro ter capa vermelha para ser considerado subversivo”.

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