Vídeo| Foto: Reprodução/TV Globo

O dentista Carlos Renato Fernandes, 69 anos, e o engenheiro florestal Beto Bertolini, 44 anos, não chegam a um acordo sobre a ocasião em que se conheceram. O importante é que se conheceram. Desde que "se achou", há uma década, a dupla virou sinônimo de militância irrestrita a favor da natureza. Seus panfletos e gritos de guerra são nada menos do que as fotos de encher os olhos feitas por Carlos e o raríssimo arquivo de sons de Beto – dois profissionais que deixaram às moscas as antigas profissões para se tornarem o fotógrafo e o ecologista acústico em tempo integral.

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Carlos e Beto já estiveram um sem-número de vezes na Floresta Atlântica paranaense e no Pantanal. É o quintal de suas casas. Mas reunir dois animais tão exóticos numa única viagem é mais difícil do que encontrar um mico-leão-da-cara-dourada fazendo footing no Passeio Público. Captadores de som e fotógrafos de meio ambiente são por natureza tão ariscos, arredios e solitários quanto monges do deserto. Essa é a graça.

Beto, quando vai a campo, levanta-se às 4h30. Carlos, um pouco mais tarde. Antes da expedição, fica combinado que um não vai circular no território do outro, no mesmo dia e horário – de modo a não pôr tudo a perder. É isso ou a mata vira um campo minado. Explique-se. O ofício abraçado pelos dois ecologistas é talhado para homens invisíveis. Beto já arruinou gravações do canto de aves porque o superequipamento de som captou um ronco do seu estômago. Uma pisada mais pesada na mata, às vezes, é o que basta.

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Carlos Renato, idem. Curiosos não são bem-vindos no encalço do sujeito que precisa ficar de tocaia, noite adentro, identificando o ninho de anfíbios apenas pelos sons que emitem à noite. Clareou, nada feito – fica impossível identificar os bichos e a tarefa vai para o brejo. Indiana Jones não daria conta. Quanto a Carlos, foi assim que conseguiu flagrantes inacreditáveis de Philo medusas e Hilas albomaginata – para lembrar duas famílias de pererecas que cita com tamanha propriedade que faria cientistas morderem-se de inveja.

Aliás, o viajante deve ter começado a virar cientista no dia em que olhou bem para as chapas de raios X no seu consultório e fez o diagnóstico fatal: era o homem certo no lugar errado. "As radiografias despertaram minha curiosidade pela fotografia", conta, sobre o ofício que descobriu apenas em 1985, aos 46 anos, quando, além de dentista, cursava o quarto ano de Medicina. Era para ser um hobby de fim de semana, em companhia dos amigos do Fotoclube do Paraná, mas Carlos deu de ganhar um concurso de fotografia atrás do outro. "A crítica interna era muito severa. Tinha de pesquisar e ser bom", lembra. Gostou tanto da madureza que se pôs a contar as horas que faltavam para abandonar a broca. Porque a faculdade de Medicina já tinha largado. "Foi fulminante", resume.

Deu no que deu – em 22 anos de amor quase adolescente pela fotografia, editou quatro livros de imagens, entre eles o belíssimo O Paraná – lançado quando Carlos era ainda um aprendiz. Para criar sua coleção, cruzou o estado tantas vezes que, só de pensar, dá vertigem. "Não sei quantos quilômetros rodei. Mas vendi meu último carro com 180 mil quilômetros em dez anos de uso", calcula – o que equivale a uma ida por ano de Curitiba a Vitória da Conquista, na Bahia, com longas escalas para fotografar, muitas vezes levando uma vassoura no porta-mala. Tem lixo, Carlos limpa.

Com Beto, a reviravolta não foi menos surpreendente. Ele estudava na Austrália quando uma expressão martelou seus ouvidos: "paisagens sonoras". Atrás de seu significado, conheceu a arte de Bernie Krause, o mago que há 40 anos capta sons de animais e soma 3,5 mil horas de gravações da natureza. Para o curitibano que enfrentou cangurus para melhorar sua performance na sonorização de comerciais de tevê, aquilo foi a Conquista das Índias. Não quis mais saber de outra coisa e seja o que Deus quiser. Quinze anos depois da "travessia", Beto coleciona um mar de histórias passadas dentro da floresta – com folga o lugar onde gosta de ser e estar.