Em 1º de março de 1965, uma segunda-feira de carnaval, dez mil pessoas lotaram o Maracanãzinho atrás de um pedaço de bolo. Não qualquer bolo: a iguaria confeccionada para o IV Centenário do Rio de Janeiro media cinco metros de altura, 16 de largura e pesava três toneladas (200 quilos só de glacê). Às 16 horas, chegou a vez de Carlos Lacerda, governador da Guanabara, cidade-estado que o Rio virou quando surgiu Brasília. O político “assoprou” as 400 lâmpadas que faziam as vezes de velas e serviu o primeiro pedaço a um garoto paulista — ele havia lhe enviado uma carta manifestando este desejo. Coube a 200 escoteiros fazer a distribuição para o público. As sobras — sim, sobrou — foram para orfanatos e instituições de caridade.
O bolo consolidou o 1º de março de 1565, data do desembarque dos portugueses na Urca, como aniversário da cidade. Consolidou porque, durante séculos, a data de nascimento era outra: 20 de janeiro de 1567, dia da vitória lusa sobre índios tamoios e invasores franceses e, de quebra, Dia de São Sebastião, padroeiro da cidade.
A historiadora Cláudia Mesquita, especialista em IV Centenário e co-autora do livro “Rio 400+50”, explica: “O martelo só foi batido nos anos 1960. Houve um consenso entre os expoentes da época. Como tudo na História, é uma interpretação.”
No meio da confusão, um esclarecimento: o nome da cidade não tem necessariamente a ver com a primeira data de aniversário. “Rio de Janeiro” é o nome que os navegadores portugueses deram para a Baía de Guanabara quando a descobriram, em 1º de janeiro de 1502. Os gajos só voltaram oficialmente por essas bandas no tal 1º de março de 1565, para expulsar uma colônia estrangeira, a França Antártica.
O desembarque, entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão, foi registrado pelo padre José de Anchieta numa carta. “Começaram a roçar em terra com grande fervor e cortar madeira para a cerca, sem querer saber dos tamoios, nem dos franceses”, escreveu o jesuíta. E o novo povoamento recebeu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro em honra do rei de Portugal na época — o lendário Dom Sebastião (1554-1578).
Não faltariam motivos para considerar este episódio a fundação do Rio. Acontece que a carta de Anchieta, único registro oficial do fato, só chegou ao conhecimento geral na década de 1920. Durante esta longa espera, ficou valendo aquele 20 de janeiro de 1567, quando as tropas de Estácio de Sá subjugaram índios e franceses.
Paulo Knauss, historiador e diretor do Arquivo Público do Rio de Janeiro, explica o simbolismo da data.“A batalha é importante não só pela vitória. Estácio de Sá é ferido por uma flecha e morre logo depois. Um guerreiro morto por flecha, como São Sebastião, padroeiro da cidade, cujo dia é o mesmo da batalha. São conteúdos militares e religiosos muito densos”.
O historiador Milton Teixeira vai além. “Durante os período colonial e imperial, o 20 de janeiro manteve o status de aniversário do Rio. Foi o único feriado religioso mantido pela República, marcava a posse da câmara”, diz.
Isso até que foram publicadas as cartas de Anchieta, levantando a polêmica sobre a fundação do Rio. Mas, para que a história fosse reescrita, foi preciso ainda um fator externo. Em 1954, São Paulo comemorou 400 anos. E veio a questão: quando o Rio seria quatrocentão? Se valesse a história do desembarque, seria 1965. Valendo a vitória, 1967. Uma comissão optou pelo desembarque, decisão ratificada por Carlos Lacerda, que via o IV Centenário como vitrine para uma candidatura à presidência.
Durante seu governo (1960-1965), Lacerda fez bolo, museu, túnel e até aterro. De nada adiantou: o regime militar de 1964 continuou, e o civil Lacerda nunca concorreu à presidência. O Estado da Guanabara foi fundido ao do Rio em 1975. Sobrou o aniversário caindo em 1º de março. Knauss atenta para a mudança de valores:
“Em vez de se valorizar o dia do santo, da batalha, se valoriza a civilização. É uma cidade para quem quer ‘roçar em terra’, construir uma nova vida”.
A verdade é que muitos cariocas continuam se confundido com as duas datas. Tudo bem: comemora-se em dobro.
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