Se um dia alguém perguntasse à advogada Claudia Francisca Silvano qual a pessoa mais bem vestida do mundo, ela diria: “Agostinho Carrara”. A mistura de estampas berrantes, que cobre o personagem do ator Pedro Cardoso em A grande família, pode não agradar a todo mundo, “mas é alegre”, argumenta ela. É essa a sensação que ela quer passar quando, antes de sair de casa, às 7 da manhã, veste uma calça listrada e uma camisa com botões coloridos – confeccionadas sob encomenda à costureira.
As roupas, feitas com base na sensação que as cores provocam, são o pedaço da vida de Claudia em que pode exercitar a alegria. E alegria é daquelas coisas que teriam o quilo tão caro neste mundo que nem estão à venda. Assim como o amor e a justiça. São suas palavras-chave. Sim, a advogada é sorridente, piadista, daquelas figuras que têm tiradas incríveis nas redes sociais e que reúnem muita gente a sua volta. No íntimo, porém, pode-se dizer que, aos 48 anos, Claudia valoriza alegria, amor e justiça porque sua história tem sido basicamente correr atrás desses três prêmios.
CLAUDIA SILVANO
A curitibana Claudia Silvano, 48 anos, se formou em Pedagogia, em 1989. Anos depois, enveredou para o Direito, vindo a se tornar coordenadora do Procon Paraná. Seu estilo cidadão a tornou rosto conhecido na cidade. Não se nega sair à rua, bater na porta de estabelecimentos que estejam ferindo o Código de Defesa do Consumidor.
A fama de negociadora vai além do público que faz filas todas as manhãs na Rua Presidente Faria, sede do Procon. Seu público na “repartição” também é beneficiado pela personalidade aberta e divertida. A persona popular nem sempre dá a conhecer as agruras da vida privada. Durante 12 anos, Claudia cuidou paripassu da mãe adoecida, Paulina, morta em 2011. Foi ela quem apresentou à filha o primeiro emprego, em uma loja de joias. Ali Claudia aprendeu a ética no atendimento ao público.
“Há duas Claudias: uma sempre alegre e carismática e outra que já viveu e enfrentou muita coisa”, resume o advogado Rodrigo Damasceno Ferreira, diretor da Escola de Gestão Pública, um dos amigos mais próximos da advogada.
Enquanto está sentada em frente ao computador, em um gabinete limitado por divisórias no Procon-PR, a diretora Claudia não se importa em ser interrompida. E o é, o tempo todo, seja pelo telefone ou pelos funcionários. O prédio tem seis andares, dos quais os dois primeiros são para atender as pessoas. A partir do momento em que cruzam a porta, elas assumem o posto de consumidores ou de uma das “partes” de um processo administrativo.
O pequeno prédio na Rua Presidente Faria, numa quadra decadente, perto do Passeio Público, está sempre apinhado de gente – de engravatados a gente de chinelo. As revistas nas salas de espera são velhas e o ventilador às vezes quebra. Os atendimentos são corriqueiros, mas não raro difíceis, como o da consumidora que comprou uma geladeira a prazo. O eletrodoméstico estragou, a fábrica não consertou, e as parcelas deixaram de ser pagas. Esse exemplo mostra ser possível alguém ter razão e, ao mesmo tempo, não ter. A justiça “é uma moça atribulada”.
“Como ela [consumidora] quer uma nova geladeira se a que ela tem ainda não é dela?”, rumina Claudia. Ainda assim, garante classificar a maioria dos problemas que chegam ao Procon-PR como de “fácil solução”, tanto que nem deveriam estar lá. E não estariam caso o diálogo das empresas com os clientes fosse mais transparente. Mas reconhece: “A nossa matéria-prima é o pepino”. Nesse quesito, o órgão tem ido bem. O Procon-PR hoje consegue resolver 86% dos problemas que batem à sua porta.
Às vezes, no entanto, o pepino é colossal – e público. Um exemplo é o caso da tarifa de transporte público na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), uma incógnita depois que o “sistema integrado” desintegrou, em janeiro. Em meio ao jogo de empurra que dura até hoje com a prefeitura de Curitiba, a coordenação do RMC (ligada ao governo do estado) havia definido uma data-limite para uso dos créditos já comprados por passageiros. Também estabeleceu diferenciação de preço para a passagem embarcada e a comprada com antecedência.
Edla Van Steen , escritora e editora.
O Procon-PR e o Ministério Público intervieram no assunto, contestando o prazo curto e a diferenciação. Diversas reuniões depois, o tempo para usar os créditos antigos aumentou, para benefício de quem já tinha carregado o cartão-transporte, mas a prefeitura ainda não definiu um valor final após o fim do prazo de diferenciação por modo de pagamento, previsto para ocorrer em agosto.
Quer trabalho mais difícil do que administrar uma bomba dessas?
Salvação
Contrariando qualquer resposta, Claudia demonstra um raro amor em pertencer a uma instituição pública. Nada parece deixá-la mais satisfeita do que rabiscar com a mão esquerda, no primeiro papel ou guardanapo que surge na frente, um gráfico sobre como funciona um tal artigo do Código de Defesa do Consumidor. Ou mesmo fazer a mala para pegar pela centésima vez o avião até Brasília, onde são feitas periodicamente reuniões com cerca de 200 membros de Procons estaduais e municipais na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
“Adoro ir a Brasília. É onde encontro as pessoas da área. Sempre saímos juntos para conversar, é muito legal”, comenta ela. No celular de Claudia, as conversas continuam: são grupos e mais grupos para discutir Defesa do Consumidor pelo aplicativo Whatsapp. A qualquer horário do dia, ela responde a dúvidas que nascem em Procons municipais, coisas como: “Se o cliente compra uma bermuda e, ao se abaixar, a peça rasga, pode pedir reembolso da loja por defeito de fabricação?”
Tanta dedicação fez com que fosse natural a nomeação, em 2011, para a coordenação do Procon – um cargo de confiança que costuma fazer parte dos “lotes” políticos do governo estadual. O nome de Claudia surgiu com força para a então secretária de Justiça, Maria Tereza Uille Gomes, “tanto no Paraná quanto fora do estado” – nas palavras da própria Maria Tereza. E o mais impressionante no jogo de poder: a secretária saiu do cargo em fevereiro e a coordenadora continuou, mesmo sem ter contatos políticos que a sustentem.
Paulina
O Procon-PR hoje tem quadro de funcionários aquém do necessário para a demanda de 80 mil atendimentos anuais. Complicado, desgastante e por vezes inglório, mesmo assim o trabalho a salvou. A explicação está na história que ainda a faz chorar. Durante 12 anos, Claudia cuidou da mãe, Paulina Borovsky, que morreu em 2011, aos 80 anos. Mulher linha-dura, apesar de elegante ex-negociante de joias, Paulina era do tipo que sempre pedia à filha para se vestir melhor.
Modelo na mocidade, usava vestidos, peça que Claudia odeia tanto que nem as tem. A relação entre as duas um tanto turbulenta. A mãe pedia laranja a um pé de maçã. Depois que sofreu o primeiro derrame, porém, Paulina baixou a guarda e as duas se aproximaram como nunca ao longo de 12 anos. Criada apenas pela mãe, Claudia conheceu o pai já adulta, e optou inclusive por ficar fora da partilha de bens após a morte dele. “Não havia por quê. Eu mal o conhecia”.
Na época em que Paulina sofreu o primeiro derrame, em 1999, a filha era técnica do Procon e estava no meio da graduação em Direito na UniCuritiba. A notícia da doença da mãe acendeu o extremo senso de responsabilidade de Claudia. Foi o que a levou a cogitar trancar a faculdade. Quem a demoveu da ideia foi o professor Daniel Ferreira, então coordenador do curso. Encontraram-se sem querer nos corredores enquanto ela preparava o afastamento. Ao saber da história, Ferreira tratou de sentar com Claudia em um café.
“Ela era uma aluna madura, participativa, e fazia a faculdade por amor, não por imposição da família. Era o que realmente queria. Expliquei que poderia conciliar as duas coisas, que a doença não precisava ser um peso tão grande”, conta o professor. Intimamente, Ferreira tinha um exemplo próprio em que se basear: o mal de Parkinson do pai, que acompanhou até o fim, durante sete anos. “Só quem passa por isso sabe o que é ver uma doença minando aos poucos um familiar”, afirma ele. Claudia se diz grata ao professor; e admite que se esperasse 12 anos para retornar ao curso, nunca o faria.
Antes de morrer, Paulina estava cega e frágil “como uma criança”. A conversa entre as duas, então, era menos sobre exigências e mais sobre passado e carinho. Essa troca lhe faz falta. “Ainda não enterrei a minha mãe”. Paulina teve o corpo cremado e as cinzas jogadas no mar –contrariando a fé judaica de parte da família.
Depois que a mãe morreu, a advogada se pegava várias vezes adiando a hora de ir para casa. Liberada do Procon, no fim da tarde, seguia para o cursinho jurídico onde dava aulas e saía de lá perto da meia-noite. Preparava aulas com antecedência de semanas. “Eu simplesmente não sabia o que fazer com o tempo que agora estava livre”, conta.
Os amigos sentem em ver que Claudia muitas vezes traz para si uma culpa que não tem, já que fez o que estava a seu alcance para tornar melhor os últimos anos da mãe. “Ela só não fez pela mãe o que não era possível. Gastou muito dinheiro e deu-lhe todo o seu tempo vago. Foi uma filha maravilhosa”, avalia o técnico em Eletrônica Ivo José Rockenback Filho, marido da fisioterapeuta de dona Paulina e hoje um grande amigo de Claudia.
Bonança
Como a vida é tudo, menos coerente, também houve arco-íris durante a chuva. Em 2006, Claudia conheceu a mulher da sua vida. A jornalista Ana Paula a procurou no Procon para resolver o caso de um DVD player que parou de funcionar logo depois da compra. Nos bastidores, um grupo de amigos em comum serviu de “cupido” para a história. Claudia gostou da ideia de cara; Ana Paula ficou reticente no início.
“Tinha acabado de perder meu pai… E não me agradou tanta gente pressionando”, conta Ana. Em suma, Claudia teve que “camelar”. Ligava, jogava conversa fora, convidava para sair. Um dia, foram ver Capote no cinema. “Um filme bem romântico”, ironiza Ana Paula. De lá, foram jantar. A história começou a fluir até chegar à tatuagem com um trecho de letra de Djavan, no braço de Claudia: “Vem me fazer feliz porque eu te amo”.
As duas moram juntas desde 2009 e firmaram união estável em 2011. Claudia diz que não é de levantar bandeiras – apesar de estar planejando tatuar um código de barras nas cores da bandeira GLS na mão –, mas recomenda a casais homoafetivos oficializarem suas uniões, como forma de proteção jurídica.
“Aconselhei o funcionário da padaria que eu frequento que se casasse com o companheiro com quem vivia há 25 anos e estava internado, com câncer. Eles fizeram. Semanas depois que o homem morreu, batata: apareceram sobrinhos no apartamento querendo tirar coisas de lá”.
Os altos e baixos dos últimos anos deixaram lições para Claudia. “Por essas e outras, não permito que ninguém mais me encha o saco”, brinca. Deixa coisas bestas passarem, escolhe as batalhas que valem a pena. Dentro do sobrado de três andares em que mora no Cajuru, com Ana Paula, nada a atormenta. Lá estão as duas cachorras – Cissa, uma daschund braba que só; e Rebeca, vira-lata que é pura afeição.
Claudia convive com poucos pertences da mãe – basicamente, dois. Um deles é a cômoda pequena com banco, que a advogada reformou para ficar colorida, azul e rosa. A outra é um quinteto de matrioscas (bonequinhas russas que se encaixam dentro uma da outra) de madeira leve, pintada à mão.
Já foi de frequentar noitadas na juventude -- batia ponto na boate Época, popular nos anos 1980 e 1990. Hoje, exercita uma certa pacatez. O principal hobby, além do artesanato, é ver séries de TV. É fã de Criminal Minds . Mas está planejando viajar para os Estados Unidos – do exterior, a advogada conhece apenas a Argentina. “Tenho que ir, senão me separo”, brinca. Sair do sossego, só se for para acompanhar Ana Paula.
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