Pelo menos 150 universitários disputaram na semana passada uma poltrona nos auditórios da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para ouvir um visitante francês Guy Tapie, 56 anos, pesquisador da Universidade de Bordeaux. A figura sorridente despertou tripla curiosidade. Primeiro, por ser um sociólogo que estuda arquitetura e urbanismo, capaz de falar sobre imaginário e identidade tanto quanto de praças e tipos de habitação. Segundo, para saber quais suas impressões sobre a cidade que ainda guarda traços da influência de outro francês, Alfred Agache, que fez projetos urbanos em Curitiba entre 1941 e 1943. Por fim, uma indiscrição: descobrir se votará em Nicolas Sarkozy ou em François Hollande no próximo domingo.
A última pergunta ficou sem resposta. "A discussão mais importante é o avanço da extrema direita na França e não se dará Sarkozy ou Hollande", disse Guy durante uma palestra. O avanço da direita (Marine Le Pen teve 17,9% dos votos) e seu desejo de coibir a entrada de imigrantes é uma questão cara a esse sociólogo que nos últimos 25 anos se tornou uma referência em políticas de habitação e na "fabricação da cidade", termo sob medida para esses tempos em que se faz urgente reconstruir o significado de espaço público.
Se as urnas indicam que mais e mais franceses querem restringir a entrada de estrangeiros, é sinal de que "viver junto" permanece uma contradição na terra da liberdade, igualdade e fraternidade. E que esse entrave deve continuar a se manifestar, dos condomínios gigantescos da periferia aos famosos cenários de cartão-postal da bela Paris. Não é uma novidade, como mostra a história recente do país. Nem um privilégio dos franceses. Outros seguem atrás. Foi quando se tentou a segunda pergunta: "E Curitiba, monsieur Tapie?".
Curitiba
Uma semana de estadia foi pouco para ele. Guy viu, sim, o Centro Cívico e as galerias na Rua XV com a Monsenhor Celso, heranças de seu conterrâneo Agache. Mas não acredita que o urbanismo francês esteja impresso de forma expressiva na capital paranaense mesmo dando entrevista debaixo da arquitetura déco do Paço Municipal. O que não quer dizer que não tenha gostado da cidade ou de Fazenda Rio Grande, município da Região Metropolitana que visitou na quarta-feira.
Em Curitiba, chamou-lhe atenção o espaço público "o comércio muito vivo, com tanta gente na rua" e o afeto entre as pessoas, trocado com os típicos beijinhos no rosto ao cumprimentar. Até ele recebeu alguns, dos quais fala com entusiasmo. Em Fazenda Rio Grande onde deve participar, a distância, de pesquisas feitas por alunos da UFPR , chocou-se com a ocupação desordenada e com a ausência de um ponto a partir do qual a cidade se espalhe. O lugar do centro ali é ocupado pela BR-116.
No mais, aprendeu a dizer "tchau-tchau" e a admitir que a organização das cidades no Brasil, ou a falta dela, é de fato surpreendente. "Mas não tanto quanto a Índia", brinca o estudioso que não esconde o impacto causado pelas cidades asiáticas, em especial Bangcoc, na Tailândia, "onde a qualidade da cidade é devida menos ao urbanismo e mais às relações sociais, com uso intenso do espaço público".
Indagado por onde começaria a estudar uma cidade brasileira Curitiba, por exemplo , não pestanejou. "Pela insegurança. Gostaria de saber como a segurança pública é organizada pelo Estado." Desde que chegou, chamou atenção do estrangeiro a quantidade de grades, cercas elétricas e muros altos vistos em todos os cantos. Ficou se perguntando como a vida urbana se desdobra numa sociedade do medo e da violência. Haveria matéria prima farta para Tapie investigar nos próximos 25 anos.