Entrevista
"É preciso cooperação para alterar o individualismo das cidades"
Guy Tapie, sociólogo que estuda arquitetura e urbanismo e pesquisador da Universidade de Bordeaux.
Para o francês Guy Tapie, o planejamento das cidades não deve excluir a contribuição de antropólogos, etnólogos e sociólogos, formando um novo acordo social. Confira trechos da entrevista:
Lagos, na Nigéria, ou Bogotá, na Colômbia? Qual o maior desafio para a sociologia urbana?
Lagos me parece uma situação complicada demais. Bogotá está pacificada. Me interessa mais uma cidade como Bangcoc. [risos]
Faltam sociólogos atuando no planejamento das cidades?
É importante a participação de profissionais que possam discutir o imaginário urbano. Para criar um futuro é necessário algo mais do que normas técnicas e leis. É de fato difícil, mas é necessário, pois um projeto pode fracassar se não houver essa interação.
Por que é tão difícil viver junto?
Por causa do individualismo e da crise do espaço público, o que afeta a vida nas cidades. É preciso cooperação entre profissionais e a comunidade para mudar essa realidade, aproximando a cidade do cotidiano e projetando o futuro.
Acredita-se que a convivência entre pessoas de nível social diferente possa garantir a saúde das grandes cidades. Mas os conflitos, nesses casos, são constantes. O que fazer?
A casa é um espaço rico, onde se pode imprimir a própria cultura. Daí os conflitos quando esse desejo é inibido. Temos de garantir o pacto em torno do espaço público, o uso disciplinado dos centros das cidades. Pelo menos essas áreas têm de ser mantidas, garantindo a representação da cidade. Quando se muda do automóvel individual para o transporte público, por exemplo, muda a relação com o espaço urbano.
A redenção das cidades contemporâneas está nos bairros?
Os bairros são espaços fascinantes de sociabilidade. Ali se formam culturas, a memória coletiva, ali surgem organizações sociais. Nos bairros das cidades-jardim inglesas e alemãs do começo do século 20 havia excelente trato da habitação social. Mas é preciso garantir que haja espaços comuns em toda cidade. O modelo europeu procura um centro urbano bem consolidado. O modelo americano se espalha, faz a vida girar em torno do bairro. Não é a minha discussão. (JCF)
Colaborou a arquiteta e urbanista Cristina de Araújo Lima, da UFPR.
Episódio
A reportagem da Gazeta do Povo relatou para o sociólogo um estudo de caso. Há pouco mais de um ano, o assentamento de parte da população favelizada do Parolin em terrenos próximos das moradias da classe média provocou um "fenômeno sociológico". Para protestar contra a falta de energia elétrica provocada pelos "gatos de luz", os mais ricos usaram de uma tática popular: queimaram pneus numa esquina para chamar atenção das autoridades. "É muito raro acontecer isso", avalia Guy Tapie. O consenso entre os urbanistas é que os mais pobres, em situações de proximidade, tendam a reproduzir o comportamento dos mais ricos, e não vice-versa.
Pelo menos 150 universitários disputaram na semana passada uma poltrona nos auditórios da Universidade Federal do Paraná (UFPR) para ouvir um visitante francês Guy Tapie, 56 anos, pesquisador da Universidade de Bordeaux. A figura sorridente despertou tripla curiosidade. Primeiro, por ser um sociólogo que estuda arquitetura e urbanismo, capaz de falar sobre imaginário e identidade tanto quanto de praças e tipos de habitação. Segundo, para saber quais suas impressões sobre a cidade que ainda guarda traços da influência de outro francês, Alfred Agache, que fez projetos urbanos em Curitiba entre 1941 e 1943. Por fim, uma indiscrição: descobrir se votará em Nicolas Sarkozy ou em François Hollande no próximo domingo.
A última pergunta ficou sem resposta. "A discussão mais importante é o avanço da extrema direita na França e não se dará Sarkozy ou Hollande", disse Guy durante uma palestra. O avanço da direita (Marine Le Pen teve 17,9% dos votos) e seu desejo de coibir a entrada de imigrantes é uma questão cara a esse sociólogo que nos últimos 25 anos se tornou uma referência em políticas de habitação e na "fabricação da cidade", termo sob medida para esses tempos em que se faz urgente reconstruir o significado de espaço público.
Se as urnas indicam que mais e mais franceses querem restringir a entrada de estrangeiros, é sinal de que "viver junto" permanece uma contradição na terra da liberdade, igualdade e fraternidade. E que esse entrave deve continuar a se manifestar, dos condomínios gigantescos da periferia aos famosos cenários de cartão-postal da bela Paris. Não é uma novidade, como mostra a história recente do país. Nem um privilégio dos franceses. Outros seguem atrás. Foi quando se tentou a segunda pergunta: "E Curitiba, monsieur Tapie?".
Curitiba
Uma semana de estadia foi pouco para ele. Guy viu, sim, o Centro Cívico e as galerias na Rua XV com a Monsenhor Celso, heranças de seu conterrâneo Agache. Mas não acredita que o urbanismo francês esteja impresso de forma expressiva na capital paranaense mesmo dando entrevista debaixo da arquitetura déco do Paço Municipal. O que não quer dizer que não tenha gostado da cidade ou de Fazenda Rio Grande, município da Região Metropolitana que visitou na quarta-feira.
Em Curitiba, chamou-lhe atenção o espaço público "o comércio muito vivo, com tanta gente na rua" e o afeto entre as pessoas, trocado com os típicos beijinhos no rosto ao cumprimentar. Até ele recebeu alguns, dos quais fala com entusiasmo. Em Fazenda Rio Grande onde deve participar, a distância, de pesquisas feitas por alunos da UFPR , chocou-se com a ocupação desordenada e com a ausência de um ponto a partir do qual a cidade se espalhe. O lugar do centro ali é ocupado pela BR-116.
No mais, aprendeu a dizer "tchau-tchau" e a admitir que a organização das cidades no Brasil, ou a falta dela, é de fato surpreendente. "Mas não tanto quanto a Índia", brinca o estudioso que não esconde o impacto causado pelas cidades asiáticas, em especial Bangcoc, na Tailândia, "onde a qualidade da cidade é devida menos ao urbanismo e mais às relações sociais, com uso intenso do espaço público".
Indagado por onde começaria a estudar uma cidade brasileira Curitiba, por exemplo , não pestanejou. "Pela insegurança. Gostaria de saber como a segurança pública é organizada pelo Estado." Desde que chegou, chamou atenção do estrangeiro a quantidade de grades, cercas elétricas e muros altos vistos em todos os cantos. Ficou se perguntando como a vida urbana se desdobra numa sociedade do medo e da violência. Haveria matéria prima farta para Tapie investigar nos próximos 25 anos.
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