Assim como a mudança de estação, quando começa o inverno no Hemisfério Norte e o verão no Hemisfério Sul, o princípio do fim do mundo é quase imperceptível, dizem os arqueólogos do Museu Britânico especializados em civilizações perdidas. É como se fosse um dia igual aos outros, com a sutil diferença de que os nossos olhos se abrem para a hecatombe com os efeitos especiais da realidade.
O dia amanhece normalmente com algo no ar além dos aviões de carreira e os primeiros sinais do Apocalipse, segundo o calendário maia, surgem do mar. De onde já chegaram todas as forças do extermínio: no caso da América Central, os espanhóis; e, do Brasil, os portugueses.
No Paraná, o fim do mundo começa pela Ilha do Mel. Quando o primeiro raio do sol iluminar a Gruta das Encantadas, as tormentas do Atlântico Sul lançarão ondas gigantescas sobre as pousadas, barracas e edificações piratas, levando os robalos, badejos e garoupas a procurar abrigo nos esgotos e águas salobras. Em meio à falta de água potável, carência de alimentos e a rapina dos mercadores, a superlotação de turistas vai formar filas em torno da ilha, fazendo da fuga para o continente o caminho do túmulo em águas abissais.
"Cest le fin du monde!", dirá um engenheiro da Renault em férias!
Como sempre, nas praias do Litoral o cenário será de desolação. Junto com as correntes marítimas da Patagônia, a súbita proliferação de águas vivas faz com que as águas fervilhem de corpos gelatinosos com seus tentáculos bamboleantes, fazendo dos eventuais banhistas coadjuvantes de um filme de terror. De repente, uma tsunami se alevanta para arrastar as areias do fundo do mar em direção à orla, engolindo as franjas de Guaratuba, Caiobá e Matinhos, realizando a custo zero aquele tão almejado engordamento da faixa de areia dos balneários.
"Es el fin del mundo!", dirá o turista paraguaio!
Nuvens de moscas e mosquitos fazem o dia virar noite. Sem nenhuma segurança pública à vista, o breu é o valhacouto do crime. Casas e apartamentos são arrombados, sob as vistas da impunidade. Vizinho se torna predador de vizinho. As pessoas perdem o sentido de amizade, de gratidão, de solidariedade e salve-se quem puder nas filas e mais filas dos supermercados, açougues e padarias, onde hordas de veranistas famintos se atropelam em busca de suprimentos a preços vis.
Dos supermercados saqueados, estoques de frigoríficos são levados pelos abutres em revoada. Com a fedentina de peixes apodrecidos empesteando a maresia, o que sucede a seguir é aterrador: mulheres, crianças, anciões, enfermos, aleijados e animais perdidos perambulam entre os monturos de lixo, valetas entupidas e esgotos a céu aberto.
"Das Ende der Welt!", dirá o turista alemão a caminho de Foz do Iguaçu.
Nem as fervorosas orações ao Cristo de Guaratuba ajudam nesses momentos. Para a travessia no ferryboat calcula-se não menos de cinco horas e, de Caiobá a Praia de Leste, as filas de veículos triplicam o desespero de quem foge do Armageddon. Depois desse suplício, quando o automóvel se transforma numa prisão de frente para o mar, os abençoados a alcançar a via de escape para o Segundo Planalto ainda têm de pagar pedágios escorchantes ao velho Caronte, o barqueiro da mitologia grega que leva as almas das pessoas mortas à outra margem do rio de águas turbulentas que delimita o inferno.
Dias depois de subir a serra com milhares de caminhoneiros carregados de fúria, os sobreviventes clamarão aos céus: "Quosque tandem, Catilina, abutere patientia nostra?".
"É o fim da picada!", diria um turista mineiro.
"Todo verão é o mesmo fim do mundo!", irá dizer um paranaense ao acordar do pesadelo.
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