A ex-escrivã de 29 anos que teve a calça e a calcinha arrancadas por policiais da Corregedoria da Polícia Civil e deixada nua em uma sala do 25º DP, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, em junho de 2009, disse nesta segunda-feira (21) que se sente humilhada em dobro agora que o vídeo com a cena dentro da delegacia foi postado na internet. "É uma dupla humilhação, no dia e agora", lamentou. Ela não quis ter o nome divulgado.
Em uma cadeira no escritório de seu advogado, no Jabaquara, também na Zona Sul, a mulher, loira e de olhos azuis, manteve os braços cruzados durante a entrevista. Olhou para o lado a cada pergunta feita para tentar obter a anuência de seu defensor para conceder ou não a resposta.
Depois da humilhação sofrida há um ano e meio, a ex-escrivã tem que voltar a lidar com as recordações do episódio ao qual foi submetida. O vídeo feito pela Corregedoria da Polícia Civil na ocasião foi postado recentemente na internet e o fato ganhou notoriedade.
O caso
No vídeo, ela aparece sendo despida. Nas imagens, é possível ver a ex-escrivã sentada enquanto ouve sucessivos pedidos para que tire a roupa por causa da suspeita de que tenha escondido o dinheiro recebido como propina para livrar um homem de investigação.
O caso começou quando um homem envolvido em um inquérito no 25º DP por ter sido flagrado em posse de munições procurou o Ministério Público para denunciar a ex-escrivã, que segundo ele havia pedido uma quantia em dinheiro para livrá-lo da investigação. O MP, então, acionou a Corregedoria da Polícia Civil.
O homem foi orientado a prosseguir com as negociações com a ex-escrivã e, na data marcada para a entrega do dinheiro, o processo foi acompanhado por policiais da Corregedoria. Após a entrega da quantia, a policial foi abordada e a gravação foi iniciada, conforme disse ao G1, no sábado (19), a corregedora-geral da Polícia Civil de São Paulo, Maria Inês Trefiglio Valente.
De acordo com Maria Inês, o vídeo tem mais de 40 minutos e mostra toda a negociação para que a ex-escrivã entregasse o dinheiro, considerado a prova do crime. A gravação foi feita, segundo a corregedora, "para a garantia de todos", como é comumente feito em ações da Corregedoria.
Violentada
"Eles (da Corregedoria) entraram gritando, apontando armas. Naquele momento, eu não conseguia entender o que eles gritavam", contou a ex-escrivã. Toda a sequência durou de 40 a 50 minutos. Ela disse não ter percebido quando a ação dos corregedores começou a ser filmada.
Segundo a ex-escrivã, em momento algum ela se recusou a ser revistada. Ela insistia apenas para que a revista fosse feita por uma mulher, como determina a lei. "Chamaram uma policial feminina e uma GCM (guarda-civil metropolitana) feminina, mas não deixaram que fizessem a revista", disse.
Em seguida, ela confirmou que chegou a ser revistada pela policial militar. "Revistou superficialmente, mas o delegado (corregedor) queria que eu tirasse a roupa." Ela disse que entrou em desespero e começou a clamar pela ajuda do então delegado titular do distrito na ocasião, Renato Luís Engler Pinto.
"Na hora, senti desespero, acuada por aqueles homens, em uma situação humilhante. Na hora que tiraram a minha roupa, eu pedi pelo amor de Deus para não filmar a minha intimidade. Foi uma violência; como mulher, fui violentada", enfatizou.
No entanto, ela isentou de qualquer culpa seus colegas de trabalho. "Ninguém pode fazer nada, eles (da Corregedoria) foram extremamente arbitrários ali, estavam acima da lei ali", contou. Segundo ela, o delegado titular retirou da sala todos os funcionários da delegacia momentos antes de ela ter as vestes retiradas e ser deixada nua da cintura para baixo.
A ex-escrivã não soube dizer por que o vídeo com as cenas humilhantes pelas quais passou foi postado na internet. O vazamento, neste momento, contribuiu significativamente para aumentar o seu trauma.
Mesmo que a sua defesa consiga reverter na Justiça a decisão que a exonerou do cargo, por suspeita de concussão, em um processo administrativo, ela considera difícil voltar a trabalhar em uma delegacia. Desde o ocorrido, ela conta com a ajuda dos pais para viver. "Pelo meu psicológico, acho que não dá. Estou traumatizada até hoje", disse.
Prova ilícita
Fábio Guedes Garcia da Silveira, advogado da ex-escrivã, disse que durante o processo administrativo não teve acesso ao vídeo gravado pela Corregedoria. "O vídeo que está na internet tem apenas 12 minutos. É preciso saber o que tem no restante do vídeo, que tem mais de 30 minutos."
Ele disse que lhe foi permitido o acesso apenas às degravações das conversas de sua cliente com o denunciante. "Em momento algum se depreende que a minha cliente pede algo ao denunciante", disse.
Segundo ele, o vídeo que caiu na internet deixa claro que os corregedores agiram com truculência. Por isso, a suposta prova contra sua cliente foi obtida de forma ilícita. "O primeiro passo agora, independentemente do inquérito criminal, é reverter a demissão dela e pedir a reintegração dela à Polícia Civil. E quanto à ação por danos morais há um prazo de três anos para entrar com o pedido. Esse seria um segundo passo", disse.
Para o advogado, no entanto, o estrago está feito. "É complicado, não tem como reparar o mal causado a ela. Um mal que agora se tornou público. É como se eu subisse em um prédio e rasgasse um travesseiro de penas lá no alto e depois descesse para tentar recuperar cada pena", ilustrou, sobre as imagens que caíram na internet.
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