Depois de quase dez anos de uma união que gerou três filhos, a advogada Kadja Brandão Vieira e o ex-oficial da Marinha Renato José da Cunha Faria decidiram enfim celebrar o casamento. Para sediar a festa, marcada para o dia 27 de novembro de 2010, escolheram as instalações da Ilha Fiscal. Ao assinar o contrato de locação, a noiva foi informada de que deveria pagar uma taxa referente aos direitos autorais das músicas que viriam a ser trilha sonora do enlace.
Além do vestido, bufê e todas as altas despesas geradas por uma festa deste porte, Kadja e o marido desembolsaram mais R$ 1.875, destinados ao ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Passadas as comemorações, os dois decidiram entrar com um processo contra a cobrança do Ecad e, nesta terça-feira, segundo nota publicada na coluna de Ancelmo Gois, o juiz Paulo Roberto Jangutta, do 7º Juizado Especial Cível do Rio, condenou o Ecad a indenizar Kadja e Renato em R$ 5 mil, além de devolver a quantia paga pelo casal.
Para o magistrado, o casamento é, por definição, "uma festa íntima, na qual inexiste intenção lucrativa, seja de forma direta ou indireta. Festas de casamento podem ser realizadas com fim religioso, como celebração de um ritual civil ou como mera comemoração de uma realização pessoal, porém, não lhes é inerente qualquer aspecto empresarial, ainda que se trate de um evento de alta produção", escreveu Jangutta em sua sentença, abrindo precedentes para que outros cônjuges também questionem o pagamento judicialmente.
A partir de agora, o Ecad tem 15 dias para pagar o valor devido ou mesmo recorrer da sentença. Especialista em Direito marítimo, Kadja conta que em nenhum momento durante os preparativos para o casamento concordou com a cobrança.
"Quando soube da existência desta taxa, me senti lesada. Até pela forma como a cobrança é feita: me enviaram um formulário por e-mail, preenchi, mandei de volta para o Ecad com uma cópia do contrato do aluguel do espaço e recebi um boleto de pagamento. Não tive a oportunidade de negociar e nem mesmo de entender a que aqueles R$ 1.875 se referiam", diz a advogada.
Relatos de festas que teriam sido interrompidas por decisão do Ecad intimidaram os noivos, que decidiram acatar a decisão. "Quando você organiza uma festa de casamento, você tem mil coisas para decidir e resolver, brigar na Justiça não é uma opção. Só recebi o boleto de pagamento numa sexta-feira à noite, na vespéra do casamento e me desesperei, porque já não tinha como pagar àquela hora. Fiz minha mãe subir ao altar com um o talão de cheques na bolsa, estava tudo pronto para o caso de os fiscais do Ecad aparecerem. Felizmente isso não aconteceu, mas na volta da lua de mel precisei entrar em contato com eles novamente para pedir uma segunda via do boleto e então efetuar o pagamento. Se eu não pagasse, havia o risco de eles cobrarem da Marinha, responsável pela Ilha Fiscal."
Processo
Resolvida a questão, Kadja enfim decidiu entrar com um processo para reaver o dinheiro junto ao Ecad. Segundo a advogada, que representou a si mesma no processo, o valor cobrado foi calculado não com base nas horas ou na quantidade de músicas tocadas, mas em cima de uma porcentagem do valor pago pelo aluguel do salão. "Se eu fizesse minha festa no playground do meu prédio ninguém iria me importunar, pois a lei discrimina que festas realizadas em domicílio ou mesmo em igrejas são familiares, mas o Ecad encontrou uma brecha para cobrar a taxa de casamentos realizados em outros locais. Ou seja, porque juntei dinheiro a vida toda para fazer a festa dos meus sonhos, eu teria que pagar um valor extorsivo e sem fundamento. Nem o DJ da festa recebeu cachê, foi um amigo que nos fez a trilha como um presente, os impostos acabaram saindo ainda mais caros".
Com a contestação da cobrança, os noivos esperam servir de exemplo para mais casais ou mesmo realizadores de eventos sem fins lucrativos e que, portanto, não estão ganhando com a execução de músicas durante o evento. "Estou disposta a orientar quem precisar, minhas amigas que estão de casamento marcado já me procuraram pedindo ajuda. Faço questão de comprar essa briga porque não acho justo", completou a advogada, que esperou por três meses até a divulgação da sentença.
Resposta
A assessoria do Edad informou que, embora as festas de casamento não possuam finalidade de lucro, as execuções de músicas nesses eventos ensejam o pagamento dos direitos autorais. De acordo com a Lei 9.610/98, a existência de lucro direto deixou de ser requisito para a cobrança dos direitos autorais. De acordo com a assessoria, a retribuição pelo uso de músicas é devida mesmo quando não há a finalidade lucrativa. O Ecad cobra dos locais que realizam essas festas, mas frequentemente os estabelecimentos repassam aos noivos a obrigação do pagamento dos direitos autorais.
Em nota, o Ecad informou que "a Lei 9.610/98 estabelece, em seu artigo 68, que são devidos direitos autorais pela execução de música em locais de frequência coletiva como salões de baile, clubes ou associações. Os únicos casos de não violação de direitos autorais previstos na Lei são o uso da música para fins exclusivamente didáticos nos estabelecimentos de ensino e a música executada nas residências, não havendo em nenhum desses casos o intuito de lucro".
A assessoria informou ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e instâncias inferiores já pacificaram o entendimento quanto à desnecessária exigência de lucro para a incidência do direito autoral de execução pública de músicas.
De acordo com a nota do Ecad, artistas que têm suas músicas executadas em eventos como festas de casamento criaram um segmento específico de distribuição chamado "Casas de Festas". A distribuição dos valores arrecadados de Casa de Festas, por meio da utilização de música ao vivo ou mecânica, é realizada com base em uma amostra específica proveniente exclusivamente dos usuários deste segmento.
Para compor a amostra, alguns estabelecimentos como salões de festas e clubes adimplentes com o pagamento dos direitos autorais recebem a fixação do equipamento Ecad.Tec Som, que permite a gravação digital automática das músicas tocadas no local. Em 2011, segundo o Ecad, foram distribuídos mais de R$ 13 milhões para 10.444 artistas referentes aos direitos gerados pela execução de suas músicas em bufês e casas de festas.