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O Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando um edital da Fiocruz que selecionou movimentos de esquerda, como MST, MTST e Levante Popular, para receber verbas do ministério da Saúde. Segundo os auditores do TCU, o edital de chamamento público organizado pela fundação apresenta critérios bastante subjetivos. As organizações precisavam demonstrar “compromisso com a democratização” e “combate a fake news”.
Por outro lado, o edital não possuía nenhum tipo de exigência de comprovação de atuação e experiência prévias na área da saúde. Outra falha apontada foi o curto prazo de apenas dois dias entre a nomeação dos membros da comissão de avaliação e a divulgação dos resultados preliminares.
O edital refere-se ao AgPopSUS, um programa do Ministério da Saúde mediado pela Fiocruz. O objetivo do programa é selecionar agentes educadores populares de saúde que ajudem na criação de políticas públicas. Em 2024, o programa conta com um orçamento de mais de R$ 23 milhões.
“As irregularidades na seleção de movimentos sociais pelo Ministério da Saúde são claras. O programa serve apenas para enviar recursos públicos para movimentos sociais, como MST, que apoiam o governo, sob o disfarce de promover a educação popular”, afirma a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP). A bancada federal do Novo identificou as possíveis irregularidades e acionou o TCU para que o órgão investigasse a execução do programa.
Durante o programa, os membros dos movimentos sociais serão instruídos através de um curso para identificar os problemas socioambientais que provocam doenças naquela região. Também serão os movimentos sociais que escolherão os educadores responsáveis pelo desenvolvimento pedagógico de cada turma. Esses educadores não precisam ter ensino superior ou outro tipo de conhecimento técnico, apenas "compreensão sobre o direito à saúde e o SUS". Após 120 horas de curso e seis encontros presenciais, os "educandos", como chama o edital, estarão aptos a ajudar gestores a pensar em políticas públicas de saúde.
MST, MTST e Levante Popular da Juventude foram selecionados
Para comprovar o "compromisso com a democratização" e o "combate às fake news", os movimentos deveriam enviar publicações nas redes sociais que demonstrassem o cumprimento do item. Já "grupos que propagam fake news" seriam desclassificados, pois estariam proibidos de participar da chamada pública.
O parecer da área técnica do TCU, ao analisar o certame, ressaltou que seria complexo comprovar se os candidatos realmente divulgaram fake news, já que o mais provável é que a comissão teria apenas avaliado as postagens encaminhadas pelos movimentos. “Logo, a não ser que se tenha realizado um verdadeiro escrutínio das mídias sociais e dos demais canais digitais de todos os 179 movimentos inscritos – o que se considera impraticável no exíguo período de dois dias – não seria possível atestar o atendimento ao critério”, conclui o documento.
O Levante Popular da Juventude, um dos movimentos selecionados pelo edital, promoveu diversos ataques a gabinetes e residências de deputados federais de direita e aliados de Bolsonaro. O movimento divulgou a ação no próprio site, nomeando-a de “escrachos em várias capitais do país – ações simultâneas de denúncia contra políticos e personalidades ligadas à extrema-direita”.
Recentemente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) parabenizou a “vitória” do ditador venezuelano Nicolás Maduro como presidente da Venezuela. Com os critérios subjetivos do edital, não se sabe como a comissão avaliadora classificaria, por exemplo, essas ações realizadas pelo Levante e o MST.
O período de dois dias para a nomeação da comissão avaliadora é outra irregularidade identificada pelos auditores do TCU. A escolha dos nomes dos avaliadores ocorreu em uma sexta-feira (07/06), e o resultado preliminar foi divulgado na segunda-feira seguinte (10/06), conforme apontou a auditoria do TCU. Nesse período, a Fiocruz teria analisado documentos de 24 movimentos nacionais e 155 estaduais.
“Toda a ponderação e análise técnica que o TCU fez me pareceu bastante adequada e com nível de profundidade adequada. Eles apontam uma série de fragilidade desse processo seletivo. É um nível de subjetividade da seleção das propostas muito grande”, comenta Thaís Strozzi, advogada especialista em Direito Público e mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento.
Procurada pela Gazeta do Povo , a Fiocruz informou que "está na fase de construção da resposta ao TCU quanto aos esclarecimentos já enviados pela instituição ao referido órgão de controle". A instituição ainda afirma que "todo o processo seletivo se deu rigorosamente alinhado aos regramentos e princípios da administração pública, estando todos os critérios de seleção amplamente expostos no edital para este fim elaborado. entrou em contato com a Fiocruz para que pudesse esclarecer os problemas mencionados pelo TCU".
Orçamento de programa é de mais de R$ 23 mi
Em sua primeira manifestação ao TCU, a Fiocruz alegou que não há repasses financeiros de apoio aos movimentos selecionados. A fundação justificou que o repasse de R$ 6 mil por turma montada é condicionado à realização e desenvolvimento por parte dos movimentos sociais, como o edital indicou. Ao todo, R$ 23,7 milhões estão destinados ao programa.
“O que eu acho equivocado é a destinação de tantos recursos da saúde a movimentos sociais. Qual é o nexo de adequação ou a demanda para que esse tipo de trabalho seja realizado por movimentos sociais e não por uma universidade, por exemplo?”, argumenta Jonas Cecílio, advogado da área de Direito Público.
O especialista ainda relembra que o ministério da Saúde já possui um inteligente sistema de logística com os municípios. “O ministério da Saúde poderia firmar convênios com os municípios para utilizar os agentes de saúde municipais, que já possuem treinamento e expertise. Por que a escolha de movimentos sociais?”, questiona.
O documento da equipe técnica do TCU também aponta que não houve exigências em relação à afinidade e ligação dos escolhidos com a área da saúde. Consequentemente, não houve pedidos de comprovação mínima sobre o desenvolvimento de ações de saúde por parte dos movimentos selecionados. Segundo o parecer, "além da ineficácia e possível desperdício de recursos públicos em quantias significativas, pode causar danos consideráveis à saúde de populações vulneráveis".
“O dinheiro público, que sai do nosso bolso, deveria ser usado para melhorar a vida das pessoas, levando em conta as necessidades regionais e socioeconômicas. Quando vemos uma quantia considerável da saúde sendo direcionada para agradar organizações alinhadas com o governo, é natural ficarmos preocupados”, considera Ventura.
Decisão de Anastasia coloca em risco dinheiro público, segundo especialista
Mesmo com o parecer da auditoria técnica do TCU solicitando a suspensão do processo seletivo, o ministro Antonio Anastasia optou por manter a execução do programa. Na próxima quarta-feira (15), o plenário deve referendar a decisão monocrática do ministro. Anastasia justificou sua posição alegando dúvida sobre a existência do "perigo da demora reverso", o que significa que, diante da demora de uma decisão final, o programa poderia sofrer impactos negativos.
“Se não há necessidade de ter pessoas com habilitação na área de saúde, provavelmente não demanda a mesma urgência do que outras ações de saúde. Está se fazendo uma confusão: apesar do tema principal ser saúde, o objetivo concreto é educação, treinamento, orientação”, analisa Jonas Cecílio. “Por outro lado, se o Tribunal de Contas não tomar uma decisão rápida, o risco é que esse dinheiro comece a fluir para movimentos sociais sem o critério razoável”, complementa.
A decisão do ministro Anastasia inclui uma nova demanda para que a Fiocruz apresente, no prazo de 15 dias, o acesso integral à documentação apresentada pelos movimentos e às avaliações realizadas pela comissão. A nova diligência solicitada por Anastasia ainda possibilita que o processo de chamamento público da Fiocruz seja suspenso posteriormente.