A Praça Tiradentes vista de um dos salões do Eduardo VII: por três décadas, o local abrigou bailes da alta sociedade paranaense| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

O "Espigão"

Subir 22 andares a pé é uma viagem aos anos 50

Nem a poeira acumulada nem a fúria dos sprays conseguem apagar a elegância aristocrática do antigo Hotel Eduardo VII. Estão ali alguns dos sofás gigantescos, as paredes revestidas de cerejeira e os metros e metros de cortina necessários para cobrir janelões de quatro metros de altura. Para cada lado que se olhe, um detalhe – ora um lustre de contos de fadas, ora um raro refrigerador da marca Miguel Baduy.

Quanto mais se sobe rumo ao 22º andar, mais o Eduardo VII fica com cara de 1954, ano de sua inauguração. Estão lá as banheiras brancas e mobiliário "ponta-agulha". A lavanderia equipada com maquinário da Chicago Dryer e da Wallig. Na sala de máquinas, o aviso na porta: "Perigo de morte". As chaves de luz indicam 220 volts e seus painéis parecem os de filmes de guerra. São tantos e tão grandes que provocam medo, mesmo estando tudo desligado, para poupar gastos com elevador. Chegar no topo, só a pé.

A depender da dupla de arquitetos e restauradores Leandro Nicoletti Gilioli, 34 anos, e Ivilyn Weigert, 31 anos, o hotel será devolvido à cidade. Ganhará novo uso sem perder a "pinta" do passado. "Os jovens têm direito à história", resume Leandro.

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Os restauradores Leandro e Ivilyn: o passado é um direito
Na lavanderia do hotel: ferros a postos e vista privilegiada
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O sírio Miguel Calluf (1891-1962) tinha um costume que deixava seus quatro filhos – Mirian, Emir, Munira e Munir – de pernas bambas. Tão logo chegavam à adolescência, punha-os para dirigir automóvel, sem chance para o choro e a grita. "Vocês não devem ter medo de nada", avisava, como bem lembra, aos risos, a filha Munira Calluf Salomão, 82 anos, única sobrevivente do clã original. Medo, garante ela, não era palavra do vocabulário daquele homem que chegou ao Brasil sem tostão, sem estudos e sem falar uma palavra em português. Fosse o tipo acanhado, não teria erguido o maior prédio de Curitiba nos dourados anos 1950 – o Hotel Eduardo VII, como ficou conhecido o belo "espigão" art déco que até hoje se destaca na paisagem da Praça Tiradentes.

Qual um folhetim, o empreendimento conheceu a glória e a decadência. Nos anos 2000, virou hotel de alta rotatividade e fechou. Por um curto período, pichadores viveram ali seus dias de realeza. Fizeram das cortinas sua cama, circularam pelos 220 quartos e escreveram "ódio" na parede. Nem a fachada foi poupada. Nada que iniba o novo proprietário. Comprou o prédio dos Calluf e estuda fazer dele uma república de estudantes.

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Slide show: Veja mais fotos do Hotel Eduardo VII

A construção do Eduardo VII é um épico curitibano, digno das melhores rodas de conversa na Boca Maldita. Miguel fez fortuna à frente da loja de tecidos Louvre, um entreposto elegante da Rua XV, construído no mais legítimo art nouveau. O comerciante também era dono do empório Íris, na esquina da Avenida Marechal Floriano com a Cândido de Leão. A família morava no andar de cima, seguindo o protocolo da época.

Tudo teria permanecido do mesmo jeito não fosse Miguel ouvir do governador Bento Munhoz da Rocha Neto que os "capitalistas" deveriam fazer sua parte na construção de um Paraná moderno. Bento queria colocar o estado no mapa do Brasil, como de fato o fez. Ao pedir ajuda, tocou num sentimento caro a imigrantes como Miguel – o de gratidão. O Eduardo VII, inicialmente Louvre Hotel, começou a surgir ali.

Inauguração de gala

Munira se recorda do pai exibindo os mapas com os desenhos do arquiteto Ralf Leitner. E do preço pago pela aventura: a casa de esquina da família teve de ser demolida para dar origem ao prédio de 8 mil metros quadrados, 22 andares equipados à moda dos melhores hotéis norte-americanos. Lembra, principalmente, da inauguração, um desfile de chapéus de eclesiásticos, mas principalmente chapéus das cabeças coroadas do planalto. Foi black tie e no dia exato – 18 de dezembro de 1954, véspera do aniversário da emancipação política do Paraná. O pedido de Bento estava atendido.

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"Meu marido dizia que era como se marcianos tivessem invadido Curitiba", comenta Munira, sobre como tanta "gente de fora" lotou os dois salões de gala do hotel, dos quais se podia ver a Catedral, a Tiradentes e suspeitar de que o tal do Paraná moderno tinha chegado e se hospedado ali. O próprio Miguel, em seu emocionado discurso de "corta-faixa" chamou a capital de "metrópole" – a cidade tinha cerca de 200 mil habitantes –, e destacou sua saga de forasteiro que acabara de dar ao local que amava um abrigo para viajantes. Fazia sentido.

A lua de mel com o prédio durou oito anos. Miguel Calluf morreu em 1962, aos 71 anos. Seu empreendimento era, então, um mutante. De Louvre virara Lord Hotel, passando a Eduardo VII. Ao ser vendido, em 2008, era um três estrelas sem méritos. Agora, aguarda aprovação da prefeitura para plano de restauro. É um projeto para 2014, quando completará 60 anos de fundação. Que seja com festa.

Três dúvidasA negociação do arranha-céu da década de 1950 é discreta. Expectativa do novo dono é apoio, ainda que mínimo, da prefeitura

1. Cópia: é versão aceita que, depois de uma viagem aos EUA, Miguel Calluf teria decidido reproduzir em Curitiba o famoso "Flat Iron Building", arranha-céu pioneiro da Quinta Avenida. O formato triangular, na esquina, e a fachada confirmam a semelhança e a coincidência. Munira Calluf Salomão, filha do empreendedor, desmente a versão. "Foi uma ideia da cabeça dele."

2. Quem comprou: o nome do novo proprietário do Eduardo VII – oficialmente Edifício Miguel Calluf – é guardado em segredo. Não quer ser identificado, mas por intermédio dos restauradores do prédio, Ivilyn Weigert e Leandro Gilioli, lamenta a morosidade do poder público em apoiar empreendedores como ele, dispostos a cuidar do patrimônio cultural e histórico da cidade. "A burocracia é um desestímulo", diz. O projeto de restauro está de molho há um ano e meio. Até agora não há perspectiva de apoio do município ao empreendimento.

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3. Quanto custa