Resumo desta reportagem
- O governo Lula enviou o projeto de lei batizado pelo Executivo de “PL da igualdade salarial” em março, em alusão ao Dia Internacional da Mulher. A Câmara aprovou a proposta no dia 4 de maio.
- O projeto de lei aumenta significativamente as multas em caso de discriminação salarial comprovada, além de incluir indenização por danos morais, e cria mais obrigações às empresas.
- Economistas alegam que, caso se torne lei, a medida teria o efeito contrário, de inibir a contratação de mulheres pelo receio das empresas de complicações trabalhistas.
- Deputados contrários à proposta afirmam que apesar dos prejuízos às mulheres, parlamentares votaram majoritariamente a favor do tema por receio de serem vistos como contrários aos direitos da população feminina.
No início de maio, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei de autoria do governo Lula anunciado com o objetivo de garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres. O texto, caso seja aprovado também pelo Senado, trará mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), principal lei trabalhista brasileira.
O texto foi aprovado com 325 votos favoráveis e 36 contrários ao parecer final da deputada Jack Rocha (PT-ES), definido após acordo entre os líderes partidários. Em resumo, o projeto de lei se propõe a garantir que não haja diferença salarial por motivo de discriminação por sexo, raça ou etnia.
Tal mecanismo já está previsto na CLT. A proposta, no entanto, busca aumentar multas na ocorrência de discrepâncias salariais comprovadas – nesses casos, atualmente a legislação trabalhista prevê pagamento das diferenças salariais mais multa de 50% do limite dos benefícios Regime Geral de Previdência Social (R$ 3.753,74 em valores atuais).
A nova proposta prevê, além do pagamento das diferenças remuneratórias, multa no valor de dez vezes o maior salário pago pelo empregador. Além disso, estabelece indenização por danos morais a ser pago ao funcionário. Nos termos do projeto de lei, empresas com mais de 20 empregados deverão publicar periodicamente os chamados “relatórios de transparência salarial”, os quais seriam usados para a apuração de eventuais discrepâncias salariais. Caso deixe apresentar o relatório, a multa ao empregador seria de cinco vezes o maior salário pelo pela empresa, elevado em 50% em caso de reincidência.
Apesar de a aprovação na Câmara ter sido comemorada pelo governo – em especial pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves –, para fontes ouvidas pela reportagem a medida pode gerar o efeito contrário e gerar prejuízos econômicos à população feminina. Ao aumentar burocracias, eventuais responsabilizações e multas para a admissão de mulheres, as determinações podem levar as empresas a enxergarem a contratação de homens como juridicamente mais segura, o que desestimularia a admissão formal de mulheres, aumentando a desocupação e a informalidade da população feminina.
Para economista, impactos do "PL da igualdade salarial" são desfavoráveis às mulheres
Como explica o economista Vladimir Fernandes Maciel, doutor em Administração Pública e Governo pela FGV-SP e coordenador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, no melhor dos cenários a medida seria inócua, já que a CLT já assegura mecanismos que proíbem que haja salários diferentes entre homens e mulheres para o exercício da mesma função na mesma empresa. Por outro lado, o economista aponta como efeito reverso da lei um maior receio das empresas quanto à contratação de mulheres.
“A pauta é justa, porque de fato a questão da produtividade para muitas funções tende a ser igual. Porém há outro lado: o custo para os empregadores entre mulheres e homens não é igual. Você pode ter produtividade igual, mas não tem necessariamente custos iguais. Quando acaba nivelando, a tendência do contratante é contratar menos mulheres”, diz Maciel.
“Em economia as coisas se ajustam por preço e quantidade. Se a lei travar o preço, que é a remuneração, vai ajustar em quantidade, e aí vai induzir a uma discriminação na forma de contratações que privilegiem profissionais do sexo masculino em alguns segmentos. Nesse caso, vai reforçar a discriminação no mercado de trabalho, não por preço, mas por quantidade”, explica.
Para Maciel, quanto mais o tema for alvo de regulação, a tendência é piorar cada vez mais a situação das mulheres do mercado de trabalho. “As consequências seriam não apenas a contratação menor de mulheres, mas também as levaria mais à informalidade, ou seja, sem nenhum mecanismo legal de amparo, sem seguro-desemprego ou licença maternidade, nada disso”.
Parlamentares contrários ao projeto de lei dizem que narrativa do governo impediu debate
Para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que votou contra o projeto de lei, a proposta foi conduzida de forma populista pelo governo sob o rótulo de “PL da igualdade salarial”, o que teria deixado muitos parlamentares com receio de votarem de forma negativa ao projeto e serem taxados de contrários aos direitos das mulheres.
O Executivo apostou alto nesse tema: a proposta foi encaminhada com pedido de urgência constitucional, ou seja, o projeto de lei ganhou prioridade sobre os demais e, caso não fosse votado em 45 dias, passaria a trancar a pauta do Legislativo até que o tema fosse debatido. O governo Lula já havia solicitado a urgência constitucional para outras propostas, como a que prevê a criação do 'Dia Nacional Marielle Franco' – o pedido foi retirado semanas depois.
“É um PL demagógico que foi explorado pelo governo em março, no dia das mulheres. O governo afirma que se baseou no estudo do IBGE [que aponta que, no Brasil, mulheres ganham cerca de 20% a menos do que homens]. Mas há motivos para que haja essa diferença – às vezes porque temos menos tempo para trabalhar devido à dupla jornada, por escolhas diferentes ou, em alguns casos, por não serem feitas tantas horas extras”, afirma.
De fato, segundo dados do IBGE referentes ao 4º trimestre de 2021, a quantidade de horas trabalhadas por semana foi de 37,3 entre as mulheres, na média, e de 41,9 entre os homens. Além dessas questões, Fernandes Maciel explica que apesar de o salário nominal ser obrigatoriamente igual, o salário líquido pode variar entre homens e mulheres porque muitas empresas possuem diferentes políticas de descontos e benefícios que ocasionalmente fazem com que mulheres tenham a renda líquida menor.
“Se por conta da maternidade, por exemplo, a mulher utilizar mais um plano de saúde com coparticipação do que o homem, ela terá maior desconto no final, mesmo que o salário registrado seja igual entre ambos. Por outro lado, empresas podem estipular um número mínimo de faltas para determinada bonificação anual; se a mulher precisar se ausentar mais do trabalho por ter que levar filhos ao médico, por exemplo, ou por questões biológicas, os homens acabam tendo mais chances de ter a bonificação”, explica o economista.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC), outro a votar contra o projeto de lei, reforça o prejuízo à força de trabalho feminina do país caso a proposta se torne lei. “Infelizmente as empresas vão optar por não correr esse risco não contratando mulheres. No fim, a intenção do projeto é boa, mas o resultado é ruim”, aponta.
“Nos termos dessa lei eu, como empresária, veria mais vantagem em contratar homens. Isso vai tirar muitas mulheres do mercado de trabalho e, como mulher, fico indignada com a aprovação de uma lei tão burra”, diz Adriana Ventura, que é empresária e doutora em Administração de Empresas.
A parlamentar afirma que desde a votação vem recebendo uma série de ofensas sob a alegação de que teria sido contrária à população feminina. Ela aponta, ainda, que muitos parlamentares sequer sabiam dos termos da proposta e votaram a favor por receio da opinião pública.
Gilson Marques também menciona a onda de perseguições – de ativistas e de parte da imprensa – contra parlamentares que votaram contra a matéria. “É um projeto muito ruim e muito difícil de votar contra. Precisa explicar, ler, refletir sobre o resultado. É muito mais fácil dizer ‘sou a favor das mulheres, vou votar a favor’. É óbvio que isso vai prejudicar muito a mulher, mas a narrativa de que esse projeto era de igualdade salarial pegou muito forte, e os parlamentares, para não se complicarem, votaram a favor”, diz o deputado.
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