Fato corriqueiro desde 2013, o primeiro trimestre de 2017 deve ser de protestos da população contra a alta nas tarifas de ônibus e de embate entre prefeitos e operadores do transporte coletivo em diversas capitais brasileiras. Mas a promessa do futuro prefeito João Doria de não aumentar o preço do ônibus em São Paulo jogou ainda mais combustível nessa discussão e ligou o sinal de alerta nos empresários do setor.
A preocupação, dizem eles, não é com a capital paulista, onde um parrudo subsídio complementa os pagamentos do sistema. Mas sim com os municípios que tendem a seguir São Paulo como exemplo e não têm o mesmo caixa que será herdado pelo tucano. O município paulista pagou R$ 2 bilhões em subsídios ao setor neste ano e contas iniciais dão conta de que serão necessários R$ 3 bilhões caso realmente não haja reajuste do preço cobrado dos passageiros.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Otávio Cunha, presidente da NTU, uma associação que congrega as empresas de transporte coletivo do país, reforçou esse temor, comentou a situação de Curitiba e sustentou que a qualidade do serviço oferecido pelos empresários hoje “é compatível com o preço”.
Uma queda de 7% na demanda do transporte, como a de Curitiba, é impossível de recuperar [apenas] com a oferta de serviços.
O prefeito João Doria foi eleito com a promessa de que não reajustaria a tarifa do transporte coletivo. Após a eleição, ele foi mais específico: o congelamento valeria apenas para 2017. Como o setor recebeu essa notícia?
Com muita apreensão. Em São Paulo, a subvenção está no contrato. Então quando o prefeito eleito diz que não dará aumento em 2017, ele pode fazer isso sem nenhum problema desde que banque esse custo através da subvenção. Hoje, 70% dos custos do sistema são cobertos pelos passageiros e o restante pelo município.
Então qual é a preocupação?
São Paulo é exemplo para o bem e para o mal. É a maior cidade do Brasil. [A decisão de Doria] pode gerar um comportamento junto aos prefeitos da região metropolitana [de São Paulo], que costumam esperar o reajuste da tarifa de São Paulo. O prefeito de Mauá [Grande São Paulo] já disse que também não vai dar aumento.
Os custos do transporte estão defasados?
Considerando a redução da demanda em torno de 9% de 2014 para 2015 e de 2% de 2015 para 2016, a defasagem média nacional está entre 15% e 20%. Essa seria a necessidade de reajuste médio [no país]. Todos os aumentos nas capitais brasileiras acontecem entre janeiro e maio. Vai haver uma necessidade de reajuste, sob pena de o setor entrar em colapso.
Mas então a queda na demanda em 2016 foi consideravelmente menor do que a de 2015. Esse não seria um fato a se comemorar?
Digo que não piorou muito. Caiu [menos], mas já partiu de um patamar lá embaixo. Pelas nossas contas, 2% de variação é um fenômeno natural. O serviço como um todo tem como recuperar isso. É possível fazer alguma redução de oferta entre os horários de pico para manter o equilíbrio econômico. Mas uma queda de 7%, como a de Curitiba, é impossível de recuperar [apenas] com a oferta de serviços, sob pena de deteriorar muito a [qualidade] na oferta de transporte.
Se não tivermos mecanismo de subvenção, o transporte público vai custar a melhorar ou vai ficar como está hoje.
Curitiba teve uma queda de 7% no total de passageiros transportados em 2016? É sobre esse número que os empresários daqui questionam a prefeitura?
Inclusive os empresários contrataram um trabalho junto à UFPR para mostrar que a projeção de passageiros [feita pela Urbs] não se revelou. [A projeção] é 148,5 milhões de passageiros e está sendo realizado algo em torno de 10 milhões a menos. Essa queda de demanda que já gerou esse déficit de R$ 41,5 milhões no setor, segundo dados do sindicato [Setransp]. Inclusive isso já foi mostrado a Urbs. A tarifa [técnica, o valor repassado às empresas] deveria ser de R$ 3,96 por força dessa queda de demanda e isso tem preocupado com relação ao pagamento do 13.º [salário, cuja primeira parcela está prevista para ser depositada no próximo dia 30].
A forma como a Urbs projeta essa demanda não é um padrão nacional?
No caso de Curitiba, eles [Urbs] pegaram o realizado de março de 2015 a outubro de 2015 e projetaram. Esse procedimento não está errado. A demanda tem um comportamento muito uniforme. O que ocorre é que, uma vez identificado esse furo, é justo que se faça uma correção. Em outras cidades também é assim. Tem algumas que têm o reajuste tarifário feito por uma formula paramétrica a cada quatro anos. Mas quando existe queda de demanda muito acentuada, sempre os contratos têm previsão de fazer essas revisões.
Mudando um pouco de assunto, o governo federal mudou a política de preços dos combustível. O impacto imediato disso foi a redução do preço da gasolina. A médio prazo, como o transporte coletivo observa essa estratégia?
São dois pontos. Temos um ganho nisso porque tem uma redução no preço do óleo diesel. Hoje, esse insumo representa em torno de 23% do custo do transporte. O outro ponto é que a gasolina mais barata pode incentivar o uso do transporte individual, aumentando o custo do transporte coletivo por conta dos congestionamentos e acentuando a perda da demanda. Esse é um incentivo que o governo federal vem utilizando há alguns anos e é muito ruim. Por isso que hoje o setor defende a possibilidade de criar um fundo para baratear as tarifas de transporte usando um imposto sobre o consumo de gasolina e álcool.
O senhor acredita que o preço do transporte é condizente com a qualidade oferecida atualmente?
Transporte público de qualidade custa mais caro. Se não tivermos mecanismo de subvenção, o transporte público vai custar a melhorar ou vai ficar como está hoje. Hoje a qualidade do transporte é compatível com o preço pago. O serviço não melhora porque os municípios atualizam apenas os custos dos serviços e não o investimento. A economia nossa é indexada à inflação.