Nos bairros mais distantes do Centro de Curitiba, até pouco tempo era comum encontrar pendurada no portão de algumas casas uma plaquinha, feita à mão, com a seguinte inscrição: "Cuida-se de crianças". Para algumas mães, visualizar uma dessas representava a salvação, já que nem sempre era fácil encontrar vagas em creches. Com a construção de Centros Municipais de Educação Infantil públicos, particulares, comunitários ou conveniados, aos poucos essas mães ou avós da rua, como são conhecidas, foram desaparecendo. Mesmo assim, algumas resistiram às mudanças e as que deixaram de cuidar das crianças conseguiram construir laços de amizade e confiança no bairro.Zilá Batista de Paula, 51 anos, tinha uma tabuleta em um portão da Vila Osternack, no bairro Sítio Cercado, até o mês passado. Por causa de uma reforma, ela precisou deixar o trabalho de lado. "Criança e construção não combinam", explica. Durante dez anos, a cuidadora zelou pelos filhos da vizinhança. A iniciativa veio pela necessidade, já que ela tinha duas filhas pequenas para criar e não podia sair de casa. Houve uma época em que cuidou de sete de uma vez. Os pequenos tomavam café da manhã, almoçavam, lanchavam e jantavam, tudo como manda o figurino. E Zilá recebia um dinheirinho providencial.
Quando algumas crianças começavam a frequentar a escola, a função de levar e buscar também ficava com ela. Nas férias, a casa da Zilá continuava movimentada, porque, além da garotada de que ela cuidava habitualmente, aparecia uma turminha nova, que não tinha onde ficar quando as aulas acabavam.
Braço direito
Mesmo sem a plaquinha no portão, Doranice Lira Gomes, 52 anos, era a pessoa de confiança nas proximidades da rua onde morava, no Bairro Novo. Com os filhos já grandes, durante seis anos ela foi o braço direito de muitas mães. O trabalho começou por acaso. No início, as mães que precisavam ir ao mercado, ao médico ou à farmácia pediam para que ela desse uma olhadinha nos filhos. Aos poucos, as crianças foram ficando.
Algumas mães precisaram voltar ao mercado de trabalho e não hesitaram em pedir auxílio para a Dona Dora, como é conhecida. Para dar conta do recado, ela conta que a estratégia era colocar todo mundo para brincar no pátio de casa se o tempo colaborasse, é claro. As crianças iam para o gramado. Ela fazia balanço caseiro e bolinho de terra. "Era brincadeira da roça mesmo, sem frescura", resume.
Doranice guarda fotos de muitas das crianças que passaram por sua casa. Junto com ela, umas aprenderam a falar, outras a andar e, no fim, elas até a chamavam de vó. Atualmente morando no município de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, Dora ainda recebe notícias e visitas dessas crianças que um dia viu crescer.
Casa sempre cheia de crianças e de alegria
Ser a "mãe temporária" das crianças do bairro envolve sentimentos de mão dupla: é comum que garotos e garotas criem vínculos afetivos com as cuidadoras (alguns chegam a chamá-las de mãe ou de avó), e é inegável que, para passar o dia todo cercada por crianças, é preciso gostar do que se faz.
O caso de Andrea Julita de Oliveira, 33 anos, moradora do bairro Ganchinho, é de puro amor. Ela, que é também diarista, sempre que pode está com a casa cheia de crianças. "Sempre gostei de tê-las por perto e faço isso desde os 15 anos", diz.
Hoje, Andrea, que tem um filho de 11 anos, cuida de duas vizinhas e dois sobrinhos. As vizinhas ela viu crescer e, para ajudar a mãe das meninas, não cobra nada por isso. Por esse amor às crianças, Andrea é vista como referência em toda a rua. Quando chegam até ela é porque foi indicada por algum morador das proximidades.
Empenho maternal
Mara Petroski Lanore, 60 anos, começou a cuidar dos filhos dos vizinhos também por amor. Ela não pode ter filhos e viu na atividade uma forma de suprir a falta de uma criança em casa. Foram 16 anos sendo mãe de uns e avó de outros. A ideia surgiu enquanto ela via a neta de uma amiga da rua brincando no quintal. Rosane, mãe da criança, achou a alternativa interessante e as duas fizeram um teste. Deu certo. Além da pequena Bruna (hoje com 18 anos), aos poucos a casa foi se enchendo, até um dia em que ela se viu com 12 meninos e meninas.
Com um espaço grande, na hora da soneca era colchão para todos os cantos. Garotas de um lado e garotos do outro. A divisão valia também para as brincadeiras. Por ter feito recentemente uma cirurgia, Mara precisou parar com o trabalho. Mas avisa que pretende voltar.
Segurança
A psicopedagoga Sandra Mara dos Santos Corrêa é contra a prática de deixar os filhos com pessoas do bairro. Para ela é importante que as mães matriculem as crianças em Centros de Educação Infantil, para que recebam o acompanhamento pedagógico adequado. Quando a única opção é a vizinha, ela aponta alguns fatores a serem analisados:
- Verifique se na casa da vizinha circulam pessoas estranhas, como homens mais velhos e jovens.
- Observe se há opções para o lazer, como jardim, brinquedos, livros e materiais para colorir. Essas alternativas evitam que as crianças fiquem muito tempo em frente da televisão.
- Preste atenção nas condições do ambiente. A casa é grande? É limpa e organizada? Há animais de estimação?
- Verifique se o seu filho apresenta características que indiquem maus-tratos, como voltar a fazer xixi na cama, deixar de se interessar pelas atividades escolares e passar a cometer pequenos furtos na tentativa de chamar a atenção.
- Se notar essas ou outras alterações de comportamento, procure ajuda especializada.